Percorro o trajecto para o trabalho devagar, escondida atrás de um transporte perigoso com combustível inflamável. Subo a serra ao encontro da história de uma menina perdida, que ambiciona que a vida futura lhe traga um curso perfeito, um trabalho perfeito, um marido perfeito, uma vida perfeita. As lágrimas que deita escorrem-lhe velozes, pronúncio de que os melhores dias da vida dela estão a ser engolidos depressa, pela sua boca e por vontades alheias, esquecidas de que o caminho é sempre o nosso maior encontro com a felicidade. Quem sou eu para matar sonhos. De resto, compreendo-lhe perfeitamente a necessidade da orientação definida, encaixada no padrão escolhido pela mãe, linda, esbelta, de sorriso estudado e fato engomado. Professora, digo para mim, entregue ao preconceito, obviamente antes de saber. Enganei-me por um triz, é dona de casa, a vida foi-lhe fácil, a única dificuldade parece ser tornar a filha, digna de ser sua filha. Nunca percebi ao certo o porquê da natureza ser tão madrasta para certas pequenas. Que desde cedo, muito além do rigor das etnias culturais, são prometidas a uma vida vazia de escolhas e de sentido, de liberdade e de avanço. Das duas uma, ou o grito surge depressa, difícil e condenado, ou o ciclo vinga sobre a sua capacidade de ser pessoa. E daí em diante será mais do mesmo: mais frustração, mais submissão, mais (im)perfeição e mais beleza estereotipada. A única perda será a genuinidade e a paz de ser o que ela quiser ser, um balanço tão óbvio quanto impossível de se ver. Não sei se me explico.
O que me faz reflectir... Todos os textos que aqui publico são de minha autoria, e as personagens são fictícias. Excluem-se aqueles em que directamente falo de mim, ou das minhas opiniões, ou onde utilizo especificação directa para o efeito.
domingo, 30 de junho de 2019
segunda-feira, 10 de junho de 2019
silêncio
Todos os dias leio o jornal. Oiço notícias, folheio crónicas, passo os olhos por receitas que alimentam a gula que acolhe os dias vazios de tudo, numa correria que só quem não corre, vê. Hoje encontro o silêncio na ordem do dia. O silêncio onde nos encontraremos outra vez enquanto pessoas, se ousarmos retirar num hotel por 48 horas seguidinhas, sem interregnos, sem telemóvel, sem televisão, sem conversa ou qualquer chamamento para o mundo exterior. O interior é o foco total, numa busca desenfreada por um caminho que nos foge das mãos, vezes demais. A moderação é feita usualmente por especialistas, que prometem o devido casamento connosco próprios, mesmo quando o par encontrado seja taciturno, mal disposto, enfastiado ou deprimido. Fico feliz com esta oferta, que rapidamente, suspeito, será parte integrante do Booking, do Airbnb ou outros semelhantes, que prometem pacotes completos ao melhor preço do mercado, com pequeno almoço incluído, e, certamente, vista para o mar. Esquecem-se, num erro maior, que o encontro connosco mesmos não se vende em pacotes enfeitados com lacinhos cor de rosa, formatados para o fim de semana, com acepipes e convívios ao fim da noite, na hora da palavra solta. O encontro que vale a pena, o silêncio que nos leva ao encontro do que procuramos, pode vir na calada de uma noite fria, encharcada de lágrimas, ou debaixo do sol de uma serra árida, quente como o lume, a cortar os pés. Pode despertar numa cama, vazia, calada e abandonada, ou numa outra cheia de voz, acompanhada, lida no corpo de quem amamos. O encontro que vale a pena não tem receitas escritas, com quantidades definidas por alguém que julga saber, o que outro alguém precisa. O silêncio que faz crescer, surge-nos dos soluços internos da mente, quando o que sorvemos tropeça no que sabemos e no que sentimos, altura em que, às vezes, desenhamos mais uns escassos metros do caminho. Mas o mundo é de quem sabe, também já sabemos. E hoje qualquer receita rumo à felicidade ganha simpatizantes a mais, nem que para isso se pague um salário redondo, é só um preço. E se tentassem perceber porquê?
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