domingo, 15 de maio de 2016

metamorfose

Não faço a mais pequena ideia do que é transformar amor em ódio. Não consigo conceber no meu fraco corpo essa metamorfose, não por capacidade maior mas por falta de apetência, ou seja, não por qualidade, mas por puro defeito. Deve ser muito mais fácil, quando uma ligação se quebra, olhar para o outro e sentir um enorme desdém. Deve ser mais apaziguador dos sentimentos abalados ofender, atirar com toda a força as pedras que se colheram nos momentos íntimos e arremessá-las com a pujança da zanga, ao local exacto que conhecemos tão bem, ou não tenhamos sido nós a lamber as feridas, tantas vezes... Neste sentir não devem caber os momentos bons que se viveram, poderia nesse caso vingar a danada da tristeza, quem sabe. Não devem caber as alegrias, as conquistas, as descobertas a dois, morre tudo pelas mãos fortes de uma fúria cega, em completo desgoverno. Neste assassínio brusco e violento matam-se os ganhos, mata-se a possibilidade de admiração, mata-se o caminho, o progresso, a ligação, mata-se a dignidade e a alma, mata-se tudo o que poderia continuar a ser vivo. Mas deve ser tão mais fácil, mas tão mais fácil, que no fundo o que eu quero dizer é que invejo muito quem transforma amor em ódio, e que não precisa de sentir tudo o que nos pode trazer, duas pessoas que se perderam uma da outra.

Em hábito defendemos o direito ao básico, à zanga, à tristeza, à alegria e ao medo. Mas na realidade  já sabemos que muitas vezes somos nós próprios que escolhemos o que sentimos, temos uma facilidade tremenda em substituir uma emoção pela outra, eventualmente sem a noção de que essa substituição nos eleva a um caminho opcional, mas não real, alternativo, mas não natural. Ambos têm defeitos e virtudes. A tristeza é seguramente muito mais produtiva, mas a zanga é francamente mais eficaz, muito melhor quando se quer rematar depressa e bem, com um nó completamente cego.

7 comentários:

  1. Olá CF, tudo bem?
    Não acredito que o amor seja passível de qualquer transformação. Não compreendo quando dizem que o amor se transformou em ódio.
    O AMOR É.
    Não pode ser outra "coisa".
    Um abraço e tenha um lindo dia!
    :)

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    1. Não tenho essa realidade, A. Mas fico feliz que a tenha... :)

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  2. Eu acho que é muito difícil escolher o que sentimos. Eu já me senti muito zangada e já quis, desesperadamente, ficar apenas triste, para me libertar do alvo da zanga. Só fiquei triste quando foi possível. Não porque quis, antes porque já estava preparada.

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    1. Tem a ver com a nossa capacidade de resposta, claro, só não o referi no texto por opção. Qualquer emoção é passível de ser substituída, há hoje estudos significativos sobre o assunto. Pegando nas duas que referi, por exemplo. É possível ficar zangado para "eliminar" a tristeza, porque não a queremos sentir. E também é frequente o contrário, ou seja, poderemos arrastar uma tristeza profunda, quando não nos conseguimos zangar com alguém significativo ( figuras de autoridade, por exemplo...). E na alegria, acontece tão frequentemente... Quantas pessoas não colocam um sorriso na cara permanente, porque estão com uma tristeza de morte?... É um desafio do nosso trabalho, descobrir a emoção original, só assim a conseguimos trabalhar realmente. Enquanto nos situamos só no que parece, nem sempre lá vamos... Nem nós nem a pessoa, que continua a agir de uma forma menos verdadeira :)

      Beijinho

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    2. Sim, claro que sim CF. Foquei-me apenas na afirmação de que muitas vezes escolhemos o que sentimos. Penso que na maior parte das vezes não escolhemos, que essas substituições são automáticas, de acordo com o nosso funcionamento, as nossas defesas, necessidades. Quantas vezes a emoção original é detectada e até reconhecida mas o corpo e a mente ainda não são capazes de a processar. Penso que tornar isso consciente poderá sim fazer de nós mais capazes de fazer essa escolha mas mesmo assim não é um processo fácil. As defesas erguem-se e nem sempre deixam fluir.

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    3. Pois erguem. E são elas que nos salvam, muitas vezes... Naquele momento, ai de nós se não fossem elas...

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