domingo, 1 de dezembro de 2019

condóminos

Sexta-feira à noite. Final de uma semana com pouco glamour, vivida a sério por entre as entranhas mais rugosas do ser humano. Dirijo-me à hora marcada para a reunião de condomínio, na mesa onde se encontram vozes indignadas por incoerências administrativas pouco ortodoxas. Sento-me silenciosa, na esperança que não me encontrem ali naquela cadeira, e observo todos à distância e com calma, uma das minhas maiores qualidades actuais é passar despercebida. Duas vizinhas acendem-se na injúria, tão fácil cair ali perante um problema, ajuízam em alta voz, e gesticulam convictas da sua imensa sabedoria. Outro, quase deitado num puff amarrotado, aproveita o fim do dia para se espreguiçar, mãos atrás da cabeça, poucas palavras, um sorriso cansado e incrédulo, concordo com ele: o mais cómico é muitas vezes o inesperado e o imperdoável. Sentado na merecida poltrona, vejo o sr. Manuel, oitenta anos já avançados, a apurar o ouvido para dignificar a escuta sem necessitar de intermitências, já compreendeu que ninguém está disposto a falar mais devagar. Do Brasil, via Skype, temos a vizinha Dulce, em camisola amarela de alças, óculos gigantes, e um leque majestoso, capaz de lhe arrefecer o ânimo, o calor, e ainda de refrescar o computador, velho e massacrado pelos trinta e muitos graus do Rio de Janeiro. Volta e meia a ligação vai abaixo. O quórum fica reduzido, a sala exalta-se mais um bocadinho, inicia-se nova tentativa, e neste momento já vejo também o vizinho Joaquim ao lado de Dulce, de calções aos quadrados, boné e crucifixo ao pescoço. 

São umas nove e trinta, talvez dez. A casa, cedida gentilmente pela vizinha da frente, enche-se de repente de estudantes universitários, que chegam das aulas de desporto. Dois rapazes e uma rapariga. Eu, vizinha do lado, paredes meias com o quarto de um deles, entretenho-me a descobrir qual dos dois se ocupa noite adentro da rapariga magricela e despenteada, com ar angelical. Enquanto na minha cabeça reproduzo o ruído da cama na parede do meu quarto, adornado com uns gritinhos discretos de felicidade, não consegui chegar a conclusão nenhuma que prestasse, tudo porque o vizinho Armando grita de repente bem alto, - Temos que acabar com esta situação. E o mais rápido possível! 

Regresso ao Brasil, ao leque, à falcatrua e à realidade, e penso para mim, já tive sextas feiras bem mais desprezíveis. Só falta chegar o ladrão, sentar-se na mesa connosco, trazer o chá e o bolo de fubá, e acreditaria definitivamente estar numa telenovela da TV Globo. Que saudades, caramba.

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