sábado, 24 de agosto de 2019

Corrupção

Passeia-se lenta, sempre com um ar de quem descobre a cada passo, o caminho imediato a seguir. Não se adivinham os avanços, as decisões, e os fios que orientam o seu trajecto, parecem sempre tecidos por umas agulhar de laçada fina, inconsequentes, imprevisíveis. Ninguém lhe decifra as métricas do rosto, o tamanho do sorriso, o peso da lágrima, a profundeza das covinhas que desenha no rosto, em cada palavra que soletra, com a doçura de uma simplicidade maior. Faz-me pensar, ao quente sol do meio dia, na transparência que todos encerramos, sem darmos conta, a quem consiga observar. É certo que fotografa a criança com a delicadeza da maternidade. É um facto que esconde a tristeza com uma mestria digna de quem consegue retirar coelhos de uma caixa, ou fazer desaparecer uma carta dentro da manga de um casaco preto. É real que desafia o mundo a olhos vistos, como se nele habitassem apenas distracções que se enredam nas corridas dos dias, velozes, sem tempo para o pensamento. Esquecida, talvez, que no desenho dos seus gestos, mora o seu todo. Escorreito, sem falhas de carácter, sem histórias de mal dizer. Transmitimos tanto do que somos no quotidiano do que fazemos. Nunca uma má história cultiva uma flor, nunca uma boa pessoa se corrompe na dificuldade. 

2 comentários:

  1. "Transmitimos tanto do que somos no quotidiano do que fazemos". Era a frase que eu precisava, hoje.
    Bom domingo, CF

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  2. Se sim, fico feliz de a ter escrito. :)

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