quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

a juíza

Se a opinião pública fosse juíza do mundo, o mundo andaria certinho e direitinho, montado nuns carris que seguiriam velozes numa linha recta, conforme a sabedoria popular. Maria fugiu de casa um dia destes. Não foi comprar coisa nenhuma, mas foi pagar um serviço, e levou uma volta que nunca mais ninguém a viu, todos acham que fugiu. Muito já se disse, e as vozes sabem sempre do que falam. Primeiro, era uma pobre de Cristo. Escapou a medo, não aguentou uma vida de sacrifício, deve ter pedido abrigo a alguma alma que a acolheu, caridosa, por tê-la protegido de tão violento marido, capaz de matar, ofender, bater e maltratar. Andou uns dias que cá na terra não havia pessoa que não lhe chorasse a pobre da sorte, não lhe gabasse a coragem, não lhe louvasse a nobreza de deixar a casa, a vida rica, e ficasse apenas com a roupa do corpo, sem nada que fizesse lembrar os luxos de sempre. Grande senhora. Mas foi preciso apenas um Natal, altura de todas as salvações, da família, do perdão, do arrependimento e da melancolia. Nesse dia, ele entristeceu de sozinho, mostrou alguma fragilidade, exagerou, afirma, mas nunca lhe bateu, insiste, sempre cuidou dela, foram apenas umas discussões. Está magro, enfezado, com ar de infeliz, e a nobre  justiça mudou. Neste preciso momento, quinze dias após o desaparecimento, oito dias após o primeiro veredicto, um dia após a consciência do arrependimento, temos uma nova vilã e uma nova vítima. Quem sabe se arranjou outro e forjou uma farsa para fugir. Quem sabe se simplesmente se fartou e resolveu abandonar o lar. Quem sabe se não foi nada, e de coisa nenhuma surgiu um acto de loucura. Amanhã, quem sabe, talvez ela volte, e ele a acolha e lhe perdoe este incauto abandono. 

Amanhã, quem sabe, talvez ela volte, e ele a acolha e lhe perdoe este incauto abandono. Amanhã, quem sabe, talvez ela volte e ele a mate, como castigo. Hoje e sempre, ninguém sabe de nada a não ser o que julga ver. E o que se vê, pode ser nada, quase sempre é quase nada. Já o que se fala e se ajuíza é tudo, nem que mude com o tempo, com o vento, com o Natal, ou com um visível arrependimento. A magia das festas e de uma lágrima, é infinita.

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