quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

frágil

A fragilidade é um termo um tanto ou quanto imutável. Acaba por alcançar-me sempre que pode, não espera que se faça tarde, não bate à porta antes de entrar depressa, não espera um convite para se sentar à mesa comigo enquanto degusto um prato de qualquer coisa quente. Lembro-me muito bem de lhe ter tomado a consciência. De a ter sentido a levar-me de assalto, a alojar-se com comodidades de rainha, a enraizar-se com umas raízes daquelas que não morrem com o tempo, com o vento ou com a morte. Lembro-me muito bem de nesse dia ter deixado de ser sossegada. De ter acordado para sempre, de ter ganho ganas de levar à frente tudo quanto se colocasse no meu caminho. Mas era frágil. Pedi tanto ao meu Deus que se despachasse depressa, e que fizesse crescer o meu filho com muita saúde, para que eu pudesse sentir um qualquer descanso outra vez. Uma vontade egoísta, que felizmente não pude cumprir, porque a natureza, a única dona disto tudo, acalma-se sempre na hora certa, e permitiu-me saborear o nascimento, segurar o crescimento, amparar a vida. Sempre frágil, mas sempre ali. Hoje olho para ele e vejo que cresceu um bocadinho. Dou-lhe muito abaixo do pescoço, em altura e em grandeza, mas na realidade sinto-me mais frágil do que nunca. Não há cá sentir de dever cumprido, não há o sossego precisado, não há, nem de perto nem de longe, a robustez que eu esperava do tempo. Hoje precisava que ele, o tempo, voltasse para trás um bocadinho. Precisava de embalar o meu bebé no meu colo, com ele inteiro nos meus braços. Precisava de o ver dormir com autorização moral de lhe vigiar o sono, de ver se respirava, de o cheirar muitas vezes seguidas em cada minuto do tempo. A fragilidade é um conceito estranho e controverso desde que se é mãe de um filho. Todas as escolhas são as maiores do mundo, todos os medos são os mais gigantes, todos os crescimentos são um passo enorme para a vossa vitória, e um outro para a nossa derrota. E a cada dia que passa, sinto uma fragilidade maior. 

(O que passamos mora somente na minha e na nossa memória. Aí pertences-me para sempre, mas mesmo assim não sei se me chega.)

6 comentários:

  1. De lágrimas nos olhos antes das 7h da manhã. Ando a tentar treinar a fragilidade, domar certos pânicos, abraçar aquele que já tem de se dobrar para me caber inteiro no regaço. Mesmo sabendo que há coisas que não se treinam, nem domam.

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    1. Está certa, não há treino para a vida. Resta-nos aprender a ter o que a natureza nos dá, e saber aproveitar o melhor que soubermos... Digo eu, que como se vê, não percebo nada disto...

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  2. pois, a vida deixa de ser a mesma, para sempre.
    ainda que não tenha filhos, é isso que ouço dizer a todos aqueles que me são próximos e são pais.

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    1. Muda muito, Laura. Ganhamos a imensidão do amor, perdemos a liberdade... Nunca mais respiramos sem medo...

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  3. Uma das muitas coisas que gostava de aprender e não consigo. Dar asas ás filhas como se elas fossem só elas, e não parte de mim.
    Mas essa parte de nós, com muitos medos é verdade, enche o nosso coração de amor. E isso é bom! Muito bom!

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    1. Acho que isso que queremos é impossível, Maria João...

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