domingo, 13 de março de 2016

sossego

Quando existem avós, os pais deveriam ser "obrigados" a incentivar a relação destes com os netos. Não sei se consigo imaginar o que eu seria hoje sem ter passado por eles, e há marcos que ainda me seguram ao colo. O colo, ao contrário do que muitos julgam, pode ser muita coisa para além de uns braços e umas pernas, onde nos sentamos quando temos medo, quando lanchamos ou quando ouvimos uma história. Um colo pode ser tudo o que se guarda no peito, enquanto o tempo passa e nos leva as pessoas que afinal permanecem para todo o sempre na nossa memória. Tive os melhores avós do mundo, e duas delas, já mortas, faziam anos neste mês. Delas guardo a máquina da qual vos falei ainda agora, guardo tapetes de Arraiolos, guardo receitas de doces mas aguardo, acima de tudo, todo o amor que elas tiveram para me dar, com a paciência que só os anos agiganta dentro da pele, das mãos, dos cabelos e dos olhos. Há coisas na natureza quase perfeitas. Os tempos em que existimos, por exemplo, é uma delas. Somos filhos primeiro, pais depois, avós na hora em que a perfeição do amor ganha corpo e espírito. Com dedicação, calma e tempo. E por isso constroem-se rostos que nunca mais se apagam, escritos pelo tempo que passa sem parar. Uma pressa que só a memória guarda em sossego.

terça-feira, 8 de março de 2016

máquina de costurar

Veio cá para casa a máquina da costura da minha avó. Antiga, a pedal, envernizada e pintada, pronta para coser calças, camisas, saias, botões e folhos, joelheiras e cotoveleiras. Nada me fez cair ao chão, até ao momento em que abro a gaveta e encontro os pertences velhinhos da sua dona. Carrinhos de linhas de várias cores, um dedal, uma fita métrica, um saquinho com botões, tudo com um fortíssimo cheiro a Albertina. Não posso dizer que caí redonda, mas devo confessar que precisei de sentir as tábuas do soalho a ancorarem-me o corpo frouxo e o espírito. Não sei ao certo para onde fui naquele momento. Se para o sótão da casa dela, se para o hospital onde a vi respirar pela última vez, se para o cemitério onde o meu avô chorava com olhos de horror, quando a viu descer à terra. Somos pequenos, somos mais pequenos do que um bago de milho, dizia ela. Se ela não tivesse sido tão infinitamente grande, seria obrigada a concordar com isto que dizia. Completamente.

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