domingo, 28 de fevereiro de 2021

Certezas

Um dia acordei e descobri que podia ser eu a sentir o que já escutei de vozes aflitas. Que podia ser eu a temer pelos meus dias e pelas minha noites, pelos meus sonhos escondidos e pelos meus projectos inacabados. Eu já sabia que a vida nos trai como um homem de meia idade, sedento de mudança. Sabia que ela se enche de sopros que nos encostam a paredes e a espadas, paredes duras, frias e silenciosas, espadas firmes, violentas, precisas. Nada disto me espantou. Nada disto me fez redimensionar o espaço da minha existência. Nada disto me fez acreditar mais ou menos no divino, ou procurar respostas escondidas na fraqueza da esperança. A esperança é uma fraqueza, é um encosto mortiço e frágil, derrubado por uma   brisa que parece não mover um grão de pó. O silêncio talvez seja o que mais dói, quando a esperança se aloja em nós como um bichinho de conta prestes a ser espezinhado. O silêncio na dúvida mata o sossego, derruba a mente, cria desarmonia no espaço côncavo do nosso corpo. Engraçado, mesmo que todos falem alto e ninguém se oiça no barulho, o que reina é o silêncio. Quem sabe da resposta que não queremos encontrar, quem sabe se das ausências que nos atiram ao rosto com força, como chapadas sem respeito. 


Hoje esteve sol, um sol irritante, quente, alto. Nele, como em tantas vezes, descubro a afronta comigo mesma, que em estado morno atravesso um deserto com uma porta entreaberta, que batuca ao vento: tum, tum, tum. Bate com força, teimosa na vastidão da incerteza, como que a dizer-me, sábia e persistente, que o caminho é só ali. Não me abranda a malvada, persigo-a de perto, bailo ao pé dela uma música lenta, nada condizente com a minha natureza desassossegada. Não consigo para já perceber o que pensa de mim, mas adivinho-a intrigada, agitada, desvairada no seu deserto de certezas. As certezas são sempre um susto na nossa existência. São aldrabonas, vigaristas, fazem lembrar os pregões de Lisboa. 

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