sábado, 17 de novembro de 2018

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Tenho subido todos os dias a mesma escada. O edifício, cinzento, acolhe sobre os olhos atentos de quem espera, pequenos e grandes seres que aguardam que melhores dias cheguem, mais rápido do que uma noite bem dormida, num abrir e fechar de olhos. Nem sempre acontece, nem todos regressam. Ainda ontem, à porta, um homem gritava bem alto a sua dor, expressa nuns abraços apertados de quem esperava que a vida voltasse depressa, seguisse o caminho inverso, renascesse num corpo depois de morto, e fizesse esquecer aqueles segundos, mais longos do que uma metragem de uma história completa, com inicio, meio e... fim. Continuo o meu caminho de regresso a casa, e nele cruzo-me com esperanças, humildes crenças, medos e desesperos, curas e nascimentos. Todos devidamente acondicionados em pessoas que transportam os sentimentos mais contraditórios, lado a lado, num jardim impessoal e velho, rodeado de árvores nuas de outono. Quando chego ao carro, procuro os meus óculos de sol, necessito de esconder os meus olhos de mim própria. Olhá-los, naquele momento, seria confrontar-me com a minha incapacidade de aceitar a nossa natureza, de uma vez por todas. A injustiça humana, zanga-me. Mas a da natureza, mata-me devagarinho.

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