domingo, 13 de novembro de 2016

cão

A morte bate sempre na porta errada. Engana-se no caminho, tenho ideia, não sei se se orienta por proximidades, por ruas, por qualidades, se por um jeito de percorrer a curva mais bonita da cidade. Hoje levou um animal que não deveria morrer. Porque os animais também são escolhidos ao acaso não sei de que história, e dá vontade de perguntar o porquê de ser assim. Há muito tempo que falo com eles com a mesma devoção com que falo com humanos. Há muito que os encaro nos olhos e os escuto, com muito mais interesse do que oiço determinadas pessoas, ando cansada de palavras vazias, ao mesmo tempo que preciso muito de silêncios sinceros e genuínos. Não me lembro de há quanto tempo me rondava a porta, mas sei que me recebeu muitas vezes de braços abertos. Não sei ao certo quantas histórias lhe contei, quantas festas lhe dei, quantas vezes apanhei o meu vizinho velho a fazer-lhe a mais deliciosa das companhias. Ambos solitários, ambos donos um do outro, donos de momentos felizes, também. Os cães, tal como as pessoas, não deveriam morrer sem avisar primeiro. Sem que tivéssemos tempo de lhes dizermos tudo o que quiséssemos dizer, chorar juntos toda a falta que nos vão fazer, idealizar todo o futuro acabado pela eternidade. Não deveriam morrer enquanto nos fizessem falta, enquanto nos fosse preciso aquele olhar companheiro, infalível, infindável, sem termos mais um dia de espera com uma cauda a abanar, um sorriso conhecido apenas por quem os entende, um biscoito engolido à pressa, à espera do outro a seguir. Ando em guerra com a morte há muito, muito tempo, e assim, perdida pela força da realidade, choro o cão sem lhe ter dito o quão importante ele foi para mim, na esperança dele ter percebido que me deu mais do que muita gente, em certos dias difíceis. 

Os cães não são bem animais, são pessoas boas disfarçadas, muito inteligentes e sensíveis. Duas coisas que na espécie humana, é difícil de encontrar num só corpo.

7 comentários:

  1. decerto lhe deste coisas bonitas como te deu a ti.
    os animais sentem essas coisas.
    e tens razão, os animais são as melhores pessoas.

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    1. julgo que dei sim, Laura. E sei que sentiu. Fica porém, quando algum parte, a sensação de não se ter dado tudo. A realidade da morte é assim...

      Um beijinho

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  2. De lágrimas nos olhos (outra vez). Sim, a morte devia ter aviso, se não para prevenir os que vão, ao menos para dar uma oportunidade aos que ficam.

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