Esperado seria que todos tivéssemos iguais oportunidades, mas não, que assim não nos conceberam, à luz de alguma injustiça, quiçá castigo, quiçá destino. Dotaram-nos de diferenças, que na maioria das vezes se iniciam em processos externos, do que nos dão, de como nos vêm. Julgo que haja muito quem não perceba, eu própria, há pouco percebi, o quão determinantes são as competências com as quais nos dotam, enquanto crescemos. Na adultez, encontramos de todas as gentes, num mundo abrangente e imenso, capaz de num espaço circunscrito, reunir o bom e o menos bom, o grande e o pequeno, o nobre e o mesquinho. Lá dentro, todos assumem um perfil único e individual, crescido do que se lhe deu, das interacções vividas, das contingências sentidas. Do cômputo nasce alguém, profundamente limitado ao que lhe foi dado, que poderá ser detentor de capacidade e impulso para crescer, ou, se tal competência não tiver sido trabalhada, vazio de processamentos capazes, e de escolhas sadias. E com longos caminhos a percorrer. Também nas relações amorosas verificamos esta dependência. Se todos podemos amar e ser amados? Sim podemos, mas de formas totalmente distintas. A título de exemplo, e porque ainda ontem o apanhei numa busca de distracção, o filme Uma Mente Brilhante, que retrata o amor dado por um psicótico, capaz de amar, claro, mas de forma muito própria, nem sempre bem acolhida. E existem muitos outros. O psicopático, por exemplo, que ama à luz de si e dos seus interesses. Não poderemos com isto dizer que ele não ama, pois ama. Mas ama de uma forma particular, pouco centrada no outro, que ainda não conhece o suficiente para respeitar e compreender. Ainda só se compreende a si. Porque até hoje, nada mais lhe foi possível aprender. Se é fácil amar um psicopático? Não, claro que não. Depois temos por exemplo o neurótico fóbico, dotado da competência do conhecimento de que o outro é gente, dono de vontades e opiniões, e que pode, eventualmente, e por isso mesmo, querer fugir. Vive num constante receio da perca, receio esse que o transforma numa pessoa insegura e como tal frágil, capaz de se encontrar em permanente ansiedade, não vá, de repente, ficar sozinho e incapaz. Existem outras, que não vou por ora dissertar, sob pena de desinteressar por completo quem ainda conseguiu ler-me até aqui. No fundo, porque o que me interessa, é deixar claras algumas conclusões, que com o tempo fui aprendendo. Nem todos amamos da mesma forma. Todos amamos subjugados ao que somos, ao que construimos, ao que nos foi dado. Para amar em pleno, carecemos de evolução, empenho e investimento. Confesso que me revolta esta injustiça, de sentir que a quem pouco foi dado, muito mais é exigido. O amor romântico deveria ser de acesso total e pleno da humanidade, e não condicionado às nossas limitações internas. É injusto, nem todos conseguirem a plenitude, que diz quem lá chega, ser inigualável. Mas de pouco me serve a indignação, valendo-me muito mais a aceitação e o percurso. Que todos o consciencializassem, seria meio caminho para relações muito mais felizes. Convido a pensarem, a conhecerem, a percorrerem o que vos falta. Com ou sem ajuda, depressa ou devagar. Mas vão. O risco de encontrarem quem não vos acompanhe, é significativo. Mas com vocês lá, no local exacto onde devem estar, não vai haver lugar para o medo, de continuar a procurar.
" Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho (...)"
José Saramago, a Pilar Del Rio