quarta-feira, 18 de maio de 2016

os dias do abandono

Acabei de ler " Os dias do abandono", o extraordinário conto de Elena Ferrante, e percebi que o anonimato a protegeu ao ponto de ela o poder ter escrito. Nenhuma outra pessoa o teria feito, não desta forma, só alguém resguardado escreve isto:

" Não passamos de seres ocasionais. Consumamos e perdemos a vida porque um certo homem, em tempos remotos, lhe apetecia descarregar o caralho dentro de nós, se mostrou amável, nos escolheu entre as mulheres. Confundimos o banal desejo de foder com uma delicadeza que teria por objecto exclusivo a nossa própria pessoa. Gostamos da vontade de foder que ele sente, iludimo-nos e pensamos que é uma vontade de foder só connosco, connosco só. Oh, ele é tão especial e trata-nos de uma maneira tão especial. Damos outro nome, a essa vontade que o seu caralho tem, personaliza-mo-la, chamamos-lhe meu amor. Mas que diabo leve esta história toda, este engano, esta presunção infundada. Do mesmo modo que fodeu uma vez comigo, fode agora com outra, que outra coisa pudera eu julgar que acontecesse? O tempo passa, uma vai-se e chega a vez de outra. Tentei engolir uns tantos comprimidos, queria dormir deitada no mais escuro de mim própria."

A comum das mulheres pode não escrever, mas qualquer uma o pode sentir.

(Estou cansada de ler palavrões. Sou muito cuidadosa com as obscenidades, tive até um certo desconforto no estômago. Deve ser da vergonha.)

5 comentários:

  1. Olá CF,
    Por um instante, senti dentro de mim uma paz infundada. Talvez porque nunca tenha vivido tal situação. Mas em seguida, fui tomada por um enorme desconforto. Há quem viva no escuro dos dois lados. O que é a vida para quem não vive?

    “É isso que nos salva de morrer: essa capacidade de ver a lua que nasce como se cada vez fosse uma única e eterna vez.” (Lia Luft)

    Tenha um lindo dia! :)

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  2. A, leia o conto. Mesmo que nunca tenha sentido, vai talvez chegar lá perto...

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  3. é essa franqueza que admiro na escrita anónima. vem sem capas.

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    1. Pessoas sem capa é o que eu mais gosto de encontrar. Acho que encontrei poucas ou nenhumas nesta vida, deve ser porque todas são identificadas...

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  4. Olá, eu não me importo de dizer palavrões desde que na altura certa, na minha intimidade. De resto, determinados homens acabam por refazer a vida com esse prazer carnal que encontram e , mais tarde, descobrem o amor.

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