Já morri de susto inúmeras vezes. O malvado alcança-me sempre à traição, espera-me numa curva da estrada, numa porta fechada, num caminho vazio, numa sala cheia de gente. Acontece sempre exactamente a mesma coisa. Olha para mim sem eu estar à espera, eu sustenho a respiração, viro-me devagar, encolho-me, finjo que desapareço, tremo por dentro, mais abanão, menos sacudidela, e começa sempre pelo coração, o músculo mais fraco do meu corpo. O pobre mirra sempre num segundo. Sinto-o a encolher dentro da minha carne, a mirrar como se morresse de fome, a retorcer -se devagarinho, deve ser para que o sinta desde o quilo até ao grama, peso que ostenta, grandioso, no final da morte. Ainda outro dia tentei fintar-lhe o caminho. Armei-me de Eu e respirei muito fundo, levei o ar às entranhas e fiz-lhe peito, nariz, queixo, tudo erguido em direcção aos céus, mais rija do que um pão de muitos dias. De nada me valeu, morri tal e qual, mas com a brilhante diferença de ninguém ter percebido. À medida que andava devagar senti ainda mais fortemente o rasgar da glória, o corpo a ficar, os batimentos a parar, ao mesmo tempo que eu caminhava altiva, pelo corredor. A meio do caminho encontrei alguém que não percebeu que eu tinha acabado de morrer de susto. Fiquei muito feliz, já posso morrer de susto sem que ninguém perceba que por momentos não pertenço a este mundo. Seria incómodo tanto choro a toda a hora. Um gasto de lenços, muitos olhos negros, dias de faltas por nojo, e a vida, definitivamente, não está para modas. É muito melhor morrer sem ninguém ver. Seja de susto, de medo, de ódio ou de amor.
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