sábado, 10 de setembro de 2016

cultura

Fico sempre perdidinha quando vejo amor em quem passa. Não tem de ser entre pessoas, felizmente não somos os únicos seres que percebem do assunto, e encontro verdadeiras manifestações de afecto entre animais, ou entre estes e pessoas. Nunca me canso de olhar o que transborda dali e olho sempre demoradamente, ainda que a educação me obrigue à regra, e a não mirar muito fixamente tão nobre preparo. Normalmente recorro invariavelmente ao disfarce permitido pelas luzes do verão. Escondo-me por detrás de uns óculos bem escuros que me mostram a claridade, tapo-me por um jornal que não leio e pelo qual espreito de lado, aceno muitas vezes com a cabeça, como se estivesse a dançar, para assim poder espreitar o amor. Nestes dias mais parados fui uma privilegiada destes espectáculos, e perdi-me especialmente em duas ou três situações mais persistentes, mesmo ali ao lado. Não especifico nenhuma, gostei de todas por igual. Nelas encontrei paciência, afecto, abraços e beijos, colo e preocupações, cuidado e pessoas envolvidas, banhos de água de mar, cremes nas costas, chapéus de sol, cadeiras de praia, encontros, desencontros, festas no cabelo, caminhadas, imperfeições e beleza. Vim carregadinha de tudo, e preparadíssima para o rigor do Inverno. Por muito que me queixe do verão, preciso dele para me deparar com a verdadeira felicidade de quem se esquece do tempo, e deixa o mundo acreditar que a guerra é só uma ínfima parte disto tudo. Uma parte grotesca e seguramente enlouquecida. Bem vistas as coisas, basta pensarmos que a nossa primeira manifestação de interacção é de necessidade, mas logo depois vem o afecto e o amor. Só mais tarde, muito mais tarde, surge a zanga e irritabilidade, que muito provavelmente veio em doses enganadas. Pensar assim é um privilégio que sinto quando posso parar e olhar demoradamente o amor. O amor não se deve olhar de relance e não chega senti-lo, deve ser visto como o que realmente move o mundo. Deve ser escutado e apreciado como uma obra de arte, uma espécie de pintura para a qual temos de olhar demoradamente e beber as cores, imaginar os movimentos, contar a história e vivê-la de perto. Estou verdadeiramente enfastiada com a sensação universal da violência que mata o mundo. A violência é mais do que muita, mas a origem do que importa, é quase sempre o amor. É no amor que tudo começa, e é muitas vezes nele que tudo acaba. Olhar à volta e conseguir vê-lo, cada vez mais, é um desafio que faço a mim mesma. Mesmo que fique muito inculta por perder-me nos meandros de cada história, no lugar de ler um jornal. 

( Os jornais, de resto, não se costumam perder com amores. O amor não é notícia, é normalidade...)

2 comentários:

  1. "Mesmo que fique muito inculta por perder-me nos meandros de cada história, no lugar de ler um jornal". Que belo final para um texto que, isso sim, nos faz sentir uns verdadeiros ignorantes.

    É o segundo blog que leio hoje e que me deixou a pensar que já ganhei o dia. O primeiro foi o da CNS - que também escreve lindamente.

    Tenha um bom domingo :)

    PS: Eu, por motivos profissionais, e desde os meus 23 anos, quer queira quer não, sou obrigada a ler todo o tipo de jornais e todo o tipo de revistas. A estar a par de todo o conteúdo de tv. Existem profissões que a isso obrigam e não há nada a fazer...

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    1. A Cristina Nobre Soares é sempre uma delicia de ler... Fico feliz pela comparação, mas olhe que ela é uma escritora, enquanto eu sou só uma curiosa dos tempos livres, pelo que lhe agradeço a simpatia...

      Cada profissão com a sua sina, Maria... :) Também acumulo acontecimentos que preferia não ter, acredite... :)

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