domingo, 22 de outubro de 2017

conto

Não sei ao certo se me viveste ou se me imaginaste. Nunca descobri se faço parte da tua vida ou dos teus sonhos, que uma qualquer tempestade externa um dia pudesse acordar. Confesso que nunca me preparei muito a sério para a desconstrução do que seria o nosso amor. Muni-me, também eu, de um livro de capa dura, muitas páginas, uma espécie de mil e uma noites impossíveis de terminar, nem no mundo real, nem nos contos das fadas, nem na ideação do teu corpo. Talvez por isso me tenhas apanhado desprevenida, incauta, entregue à sorte de um despertar clandestino. A culpa foi minha, foi  inteiramente minha. Nestas histórias de encantar o permitido é lê-las com muita atenção, monitorizar os pontos, as vírgulas, os parágrafos, as páginas, não saltar letras nem fingir que não se percebe uma entoação. Não se pode descansar dele, é para ler um bocadinho de cada vez, dia após dia, nem que na folha em questão esteja escrito um qualquer conto que nos pique e que faça sangue, porque o sangue que corre é sinal de vida, enquanto o sangue que pára, será sempre sinal de morte. Nesse livro as lágrimas deveriam ser secas sem cair, morrerem no caminho entre o rosto e o papel. As folhas das flores deveriam perfumar sem partir, e a leitura deveria ser marcada com uma delicada fita de cetim, sem dobrar folhas de história que possam ficar vincadas para todo o sempre. Para os ingénuos desprevenidos, estes são uns livros perigosos, muito além do entendimento, muito mais velozes do que a velocidade do meu coração, parvo, pequeno, que bate ingénuo no meu corpo já triste. Não sei ao certo se me viveste ou se me imaginaste, repito. Nunca descobri se faço parte da tua vida ou dos teus sonhos, que uma qualquer tempestade externa um dia pudesse acordar, relembro. Talvez por isso quando adormeço e sei que dormes, enrolo-me com cuidado nos meus sonhos, não vão eles tocar os teus e haver então um encontro. Neles coloco o livro imaculado do conto das fadas, mesmo ao lado da cabeceira da minha cama, imediatamente antes do copo de água que serve para me refrescar neste verão tardio, um cansaço. O verão cansa-me o corpo, já sabem. A minha sorte é que os contos de fadas, me devolvem sempre à realidade.  

1 comentário:

  1. Gostei do seu texto. Eu senti-o. E quantas de nós não escreveriam o mesmo… e nos revemos nestas palavras bem escolhidas, e diríamos sempre: a culpa foi minha, inteiramente minha. Porque será que nos culpamos sempre? É realmente preciso ler com atenção as histórias de encantar, mas não será que ler um bocadinho de cada vez, dia após dia, que o novelo do encantamento vai atingindo um volume que nem toda a cautela é bastante e nos salva? O encantamento dá cor à vida! Por muito cuidado que tenhamos, acontece! Isabel Q

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