terça-feira, 18 de setembro de 2018

persa

Amo os animais desde que nasci. Acolho-os no meu colo desde que me lembro de ser gente, ajudei gatas a parir, vi cães a morrer, chorei de dor quando a minha avó se lembrou de socar um coelho na minha frente, era eu pequena, três réis de gente. Nada mudou. Mas hoje, amplia-se cada vez mais o meu contacto com a minha consciência, e muito embora me continue a chocar o sofrimento animal, choca-me ainda mais a passividade humana, perante o do seu semelhante. E fico ainda mais indignada quando me deparo com quem o valida como veredicto, enquanto afaga a cabeça de um persa. O persa não tem a culpa, é lindo de morrer, peludo, macio, deve compensar até aos ossos o ego de quem o possui assim, sem entraves nem limites. O seu ar de dono do mundo não foi decidido por si, tem lá a culpa de ter nascido com uns maravilhosos olhos azuis, uma cabeça perfeitinha e um corpo delicado. A culpa nem será da dona, que lhe deposita na existência a sua fé na humanidade. A culpa será eventualmente da necessidade de ajuizar com plena garganta, aclarada, depois de cuspir um escarro. Se todos pensássemos mais nos nossos processos do que nos dos outros, o respeito aumentaria substancialmente. Essa história do pensar no próximo, honestamente, sempre me levou para territórios de desconfiança, de egoísmo, de vontade de emergir (ou, pior ainda, existir), como se possível fosse que o meu pensamento pudesse, por si só, ajudar quem quer que fosse. O caminho afigura-se-me sempre mais dentro do que fora, e quando assim não é, poderemos até acarinhar gatinhos, dar esmola aos pedintes, participar nas corridas cor de rosa em prol de uma causa, mas na prática nada muda, nada resulta, nada avança. A não ser, claro, o nosso ego.


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