Há dias em que a minha urgência não se vinga na fome, no cansaço, na rapidez de uma gargalhada ou no desconforto de umas lágrimas. Há dias em que a minha urgência é receber respostas imediatas para as perguntas de sempre. A paciência, a parcimónia, a tolerância e todos os registos calmos da existência desaparecem do meu dicionário, mergulham no breu, confundem-me as entranhas e a minha necessidade de certezas, que rebeldes como só elas sabem ser, aguardam-se escondidas no infinito. Sei todas as lições dos livros. Conheço de cor e salteado todas as regras da calma, da clarividência, da fluidez, da inesperabilidade da vida, da impossibilidade do norte certo, do futuro concreto, do fim previsto. Sei que não há como o tempo para direccionar o percurso, e que não há melhor do que a experiência para nos construir o calo com que vamos cavando a pulso o nosso próprio colo. Mas há dias, repito, em que a minha urgência desnorteia a regra do conhecimento, rebela-me o corpo inquieto, empurra-me para uma espécie de precipício e empurra-me, sem dó nem piedade pela encosta abaixo. A mesma que enfurecida me fere, me golpeia, me massacra, me funde com ela mesma na água que escorre, na terra que salta, nos ramos que parto à minha passagem turbulenta. A urgência nunca me assiste em harmonia. A não ser, raramente, na pressa inconsequente de algum desejo.
Uma Mulher não chora
O que me faz reflectir... Todos os textos que aqui publico são de minha autoria, e as personagens são fictícias. Excluem-se aqueles em que directamente falo de mim, ou das minhas opiniões, ou onde utilizo especificação directa para o efeito.
domingo, 29 de maio de 2022
domingo, 28 de fevereiro de 2021
Certezas
Um dia acordei e descobri que podia ser eu a sentir o que já escutei de vozes aflitas. Que podia ser eu a temer pelos meus dias e pelas minha noites, pelos meus sonhos escondidos e pelos meus projectos inacabados. Eu já sabia que a vida nos trai como um homem de meia idade, sedento de mudança. Sabia que ela se enche de sopros que nos encostam a paredes e a espadas, paredes duras, frias e silenciosas, espadas firmes, violentas, precisas. Nada disto me espantou. Nada disto me fez redimensionar o espaço da minha existência. Nada disto me fez acreditar mais ou menos no divino, ou procurar respostas escondidas na fraqueza da esperança. A esperança é uma fraqueza, é um encosto mortiço e frágil, derrubado por uma brisa que parece não mover um grão de pó. O silêncio talvez seja o que mais dói, quando a esperança se aloja em nós como um bichinho de conta prestes a ser espezinhado. O silêncio na dúvida mata o sossego, derruba a mente, cria desarmonia no espaço côncavo do nosso corpo. Engraçado, mesmo que todos falem alto e ninguém se oiça no barulho, o que reina é o silêncio. Quem sabe da resposta que não queremos encontrar, quem sabe se das ausências que nos atiram ao rosto com força, como chapadas sem respeito.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2021
busca
Grupos de mulheres são um mundo que reúne a veracidade dos opostos. Ali convergem inúmeras reacções, que encerram construções, ambições, sentimentos, projecções. Há alguns com os quais me identifico, elegem o amor e o sonho, posso acreditar ou não, mas gosto muito. Há os que se concentram na prática do quotidiano, os filhos, a casa, o supermercado mais acessível, a receita mais eficaz para a tosse. Há os que se concentram na futilidade, um território alargado e inexplicável que por vezes mata tudo quanto é verdadeiramente importante, uma espécie de vazio vestido ao rigor de uma festa com direito a passadeira vermelha, dress code, e discursos que falam sobre a fome no mundo, os animais em extinção e a fragilidade do planeta. Não sei porquê, quase todos me confundem, quase todos me fazem afastar o quanto posso da generalidade do meu género. Escapam-se muitas, novas, velhas, analfabetas ou universitárias, ricas ou pobres, sociais ou solitárias. Que conseguem olhar para a consubstancia do mundo e falar dele com o sentir de uma mártir, com a sensibilidade de um toque ao de leve, com a consciência, clara, das forças opostas, e com a vontade, inabalável, de ainda assim continuarem em busca delas.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2020
mundo
A moral do ano é infinita. O balanço pertence a cada um, que não exista ócio na hora de nos debruçarmos sobre nós e sobre os outros. Retirei dele inúmeras situações, poucas conclusões, algumas memórias internas e eternas para a minha vida. Estou grata por tudo, é um facto, curiosamente muito grata por algumas coisas menos boas que sucederam. Nunca como hoje tive definido com tanta certeza, o que quero ter longe de mim. Com respeito, porque o mundo abraça todas as opções de vida, claro. Mas eu não sou o mundo, sou só o meu mundo e o dos meus. E é tanto, que me chega.
sábado, 12 de dezembro de 2020
certezas
As certezas absolutas são mais privadas do que o nosso corpo, por isso acreditamos tanto nelas. O nosso corpo é partilhado pela vida, pelos outros, molda-se a um abraço, a um toque, a uma esquina cheia de gente ou a uma rua vazia, carregada de nada. As certezas não. Formam-se na mais interna existência, ganham consistência com os dias, com a verificação da verdade, com o cristalizar da guarda e com as crenças que se afiguram como o caminho preciso a seguir: é por ali. Curiosamente, traem-nos à velocidade da luz. Quando menos esperamos, quanto mais certos estamos, à custa de pouco ou de nada, eis que se anulam a elas próprias, fátuas como a neblina, como se nos quisessem fazer consciencializar que a volatilidade é a única certeza do mundo ( o que transforma a dúvida, na única e permanente verdade).