sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

explicações

Nem sempre esclareço tudo o que sinto. Aprendi na escola a pensar a lógica matemática, a realizar raciocínios exactos, a cumprir regras precisas à rigidez do correcto, a chegar à hora marcada, antes do toque de entrada. Tudo isto tinha uma explicação coerente dada pelo mundo, tal como tinha uma razão o que aprendia no resto da vida, o pão do pequeno almoço, o leite do lanche, o beijo do cumprimento, o sono da noite. Até determinada altura vivi sob orientação externa de carácter definido, métodos orientadores de acções fundamentais ao crescimento, rigores preestabelecidos que permitem a uma mente imprecisa e evolutiva caminhar num espaço externo, do corpo para fora, anos depois. Nesses anos depois, quando o intelecto amadurece, nem tudo se explica, tudo se sente, eventualmente tudo se aceita. Falo por mim, muito embora compreenda (e aceite, lá está) outras reflexões. Não consigo explicar inúmeras sensações que tenho, alcançar sensibilidades que me assaltam, perceber o vácuo do mundo que não se mede, que não se contabiliza, que não se regista. Facilmente, e por outro lado, entro nos caminhos seguintes, ou seja, depressa aceito, e já senti de tudo um pouco. Esta visão parece-me uma mais-valia profissional, muito embora o sentir-me aquém seja uma constante: todos querem respostas válidas para agarrar a mente, que não há quem a segure, quanto mais o corpo. Não tenho, lamento e uso dizer, mas não tenho de todo. Porém, o verdadeiro busílis encontra-se em mim e comigo. Se rapidamente aceito e não explico, fico-me porém com os sentires, a esses não há como fugir. E o que fazer com aqueles que me invadem na calada da noite, de emboscada, impossíveis de matar, ocultos de tudo o que me seja coerente? Também não sei, lamento e uso pensar, mas não sei de todo. 

E sendo assim concluo que sei pouca coisa, sinto em demasia, explico quase nada e aceito quase tudo. Sou aparentemente estupenda. E assustadoramente real. 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

alegria

Nunca me entreguei ao culto do monocórdico. Tenho pouca paciência para estados crónicos de aborrecimento, pouca tolerância para ares cismáticos com cigarro criteriosamente dependurado na ponta dos dedos, olhos profundos e boca semicerrada. Nunca fui dada ao charme da melancolia, parece-me sempre um constructo enfadado e sem graça que se arquitecta em torno de plumas pretas, traços carregados nas pálpebras, pérolas sisudas e caras de poucos amigos, quase impenetráveis. Não é por isso que não gosto de poesia, e para que não haja confusão. A poesia é impenetrável por si mesma, é a confidência de um estado de alma que traduz em palavras belas alegrias e tristezas, desgostos e ambições, amores e desamores, ódios ou paixões. Veste-se assim por graça,  por pura harmonia de palavras, mas não é gente. É (grandemente) pedaços de estados de espírito, e como tal pode tudo quanto quer. Vulgarmente são as mulheres que apreciam o embrulho da tristeza. Empenham-se em emitir semblantes graves e penetrantes, dedicam-se a transmitir uma introespecção expressa num cuidado extremo de rigor descontente, como se a aura procedida lhes desse um poder oculto, pelo mistério. Haverá quem goste, mas deve cansar. Eu prefiro mil vezes o sorriso do que o ar pesado, sou mais dada à festa do que à reza, prefiro o rock ao fado, e dançar folclore é para mim uma perdição. Preciso da alegria do povo, dos aglomerados em torno de uma banda qualquer, de um mar revolto e de uma tempestade de luzes ao entardecer. Sou capaz de escrever sem corrigir, de cantar sem ter voz para isso, de declamar em voz alta um sentir emocionado, por forma a deixar que me ouve embaraçado. Não me escondo no mundo por vergonha, não me construo, manifesto-me. É claro que há olhos críticos pela simplicidade. Uma senhora deverá manter a pose, olhar a direito, andar recta e monocromática, usar uma bolsa de mão, na mão. Deve embrulhar-se em lenços de seda carismáticos, deve ler obras de referência literária, deve alisar o cabelo ao nível do rosto, usar salto fino, e jamais vestir um calção. Deve ser mãe e mulher a tempo inteiro, relegar a alegria imprópria, comer pouco ou quase nada, como uma sopa insípida regada com crème fraîche. No final não há sobremesa ou licor para rematar. Não que eu não goste destas senhoras, que eu imagino à distância enquanto mordo um big mac, sentada num carro empoeirado e com um gelado à espera. Gosto de as idealizar na varanda resguardada enquanto eu levo com a brisa do mar, deitadas quietas a ouvir Beethoven enquanto eu danço Lindsey Stirling, embrulhadas num vison ao mesmo tempo que eu me estendo na areia, num pano engelhado, de nariz sardento a corar ao sol. Até porque, pasmem-se, em caso de necessidade consigo quase tudo: elevo-me nuns saltos altos vinte e quatro horas sem me cansar, respiro ar sem que se veja, mantenho a rigidez do olhar, caminho direita sem acusar reacções e solto palavras frias, no limiar da educação. Mas não gosto lá muito quando isto tudo é preciso. Nada é mais fatigante do que uma permanente construção.

(E cansada já eu ando que chegue.)

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