sábado, 28 de setembro de 2013

palavras

Dizem que me vão levar um bocadinho do corpo com a mesma descontracção com que dizem que vão comer uma torradinha ao bar do hospital. Olham-me de frente sem procurar palavras (detesto pessoas que não procuram palavras) e atiram com as primeiras que vêm à boca, que podem soar bem ou menos bem, podem vir a direito ou podem vir de soslaio, podem atingir-me em cheio ou procurar o caminho para que me cheguem sensatas, se tiverem vontade própria. Não têm, disparate, nunca têm, as palavras não vivem por si, soltas no mundo a procurar combinação e cuidado, as palavras são uma arma certeira que utilizamos em comunicação, que transportam cargas efectivas de sentires manifestos, que nos vivem do corpo para dentro e dele para fora, mas nunca sem imposição. Há as que muito nos dão e as que pouco nos trazem, as que amamos e as que odiamos, as que tememos e as que ansiamos, muitas delas atribuídas a circunstâncias específicas, e por isso merecedoras de um lugar de destaque. Olham para mim e explicam-me a mecânica da situação como quem me relata as regras de um jogo qualquer, dissertam rapidamente sobre o furo pequenino que sarará em meia dúzia de dias, o que muda e o que ficará igual, quem constituirá a equipa e quanto tempo será necessário para que eu regresse a casa com um pouco menos de mim. Tudo se processa de forma rigorosa e profissional, tal e qual a da costureira que nos corta da saia o pedaço de pano que esgarçou, vai levar menos um bocadinho, cortou-se aqui, não havia remédio, ambas coisas próprias da idade.
No seguimento saímos e inevitavelmente vamos pensando na constância dos lugares, das coisas e das pessoas, na constância do corpo e na constância da alma, e percebemos que passamos uma vida a adaptarmos a mudança a nós e nós à mudança, ao mais e ao menos, ao muito e ao pouco, ao que precisamos e ao que dispensamos, ao que queremos e ao que conseguimos, ao que gostamos e ao que detestamos, ao que tememos e ao que alcançamos. E pensamos também, porque há dias prósperos a pensamentos, que o vazio das palavras é uma realidade tão palpável como o sumo das mesmas, que a utilização que lhe é dada é de uma importância fulcral, e ainda que o vento que as leva nos ditos populares pode ser o vento quente do estio, persistente, incómodo, sobranceiro. Eventualmente, e por vezes, vento nenhum.   

2 comentários:

  1. Há coisas, entre elas as palavras, entre elas pedacinhos do nosso corpo que são, apenas, um estorvo.
    Vai correr tudo bem. A essência é intocável.

    Abraço.

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    1. Mas vale-nos ainda haver quem as use de forma amena. Obrigada GL :)

      Um abraço para si também.

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