quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

dúvidas

O assunto era "o amor". Ninguém sabe ao certo o que dizer sobre o indizível, o que reside nos confins do inexplicável, sem possibilidades métricas, óbvias e irrefutáveis. Muito se opinou, muito se concluiu, tudo ficou afinal de contas por dizer. Fixei-me num dos pontos de análise, não há outra forma a não ser dissecá-lo se pretendemos pensá-lo, será mais ou menos como dividir um campo de visão sob pena de perdemos a melhor parte. 

O amor fácil por exemplo, é tão simples o amor fácil. O amor sobre o qual se fala sem interjeições, limpo, claro, um amor partilhado a rodos pela humanidade. Este amor assenta num pressuposto individual, onde o que importa é o que se transmite e o que parece ser, a culpa que morre um bocadinho sempre que do outro lado da linha vem uma palavra de sossego, que aconchega o nosso ego e nos dá a sensação de dever cumprido (até breve, esperamos que assim continue). Sobre essa forma de amor há pouco a dizer, mas julgo que a deveríamos ter mais em conta, pela quantidade dispersa pelo mundo. É um amor aparentemente sadio, que parece resistir às intempéries das almas, que segue em fila pelos caminhos da vida, desviando-se das pedras, dos buracos, das dúvidas e das barreiras. Não há usualmente grandes sobressaltos, pelo menos no mentor desse amor. Já quem o recebe, pode por vezes sentir-se sacudido por um qualquer desconforto mais ou menos transitório, que parece fazer comichão quando na realidade se necessita de um colo. Mas a bem da verdade o costume engole o excepcional, e bem vistas as coisas aquela pessoa está sempre perto numa espécie de distância de segurança marcada pelo quotidiano, é melhor manter e aconchegar, não vá o diabo tecê-las. 

Depois, ensaiamos um outro género de amor, o mais difícil, aquele que se inunda seriamente dos afectos, e onde o outro assume um papel muito mais importante do que nós próprios. É aquele onde o bem estar de quem amamos importa muito acima da nossa obrigação, mas que curiosamente parece aos olhos do mundo muito menos visível. É um amor complexo em toda a sua dimensão, porque constrói uma dualidade existencial superior, e pode doer,  magoar, pode transcender o que qualquer dicionário consegue exprimir em palavras. Para este, nem todas as pessoas estarão eventualmente preparadas, é talvez um caminho pessoal, que converge numa ligação dual e profunda. A maternidade e a paternidade são bons e óbvios exemplos, mas diria que nem sempre, e diria ainda que poderão não ser necessários. Quem se encontra realmente consigo muito mais depressa encontrará este estado supremo da existência. Quem não sabe de si procurará, navegante no visível, no mensurável, no imediato. 

Resumindo, só quem se encontrou pode querer saber do outro verdadeiramente, sem procurar mais nada para si próprio. Não deve ser algo fácil de se encontrar no seu estado mais elevado, mas consideramos, no grupo da conversa, ser uma das mais puras formas de amor. 

No final de tudo bebemos um chá e entramos em introspecção, num beco difícil de digerir. 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixar um sorriso...


Seguidores