segunda-feira, 2 de setembro de 2013

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( Fotografia (linda de morrer) do Paulo.)

Já me disseram dele o que esquece ao diabo. Amaldiçoaram-no com vozes mordazes no rescaldo das dores que se arrumam lado a lado no armário dos desperdícios esquecidos, junto às aranhas, aos sapos verdes, às saramantigas e a outros bichos medonhos. Juram-me no seguimento a ausência eterna e jamais renegada, ensaiam uma solidão como quem treina uma musiquinha ao piano, dias e dias a fio, vai sempre soando um bocadinho melhor. Ousam espezinhá-lo, entregá-lo ao mundo dos mortos com as próprias mãos, cremá-lo, despejá-lo no monte para que voe com o vento que corre apressado e sem direcção, sem direito a flores e a rezas, a missas ou a orações. Atribuí-se à sua existência a desgraça da tristeza, grita-se em fado acompanhado a guitarra portuguesa, recita-se em prosa e em poesia, com ou sem verso, declamado num palanque ornamentado a flores e a cores, teatraliza-se em gritos e em choros que agonizam quem sente e quem olha a querer saber como é. Ninguém sabe e todos conhecem, ninguém necessita e todos precisam, não há quem o descreva, felizmente sente-se. Sem ele morreríamos entregues à lassidão, submersos em horinhas corridas e sem emoção, sozinhas e magras, sem poesia, sem saudade. Seria o mundo um local sem rei e sem roque, seríamos nós uns pobres sem coração, que bateria ao rigor do compasso sem descompasso nenhum, de marcha sem direcção, de abraços sem redor e sem sal, de bocas abertas a nada, de corpos tementes de coisíssima nenhuma. Será porventura dos mais poderosos constructos intangíveis, uma força bruta, anímica, que  rebenta com a solidez de uma rocha e com os picos de uma montanha, que respira e que suspira, que aspira e que sufoca, que mata e que faz viver. Ainda há pouco o amaldiçoaram de novo perto de mim. Ainda há pouco o definiram como um mero derivado do afecto, um sucedâneo promiscuo com língua e com corpos, uma aspereza que se esfrega até cansar para depois sucumbir ao cansaço da dualidade e regressar à unidade, cada um por si, um por cada qual, no caminho vazio de um sítio qualquer. Assanham-se ligeiramente quando me insurjo em reacção. Recolhem-se depressa numa túnica mal acabada quando me revolto, tapam os ouvidos surdos e fecham a boca morta, abraçam o corpo já velho e acutilam os gestos que pudessem renascer em ligeira euforia de contraditória manifestação. Fecham a porta, voltam as costas e seguem caminho, e eu fico a olhar ao longe, até que ela desapareça, sozinha e descrente, vestida de flores.

(Banalizem o cansaço e a maldade, banam o ócio e a euforia, matem o rancor e a cobiça. Desconfiem do sol e da sombra, questionem o vento e as marés, discutam a terra e a vida. Mas não me minorem o amor. )

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