terça-feira, 26 de abril de 2011

Elizabete

Todos os Domingos ia à missa. Vestia a sua melhor saia, limpava devidamente os óculos que segurava na ponta do nariz, pegava no seu livro de cânticos de capa verde escura, e fazia o caminho a pé, pelo carreirinho talhado na beira da estranha, ao lado de sua mãe, também ela fiel devota. Mal entravam na igreja, e ainda o prior não tinha chegado ao altar, e já as suas mãos de suserana acendiam as velas que iluminavam a Santíssima Trindade, Santa veladora da terra, levada todos os anos enfeitada, em procissão, na festa da aldeia. À medida que o cortejo passava, as gentes iam depositando em seu manto notas em sinal de devoção, dádivas de oiro, ou outros bens doados à igreja, que alguma bênção deu, ou então, que algum milagre devia. Ambos serviam para louvar à Santa. Logo após a entrada do pároco, davam-se inicio às cerimónias religiosas, devidamente seguidas a rigor pelo missal, que utilizava apenas a jeito de preceito, que de tanta missa ter rezado, e já as palavras lhe saiam da boca no lugar devido, nem antes, nem depois da hora. Uma proeza.
Lá dentro do seu humilde ser, pedia sempre a mesma coisa. Não era de agora, já vinha de há muito, que desde cedo percebeu que a sua figura desajeitada, nem por isso jogava em seu abono, e que o seu exagerado tamanho, afugentavam algum partido mais tímido que pudesse deitar-lhe um olho, ainda que pouco interessado. O tempo passou, e a missa, nem por isso dava proveito, ao ponto de chegar a pôr em causa, vejam só, a credulidade divina, coisa essa que lhe tinha sido ensinada desde sempre, pelo que tal sentimento a deixou sorumbática, zangada consigo mesma, como poderia pensar tal coisa?
E então sossegou. Encaixou os seus sonhos, que ainda que ténues, lhe povoavam a mente, num compartimento escondido e nada acessível, e passou a visita-los apenas uma vez por mês, deixando os restante dias entregues à realidade, que a açambarcou com uma força de brutidade, contra a qual pouco ou nada podia.
Um dia, porém, algo mudou. Surgiu, donde menos se esperava, um amor para os seus dias. Primeiro, nem bem soube o que lhe fazer, que o desajeito era coisa séria, mas depois, devagarinho, tomou-lhe o gosto e agarrou-o junto a si, derrubando de uma vez a realidade cinzenta, e trazendo ao de cima a caixa dos sonhos. Num instante da vida, que mais não foi do que isso, deu à luz dois, e passou de uma a quatro.
Aos Domingos, continua a ir à missa. Pelo que reza agora, não sei.

1 comentário:

  1. Olá CF, inspirada como sempre. Uma bela história de esperança.
    Bj

    Maria

    ResponderEliminar

Deixar um sorriso...


Seguidores