domingo, 23 de abril de 2017

quarto crescente

A adolescência é a altura da vida em que o horizonte se abre e se esconde ao mesmo tempo, diante dos olhos. É onde o caminho parece querer desenhar-se num mundo de oportunidades, ao mesmo tempo que o corpo choca com tudo de frente, pessoas, objectos, ideais e limites. É a primeira vez na nossa vida em que as idades se tornam difíceis de encaixar em concreto, onde se é suficientemente grande para ser responsável, e ainda muito pequeno para sair à noite, muito crescido para arrumações de espaços, tremendamente infantil quando se trata de emitir um parecer, que pode até ser consistente, mas não apresenta a substância da maioridade e da experiência. É uma fase de procura e desencontro, de escolhas para uma vida que por vezes nem sequer sabemos o que são, mas é o sistema, e portanto teremos mesmo de escolher se queremos letras ou matemática, ciências ou desporto, temos de pensar no futuro ( o que será isso do futuro?). E facilita um pouco se fingirmos que tudo isto é fácil, perante o adulto que já esqueceu que o Rui Veloso cantava uma música fixe, que dizia o que todos sentimos, mas num ápice esquecemos. Não há estrelas no céu a dourar o caminho dos adolescentes, há muitas vezes umas nuvens estranhas de onde chovem gafanhotos enormes. Por mais amigos que tenha sinto-me sempre sozinho, porque cada um deles tem o seu próprio mundo diferente do meu, ou então demasiado igual, tão igual que é impossível encaixar, é como um puzzle de peças semelhantes. Tão depressa o sol brilha, como num instante está a chover, e pode ser no mesmo dia ou na hora seguinte, porque o teste correu péssimo, porque a namorada foi ali e já não veio, porque uma borbulha explodiu no rosto, exactamente quando passou o rapaz mais giro lá da escola. O isolamento na adolescência (e sempre, sempre sempre...), nem sempre é visível. O isolamento na adolescência pode encontra-se mascarado de sorrisos nervosos, de algumas pessoas ao redor, mas vai muitas vezes aparecendo discreto, à espera de ser visto e despercebido ao mesmo tempo. Estranho, não é? Não, não é. O isolamento nem sempre significa que queremos estar sozinhos. O isolamento pode simplesmente querer dizer que não sabemos de nós, que nos perdemos numa estrada sem candeeiros, e que precisamos que nos acendam a luz. E pode também significar que precisamos de uma mão que realmente esteja só ali, sem arriscar a superioridade do que está certo e do que está errado, e que nos deixe apenas sentir que existem mãos que não julgam nem criticam. E pode ainda, sim, significar isolamento real, aquele que já pode trazer dores mais difíceis de curar, muito mais compactas do que qualquer música de um rock a sério consiga adormecer. Lembro-me tão bem de ser adolescente que hoje continuo a admirar cada um deles, quando com os cabelos na testa me desafiam a inteligência. Estamos aqui e somos donos do mundo, parecem dizer-me. E são. Mesmo que não pareça, mesmo que se percam, mesmo que precisem de caminhos alternativos. Têm no corpo todas as direcções. Só é preciso não deixarmos que o mundo deles escureça além do que os seus olhos vêm,  numa noite de lua em quarto crescente.

6 comentários:

  1. a adolescência, às vezes é um quebra-cabeças...

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    1. É mesmo. A começar pela dos próprios, e a terminar nas de quem está perto...

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  2. Respostas
    1. Engraçado que estive para chamar ao texto "a metamorfose da adolescência"... Lês o que penso?...

      ( Ó. Obrigada... :)

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Belo dia, deixa que te diga... :)

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