domingo, 31 de julho de 2011

Do fim de semana

De ontem para hoje, já
- Fiquei com o carro fechado dentro de um parque de estacionamento, o que me fez lá voltar hoje, à boleia, para o buscar;
- Parti a varinha mágica;
- Quase parti a fechadura da porta, que abre e fecha, mas não está de boa saúde;
- Voltei a ver uma luz no meu carro, que há uma semana me fez deixar 80 euros no mecânico;
- Voltei a ouvir um barulho na máquina da roupa, que há cerca de dois meses, me fez gastar 150 euros.

Pronto, tinha de dizer isto em algum lado, sob pena de desatar aqui aos berros, se tal não fosse feito.

Da liberdade...

Desde a nascença, crescemos inundados de uma liberdade fictícia que chega a ser quase real. Gostamos de a apregoar ao infinito, dá-nos um conforto sedutor, do podermos escolher o que queremos, quando queremos, conforme nos aprouver. Esquecemos, por vezes, que a vida nos tolda. Em regras, em respeito ao outro, em opções, em sentimentos. E nos deixa com frequência num leque circunscrito, que analisamos, percorremos, e nos permite uma escolha que mais não é do que ínfima, e por demais limitada, perante a imensidão do mundo. Hoje a ser verdadeiramente livre em escolhas, não estaria neste sítio, estaria noutro. Juntamente com um outro conjunto de mudanças que faria, assente na tal liberdade que não tenho. Mas que por vezes julgo ter. Liberdade, é uma palavra estranha, que vai-se e ver nos limita, quase sem darmos por isso, para nos deixar no estado ilusório, mas muito agradável, do poder. Quantas vezes não deixamos de trilhar certos caminhos, porque quem nos acompanha, os não quer? Ou quantas vezes não somos nós mesmos, porque a sociedade nos aponta? Entre outros inúmeros exemplos. Mais não somos, na nossa essência, do que seres pequenos, circunscritos a um corpo e a uma mente construída por tantos outros, e donos de uma pequena margem de manobra, moldada, castrada. Mas gostamos muito de pensar que não, e somos tão mais felizes quando acreditamos nisso.

sábado, 30 de julho de 2011

O Piano

No meio da sala repousa um piano empoeirado, que denuncia a ausência de dedos a calcá-lo, tal e qual o corpo dela. Mesmo ao lado, um conjunto de pessoas conversam animadamente, no que lhe parece ser um aniversário de uma senhora, alta e roliça, que se pavoneia deliciada entre os convidados, envergando um vestido azul turquesa, muito curto e decotado. Os copos, tilintam numa orquestra sentida e ouvida, num movimento permanente de risos e de goles, uns doces, outros amargos, todos eles muito frescos. No tecto, inúmeros panos coloridos guardam um ambiente que se quer calmo e de cheiro forte, apenas perturbado por um ruído sombrio de vento, que entra nas frestas estreitas das janelas. Apetece-lhe sentar e tocar o piano. Ela, que nunca na vida tocou num. O banco, redondo e nivelado, parece-lhe de um conforto imensurável, no qual poderia por certo fechar os olhos, que ainda assim, sentiria e veria todas as teclas, unidas, lado a lado, mas tão particulares como nada mais. As mais graves, as mais agudas, as brancas, as pretas. Sente um desassossego. Passeia os olhos mais um pouco, na vã esperança de encontrar algo ou alguém, com mais intenso chamamento, temendo acabar por ceder, que o seu fraco corpo, dirige-se com força para aquele imenso objecto musical, numa ausência de vontade nunca vista. Perde-se um pouco no terraço, onde uma chuva miúda e teimosa fustiga uns candeeiros acesos, que abanam ao vento. O fogo da fogueira arde devagarinho, quase a sumir-se na agrura do inverno, que por vezes julgamos dormente, mas que sempre se encontra no exacto local onde deve estar. Volta com o olhar para o piano, e leva-lhe o corpo também. Afasta a flor que o enfeita, senta-se, e inicia uma melodia doce, e ao mesmo tempo intensa e muito ritmada, como se sempre se tivessem pertencido. Na envolta, ninguém a ouve, continuando o cenário centrado na loira viçosa que sorri. O piano, por sua vez, e sedento de toque, escorrega-lhe nos dedos. Fundem-se num tempo impreciso, de companhia perfeita, num instante infinito. No final da noite, deixam-se. Ela, abraçada por ele, como se das entranhas lhe tivessem nascido mãos, braços, e todo um corpo, ao invés de música. Ele, crivado de dedos pequenos e magros, no meio da densa poeira que o cobria.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Mar

As dunas vêm-se longe. No jardim, algumas palmeiras, muito altas e secas, descasca-se aos poucos, quase parecendo que lhe fazem jus à existência, que também ela, a cada dia, perde um pouco da carapaça que lhe segura as entranhas, os ossos, a alma. Debaixo delas, bancos de cor violeta servem de assento a quem procura uma sombra escassa, preciosa nos dias assim, que fora da guarda, um sol escaldante penetra nos corpos de quem se aventura à travessia, forte e violenta, da qual apetece fugir. Uns sozinhos, outros acompanhados. Ela está sozinha. Atravessa o caminho quente e húmido, e no fundo, umas escadas íngremes dão-lhe o acesso a um areal branco e fino, cravejado de nada. O mar, de um tom azul forte, zanga-se muito. Ela fica a a ouvi-lo, e quase que o escuta. Disseram-lhe em tempos sabiamente, e se há coisa que sempre lembra, são os ensinamentos de quem muito já viveu, que a natureza nos diz muitas coisas. Queira-mos nós ouvi-la. Este mar diz-lhe que é grande, e ela pequena, mas ela, não acredita, que sente-se imensa, ainda que crivada de nascidas negras e dolorosas, daquelas que ninguém vê, mas capazes de a espremerem até à mais ínfima gota de sangue. Põe um chapéu de palha azul, e deixa-se estar, perante a afronta. Ele, ao invés de fraquejar com a estranha fortaleza que emana daquele pequeno ser, insiste, mostrando-lhe a zanga nas rochas duras e maciças, que a pouco e pouco, e não obstante a solidez que demonstram, nele se desfazem esvaindo-se em areia, pequena e mortiça. Ela, ao invés de o aceitar, de lhe reconhecer a supremacia mais do que notada, e o poder descabido, sorri-lhe. Ao longe, passa um velho, que devagarinho se aproxima. A pele está escurecida e rija, tal e qual o reflexo do que lhe vai dentro. Sorri-lhe quando passa e segue caminho. Ela levanta-se e vai embora. No jardim das palmeiras e dos bancos violeta, tudo se encontra no mesmo sitio, ou, se tanto, ligeiramente mais ao lado. Entra e aninha-se no quarto fresco. Adormece. Quando acorda, relembra o mar que tanto lhe quis dizer. Pensou com uma clareza espertina, que nada novo lhe trouxe. Resolveu ir ouvi-lo outra vez.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Da liberdade, por Júlio Machado Vaz

http://murcon.blogspot.com/2011/07/da-liberdade.html

Porque agora, eu vou arrumar o mundo...

Gostaria de entrar em algumas mentes que se julgam poderosas. Nem bem sei o que lhe encontraria dentro, provavelmente, quiçá, um negrume denso e perigoso, que não deixa os olhos verem, a pele sentir, o gosto provar. Só isso justifica a rocha que se constrói na envolta, que exala um poder fétido e podre, mascarado de força, que vai-se a ver e é protecção. Ao próprio, que pobre de si, nem se encontra. Todos carecemos dela, da segurança, que nos pode crescer dentro, ou que carece de vir de fora, numa manipulação exercida sobre um mundo que julgamos cruel e frio, no qual andamos, ora depressa, ora devagar, para em lugar algum encontrarmos paz. Chega a irritar-nos essa ausência, pelo que o que nos apraz, é controlar o exterior, já que não controlamos o interior. E assim arranjamos compartimentos distintos dentro do nosso ser, onde encaixamos de um lado o bom, do outro o mau, de um lado o que gostamos, do outro o que detestamos, e, em casos limite, de um lado o que vive, do outro o que morre. A perfeição da ordem assume-se com um fim, sem qualquer importância para o meio que se utiliza para lá se chegar. Desde que se chegue. E que fazer com mentes assim? E onde curar os que o mundo maltratou, e que carecem agora de ser banidos, sob pena de ordenarem sob seus intentos, totalmente adulterados e drásticos? Retira-los da sociedade, surge-nos como um único remédio, a nós simples mortais, completamente limitados. É por exemplo aqui, ou na Somália, entre outros, que a divindade se estranha em mim. O mal, ainda que preciso, talvez não carecesse de chegar a tanto.

Biscoitos

Ontem, o trabalho rendeu até de madrugada. Hoje, e em género compensatório, como desalmadamente biscoitos doces de chocolate, em forma de coração. Polvilhados com açúcar.

domingo, 24 de julho de 2011

Do amor romântico

Esperado seria que todos tivéssemos iguais oportunidades, mas não, que assim não nos conceberam, à luz de alguma injustiça, quiçá castigo, quiçá destino. Dotaram-nos de diferenças, que na maioria das vezes se iniciam em processos externos, do que nos dão, de como nos vêm. Julgo que haja muito quem não perceba, eu própria, há pouco percebi, o quão determinantes são as competências com as quais nos dotam, enquanto crescemos. Na adultez, encontramos de todas as gentes, num mundo abrangente e imenso, capaz de num espaço circunscrito, reunir o bom e o menos bom, o grande e o pequeno, o nobre e o mesquinho. Lá dentro, todos assumem um perfil único e individual, crescido do que se lhe deu, das interacções vividas, das contingências sentidas. Do cômputo nasce alguém, profundamente limitado ao que lhe foi dado, que poderá ser detentor de capacidade e impulso para crescer, ou, se tal competência não tiver sido trabalhada, vazio de processamentos capazes, e de escolhas sadias. E com longos caminhos a percorrer. Também nas relações amorosas verificamos esta dependência. Se todos podemos amar e ser amados? Sim podemos, mas de formas totalmente distintas. A título de exemplo, e porque ainda ontem o apanhei numa busca de distracção, o filme Uma Mente Brilhante, que retrata o amor dado por um psicótico, capaz de amar, claro, mas de forma muito própria, nem sempre bem acolhida. E existem muitos outros. O psicopático, por exemplo, que ama à luz de si e dos seus interesses. Não poderemos com isto dizer que ele não ama, pois ama. Mas ama de uma forma particular, pouco centrada no outro, que ainda não conhece o suficiente para respeitar e compreender. Ainda só se compreende a si. Porque até hoje, nada mais lhe foi possível aprender. Se é fácil amar um psicopático? Não, claro que não. Depois temos por exemplo o neurótico fóbico, dotado da competência do conhecimento de que o outro é gente, dono de vontades e opiniões, e que pode, eventualmente, e por isso mesmo, querer fugir. Vive num constante receio da perca, receio esse que o transforma numa pessoa insegura e como tal frágil, capaz de se encontrar em permanente ansiedade, não vá, de repente, ficar sozinho e incapaz. Existem outras, que não vou por ora dissertar, sob pena de desinteressar por completo quem ainda conseguiu ler-me até aqui. No fundo, porque o que me interessa, é deixar claras algumas conclusões, que com o tempo fui aprendendo. Nem todos amamos da mesma forma. Todos amamos subjugados ao que somos, ao que construimos, ao que nos foi dado. Para amar em pleno, carecemos de evolução, empenho e investimento. Confesso que me revolta esta injustiça, de sentir que a quem pouco foi dado, muito mais é exigido. O amor romântico deveria ser de acesso total e pleno da humanidade, e não condicionado às nossas limitações internas. É injusto, nem todos conseguirem a plenitude, que diz quem lá chega, ser inigualável. Mas de pouco me serve a indignação, valendo-me muito mais a aceitação e o percurso. Que todos o consciencializassem, seria meio caminho para relações muito mais felizes. Convido a pensarem, a conhecerem, a percorrerem o que vos falta. Com ou sem ajuda, depressa ou devagar. Mas vão. O risco de encontrarem quem não vos acompanhe, é significativo. Mas com vocês lá, no local exacto onde devem estar, não vai haver lugar para o medo, de continuar a procurar.


" Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho (...)"


José Saramago, a Pilar Del Rio

Arrumações

Enquanto analiso mentes, inquiro-me a mim mesma onde está o traço. Um traço que necessitamos que exista, embora ténue claro, entre a sanidade e a loucura, entre o que nos atinge e o que nos passa ao lado do ser, entre o amor e o ódio, entre o querer e o não querer. Os intermédios são muitas das vezes sítios estranhos que nos deixam num estado de desconforto sério, pela ausência de certezas, muito mais claras dos lados do que no meio. Para quem sente e para quem vê sentir. Para quem sente, pela segurança que experimenta com o encaixe, algo fulcral para nos segurar, que a deriva, o Deus dará, parece giro de vez em quando, mas quando experimentado intemporalmente, transporta-nos para precipícios medonhos, muito altos e batidos, onde o simples facto de não sabermos se caímos ou não, chega para nos angustiar. Essa angústia, em conta e medida, é necessária, em doses consideráveis, torna-se sofrimento. Ocorre-me ainda o amor que não sabemos nosso, e que nos deixa num estado de incerteza de caminho, num vai e vem desconcertado, no um dia sente-se, outro dia não. E se aí o não pode ser demasiado perturbador, não deixa porém de nos ser útil, e de nos impulsionar a um esquecimento que o assim assim não nos permite. Para quem está de fora, e pegando por exemplo na loucura, ela dá um conforto incrível na hora do entendimento. Arruma tanto lá dentro como mais nada, e o louco, apenas o louco, é entendido por todos, porque tudo lhe é permitido. É louco. E nesta feia palavra pequena e enorme, encaixamos os que nos incomodam, os que nos magoam, os que nos perturbam, os que são diferentes. E arrumamos assim a nossa cabeça, enquanto afirmamos organizar o Mundo.

sábado, 23 de julho de 2011

You Know I'm No Good

Já por cá tinha dito que era fã. E era. Não da postura, dos excessos, que muito embora tivesse no direito de os ter, não deixavam de chocar quem a ouvia e quem a via, que de resto, julgo que era esse mesmo o seu nobre motivo. Ou esse, ou algum desconforto interno, que 27 anos de vida não chegaram para apagar. Era detentora, na minha opinião, claro, de uma das melhores vozes do actual panorama musical. Não descobriu convenientemente o que fazer-lhe. Ou fez-lhe o que entendeu, e ninguém a compreendeu. Independentemente do que a moveu, fica, sem dúvida, como uma cantora de referência. Com uma voz do tamanho do mundo.

Ofensas

Soa-lhe sempre a mau gosto, comentários depreciativos referentes à sua pessoa. O homem do café evidencia-lhe as olheiras, reveladoras de um cansaço já crónico e inultrapassável. A velha da loja, as coxas, grossas e rebeldes, tal qual as dela, que também sempre assim foram. Agrada-lhe especialmente esta crítica indexada ao corpo de quem a profere, dita de forma ténue, ou seja, a acusação surge acompanhada, pela própria pessoa que a dita. Logo, será muito melhor aceite, na ausência da solidão. A sua mãe olha-lhe de revés para uns cabelos loiros, de caracóis e em desalinho, que valeu-lhe a cor, ao senão, seria comparado a um ninho de ratos, assim, parece mais um de pássaros, que ao menos voam. Palavras dela. A que se diz amiga, acentua-lhe a teimosia infinita, transportando-a para um extremo pouco visto. Esta capacidade alheia de a elevar aos píncaros nos quais não traçou nem meio caminho, também a intriga. Elevassem-lhe assim o Ego, que se encontra mortiço, apagado, perante a panóplia de dissabores que lhe atiram todos os dias, sem qualquer tipo de artefacto. Poderiam até fazer uso de algum, como uma daquelas atiradeiras do antigamente, compostas por um pauzinho côncavo e um elástico, onde se colocava o objecto a atirar, e que muitas das vezes falhava o alvo. Com ela não, que tudo lhe acerta. Numa estranha parte do seu corpo que ninguém vê, ninguém escuta, ninguém percebe. Mas que está lá. Qualquer dia, encolhe e desaparece.

Somália


Estou cansada de ler sobre o assunto, e hoje li mais este, que sugiro. Pela fé, e pela crueza das fotos. E estou cansada, não dos que a protagonizam, mas dos que com ela compactuam e a deixam prosseguir. Em avareza, extremismo, ou qualquer um outro tipo de sentimento nefasto, que se possa pensar. Ao contrário de muitos, não julgo que o problema é apenas e só de alguns mais poderosos. As medidas mais drásticas, imediatas, poderão sê-lo. As menos, que nada se vêm, mas que juntas são algo, andam ai. Por vezes esquecidas. No séc. XXI, deixamos gente morrer com fome. Sede, ou qualquer um outro direito básico. Não me parece, de todo, um bom indicador de evolução humana.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Dos comentários

Por vezes, encontro blogs indignados com os comentários alheios. Percebo, obviamente, que palavras menos boas não são agradáveis de ler. Parece-me porém um mal sem remédio, que a exposição tem destas coisas. Se preferimos a ausência de retribuição negativa, o melhor será a reserva, pelo menos nos assuntos mais delicados. Aprendi há muito no meu dia a dia, que se não quero a crítica, devo guardar para mim. A partilhar, arrisco um risco que nem sempre me apetece correr. A transparência de quem partilha, ainda que inundada de boa vontade, é digerida por quem a consome. E quem a consome, encaixa-a lá dentro, num lá dentro que pode ser bom, ou menos bom. A cada um o direito de dizer o que bem lhe aprouver no seu espaço, claro. Igual ao direito de quem lê e comenta, se tal for permitido. Surge o apelo à boa educação, que pelos vistos, nem sempre existe. De facto, a incursão sem respeito, perturba. Parece-me porém difícil de contornar. A não ser com a precaução.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Consequências

Gosto de ouvir. Não é de hoje, é de sempre. Gosto de encaixar motivações, perceber vontades. Ainda me custam porém a aceitar, determinadas limitações. Não somos todos iguais, nem escolhemos iguais caminhos. Porque queremos todos os mesmos ganhos? Ser-nos-á difícil de perceber, que se não amamos, não seremos amados? Que se não damos, não recebemos? E que se não cultivarmos, não poderemos posteriormente colher? Vamos mais longe, que perante determinadas ausências, entramos na indignação. E assumimos azares, injustiças, quando no fundo, mais não se trata do que factos, omitidos ou executados por nós, dependo dos casos. A palavra consequência é primordial na evolução da vida. Relembro Arminda, que nunca se empenhou, para hoje nada ter. O que lhe escorre dos olhos são lágrimas amargas, de uma solidão sentida e forte, impossível de reverter. Nunca se deu, ou sequer se encostou. Era ela, para ela sempre ser. Orgulha-se disso, e ainda hoje não percebe o trajecto. Percebe apenas que carece, e que alguém devia dar-lhe. Os de longe, vão surgindo, sumidos. Os de perto desapareceram. E a revolta acende-se porque o sentimento é ambíguo, de um abandono total, por parte de quem lhe tinha a obrigação. Não concebe, que a obrigatoriedade da pertença, perante a ausência de tudo, é frágil e lassa. Diria até inexistente.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Línguas de gato


Os perfis para analisar apinham-se, alguns deles, com data marcada para entrega. A secretária do trabalho sentiu-se com a minha ausência e atolou. Ando a ver se dou conta do recado sem colapsar na chegada das férias. Agora, vou entregar-me a um Barilan, que para quem não sabe, é uma prova semi projectiva, para crianças em idade escolar. Entrego-me ainda a línguas de gato, e amanhã, será outro dia. Não sei se já vos tinha dito que adoro línguas de gato. Um processo que se dá essencialmente, porque as julgo pequenas e secas, e portanto, inofensivas. Como tal, devoro-as às dúzias, transformando-as num sério inimigo. A minha vida, está cheia destas relatividades. Ou seja, coisas objectivas e claras, que eu deformo ao sabor da vontade.

Alterações

Gosto que me apelem devagar, coisa que já nem sei o que é. O apelo da envolta, ou melhor, das envoltas, surge em tropeço, quase como se o mundo se extinguisse já amanha, e a urgência da minha intervenção fosse fulcral para o travão. Já houveram tempos, em que o Ego subia. Hoje, já só me causa cansaço. Engraçadas estas alterações que constato amiúde, perante estas e outras.

domingo, 17 de julho de 2011

Carros 2

Numa sala à pinha, assisti ao Carros 2. O que vi foi muito giro. A parte em que adormeci, diz que também foi.

sábado, 16 de julho de 2011

Festivais

Já fui. Dos mais míticos, aos mais in. Hoje, teria de ser muito bem seduzida para me enfiar num festival de verão. E não, não me orgulho disso. É sinal, indelével, de que a idade avança.

Olhar para dentro

Nas manchas feitas a dedo por Rorschach, é suposto ver coisas. Com elas e com outros artefactos, entramos dentro de que se nos entrega em mãos, por vezes a medo, a fim de se conhecerem por dentro, de se escutarem. Ainda encontro gentes que se julgam capazes de se auto conhecerem plenamente, e que me apresentam um sorriso seco e amargo quando lhes vou mais ao fundo. Não, eu não sou isso. Mas são. Não imaginam, e cada vez mais acredito nesta verdade, o número elevado de quem não sabe quem é. Quando sucede, apetece-me gritar bem alto a todos, que se procurem. Não deve existir maior desconforto do que o desconhecimento interno. Alargando a perspectiva arrisco nomes para mim. Saberá este ou aquele, detentor de poder e cargo funcional, por que linhas se rege? Conhecerá onde se encaixa, saberá o que lhe faz falta? Ou ao invés percorre caminhos à deriva, onde o facilitismo da evolução fátua se instala em força, e assume o lugar do crescimento, que vai-se a ver e não chega nunca? Parece-me haver muito quem não se perca com esses meandros e preocupações. Quem prefira o corrente ao Eu, o usual à individualidade. À parte de outros pontos comuns, considero ser este um ponto fulcral para muita da ignorância humana. Olhem para dentro. Vão ver que não dói nada. E se doer, está em vós a capacidade de perceber, resolver e seguir. Seríamos todos tão mais felizes.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Jardim

No meio do jardim desloca-se com um livro na mão. Nos bancos de pedra fria, pares de namorados encaixam-se uns nos outros, enquanto as velhas que se passeiam na tarde, deitam olhares e murmúrios carregados de reprovação, num atrofio à saudade que lhes escorre dos poros em cada fraco respirar. Procura um sítio sossegado, mais ou menos livre de gente. Após lamber um gelado, muito fresco e adocicado, adormece para dentro, como se a envolta, barulhenta e volumosa, nem sequer existisse para ela. Quem a olhar ao de longe, ou até quiçá ao de perto, julgará que se encontra inserida na paisagem, tornada numa estátua de pedra colorida mas mortiça, com um livro na mão, onde se podem ler teorias diversas que não interessam a ninguém. Nada nela murmura. Lá dentro, porém, algo a estilhaça. Nem bem sabe que mal é este, pujante e forte, mas ao mesmo tempo tão sombrio, que mesmo a quem a espreite de perto, lhe entre na vista ou em qualquer outra parte do corpo, o acesso a tal tormento sempre se encontra negado, como se tudo se encontrasse no mais perfeito sossego. Talvez não pensarão vós, amáveis que são e dotados de perspicácia, capazes de julgar que as emoções quando fortes, se deixam antever por entre os olhos, pelos lábios semiabertos, ou no toque quente das mãos. Talvez lhe entrem, sem que se dê conta, julgarão outros, os mais crentes. É pois com pesar que venho dizer-vos, que de todo estão enganados. Quase tudo o que se passa, desde os namorados que se apegam, às velhas que se mordem de inveja, aos miúdos que gritam, se pode sentir e contemplar. Poderão até conseguir ler o que emana a mulher gorda e esbranquiçada, que entretanto se abeirou dela, enquanto tricota um cachecol cor de vinho, medonho de quente debaixo do sol. Ou sentir o sossego da freira, que se passeia calma e tranquila, ainda que sobressaltada pela panóplia de afagos, que encontra em Deus o seu sustento. Ou ainda a alegria que emerge dos turistas, que de máquina na mão, fotografam o que para ela já é hábito e sem interesse. Ela, está totalmente incógnita. E às vezes gosta disso.

...

Os pingos na testa são coisa para me pôr a pensar. As férias, poderiam ser tempo de descanso, mas é nelas que me atafulho de picos medonhos, que se me cravam dentro, como se no resto do ano, entre passos rápidos e olhares fugidios, a consciência se deixasse sumir, ou pelo menos entorpecer, mantendo-se assim na distância, mais do que suficiente para que a vida me corra, umas vezes menos, outras vezes mais. Nem percebo o porquê da ilusão. Deveria eu já ter feito o caminho correcto para lidar com gente, já conhecer os meandros por onde se movem, já lhes encontrar manchas negras que besuntam de cores amenas, sem nunca negar a essência. Mas não. Temo que nunca me venha tal lucidez. Temo que os caminhos que percorro me deixem sempre no aquém que preciso, porque sempre acabo por roçar a injustiça que me alcança, malvada coisa que parece espreitar-me ao longe, quando sossego. Deveria eu nem ambiciona-lo, deveria eu manter-me de guarda a mim, quase como se numa constante luta me encontrasse, e carecesse de um arbusto gigantesco, capaz de me amparar, sempre e em qualquer lugar. Quando arrisco larga-lo, algo me surge. Nem sei de onde vem ou de onde me fere, ou sequer o porquê. Ou talvez saiba sem querer ver, num embalo onde me entrego toda, como em todas as entregas. Um dia cresço e nesse dia chegarei para mim. Não que deixe de me dar, de me entregar, ou sequer de amar. Simplesmente, deixarei de me iludir. Dizem que dela também se vive. Eu, quanto mais a encontro, mais a desdenho.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Tempo...

O tempo foge muito, quase como se o pegássemos, o metêssemos debaixo dos braços e o quiséssemos só para nós. Não queremos, engano dele, inundado em presunção, que vai-se a ver, e se nos brindasse com uns resquícios de sol, distribuiríamos sorrisos encalorados, ao invés de amendoins com sal, pipocas doces, livros de histórias e cartas de jogar. Assim, os sorrisos saem-nos brancos, pintados a gulodices e a fotos velhas, retiradas do armário, vindas emolduradas em álbuns de capa dura, onde apareço inundada a cores garridas, entre camisolas de tricot, feitas por mãos de amor, e vestidinhos de nuvens rosa, cheinhas de sonhos. O cão lambe-nos sempre que pode, que a família toda junta nem sempre se apanha, ainda para mais com sabor a sal. Os banhos de mar escasseiam, que entre a cinza do tempo, as ondas grandes e o gelo da água, a vontade acalmou. Restam-nos os sorrisos de todos, por demais habituados a surgir em toda a hora, que continuamos a colorir a cada dia, com uns pincéis baptizados de nomes doces, tal como beijos, festas e palavras de aconchego. Não ainda não voltei. Até já...

sábado, 2 de julho de 2011

...

Até já...

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Dos sonhos

Chega sentado numa cadeira de rodas. Num corpo sofrido e amargurado, reúne a agreste verdade do que lhe calhou em vida. Profere-o com uma certeza cabal e inflexível, não deixando qualquer margem de manobra a quem o escuta, para lhe aligeirar a pressão da alma. Viveu muito, e muito depressa. Ao invés de se contentar com o que lhe chegava de perto, ousou querer o mundo como local para si, num descomedimento de ambição exagerada e vã, que não lhe coube no corpo. Sua avó, dizia-lhe que Deus escreve direito por linhas tortas, e foi provavelmente esse, o Deus de sua avó, que resolveu guarda-lo num sítio pequeno, circunscrito e limitado, reservado apenas aos locais onde se move, com ajuda dos braços, que treina todas as manhãs, no portão de ferro do jardim. Nunca temos o mundo todo. Ainda não percebeu verdadeiramente, se aquele Deus que lhe apregoam, é real ou constructo terreno, arranjado a preceito por quem justiça quer cometer, e que por não encontrar no mundo tal virtude, deposita o serviço nas mãos do longínquo, que nunca saberemos se há ou se não. Ainda assim, nem quer deixar na pessoa de sua santa avó, tamanho vaticínio, pelo que o que crê, é que algum ser supremo, dotado de dons e de braços firmes, estabeleça critérios na terra dos homens, que só isso justifica, não serem os próprios a fazê-lo. Encara tal facto no campo da submissão, provavelmente propositada. Fossemos nós dotados dessa independência inerente à justiça, e o mundo fluiria são e tranquilo, quase dispensando as alienações divinas, que para pouco serviam perante a harmonia. A cadeira de rodas, porém, é apenas um ligeiro limite. Presa, está-lhe sim a alma, já julgada e enfraquecida, que não lhe deixa réstias de esperanças de sonhos. Em tempos, não julgava possível viver sem eles. Hoje, sabe que é.

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