domingo, 29 de janeiro de 2017

neta

Ver o meu tio com a neta ao colo emocionou-me. Depois de dois dias de trabalho interno não era qualquer coisa que me colocava em estado de contacto comigo, mas a fotografia enviada de muito longe teve o dom de conseguir. Normalmente depois destes retiros ergo o muro. Usualmente não há nada que o quebre às primeiras, as defesas foram instaladas, as paredes levantadas, a pele blindada, o corpo adormecido. Ele tem alguns anos e o cabelo muito branco. Tem uma história de vida das que não moram nos sonhos de ninguém. Já caminhou onde poucos querem caminhar, já comeu o pão que o diabo amassou, já provou o pior da vida mas de vez em quando, esta presenteia-o com o amor. E então ele olha para ela e por ela, minúscula, redondinha, e olha-a com os olhos mais doces do mundo, arrancados de um lugar onde por certo há muito não brilhavam assim tanto. E traz ainda nos olhos dele os olhos de quem se foi, acredito muito na transmissão da memória. Albertina olha agora para aquela menina, ao mesmo tempo que olha para R, o pai babado que cresceu entre Portugal e França, com o mesmo cuidado com que sempre o fez. Dantes o R era um rapaz traquina. Um petiz que bebia leite por uma garrafa de água, enquanto me fugia por entre as tendas no parque de campismo, logo pela manhã, ainda o sol dormia, ainda noite acordada. Foi crescendo, ganhou a mania que fazia surf nas ondas gigantes da Nazaré, comeu muitas mãos cheias de sal e hoje é pai de uma pequena, que recebo ao longe, aninhada nas mãos do meu tio. O amor salva o mundo e as pessoas. Quase todo o mundo, quase todas as pessoas. 

Estão longe todos eles, estão demasiado longe. A distância é um lugar comum dos dias de hoje, quando o mundo se fez pequeno e disponível. Tudo se encontra à distância de uma fotografia, de um botão, de um skype. Bonito, muito moderno, aprecio com todo o respeito do mundo a evolução e toda a glória da humanidade. Mas ainda não há nada que chegue a um abraço. Com cheiro e com colo. Com vida. Com toda a vida.


4 comentários:

  1. sim, os abraços são vida e morno de gente...

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  2. O amor engrandece com o toque. Fica uma saudade do abraço, do cheiro único.

    Boa noite, CF :)

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    Respostas
    1. E é estranho. Já fica a saudade da pequena, que nunca vi. Um outro sentido de uma das mais lindas palavras portuguesas...

      :)

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