quinta-feira, 12 de maio de 2016

pentear

Ainda há quem julgue que é só nas telenovelas brasileiras que os homens saem para comprar cigarros sem nunca mais voltar. É mentira, completamente falso, isto passa-se na vida real. A bem da verdade não foi bem comprar cigarros, foi comprar outra coisa qualquer, mas o que interessa é que não voltou mais, não disse adeus, não deu justificação à mulher, nem aos filhos, nem às clientes de tantos anos. Confesso que me preocupo com a família. Admito que me custa horrores escutar as poucas palavras dela, imaginar a confusão da rapaziada adolescente, pressentir o desconforto nos olhos tremelicos e molhados dos três. Mas não consigo deixar de lado o meu egoísmo, e o que verdadeiramente me revolta é o desrespeito pela clientela, neste caso por mim. Há muito tempo que me penteava os cabelos com afinco. Há anos que escolhia comigo os cortes, as cores, os caracóis ou os lisos, os penteados e os tratamentos, as madeixas ou o tom sobre tom. Foi na loja dele que descobri o melhor produto para o volume, o creme de pentear mais perfeito, o secador mais indicado, o amaciador mais patenteado. Hoje, neste exacto momento, amaldiçoo a fidelidade com que há muito o presenteei. Hoje, neste exacto momento, sinto-me eternamente despenteada, descolorada, desarranjada e desolada. Digo-vos mais, não lhe perdoaria se voltasse, o universo dos cabelos femininos é um território mais do que digno de manifestações violentas, reflexos de sentires extremos. Nem mesmo se a sua pobre senhora o recebesse de braços abertos, de volta ao salão. O abraçasse com todo o amor do mundo, o voltasse a acolher na sua casa, na sua mesa, na sua cama. Isso seria com ele e com ela, e entre marido e mulher não se mete a colher. Este caso é meu e do meu cabeleireiro, e aí sim, o caso assume proporções sérias e verdadeiramente imperdoáveis. Um cabeleireiro pode até zangar-se com a sua mulher. Mas não pode, jamais, virar costas às mulheres que penteia. 

2 comentários:

  1. Eu cá sou, por força das circunstâncias, polígama no que diz respeito a cabeleireiros mas entendo a indignação ;)

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