quinta-feira, 14 de julho de 2011

Jardim

No meio do jardim desloca-se com um livro na mão. Nos bancos de pedra fria, pares de namorados encaixam-se uns nos outros, enquanto as velhas que se passeiam na tarde, deitam olhares e murmúrios carregados de reprovação, num atrofio à saudade que lhes escorre dos poros em cada fraco respirar. Procura um sítio sossegado, mais ou menos livre de gente. Após lamber um gelado, muito fresco e adocicado, adormece para dentro, como se a envolta, barulhenta e volumosa, nem sequer existisse para ela. Quem a olhar ao de longe, ou até quiçá ao de perto, julgará que se encontra inserida na paisagem, tornada numa estátua de pedra colorida mas mortiça, com um livro na mão, onde se podem ler teorias diversas que não interessam a ninguém. Nada nela murmura. Lá dentro, porém, algo a estilhaça. Nem bem sabe que mal é este, pujante e forte, mas ao mesmo tempo tão sombrio, que mesmo a quem a espreite de perto, lhe entre na vista ou em qualquer outra parte do corpo, o acesso a tal tormento sempre se encontra negado, como se tudo se encontrasse no mais perfeito sossego. Talvez não pensarão vós, amáveis que são e dotados de perspicácia, capazes de julgar que as emoções quando fortes, se deixam antever por entre os olhos, pelos lábios semiabertos, ou no toque quente das mãos. Talvez lhe entrem, sem que se dê conta, julgarão outros, os mais crentes. É pois com pesar que venho dizer-vos, que de todo estão enganados. Quase tudo o que se passa, desde os namorados que se apegam, às velhas que se mordem de inveja, aos miúdos que gritam, se pode sentir e contemplar. Poderão até conseguir ler o que emana a mulher gorda e esbranquiçada, que entretanto se abeirou dela, enquanto tricota um cachecol cor de vinho, medonho de quente debaixo do sol. Ou sentir o sossego da freira, que se passeia calma e tranquila, ainda que sobressaltada pela panóplia de afagos, que encontra em Deus o seu sustento. Ou ainda a alegria que emerge dos turistas, que de máquina na mão, fotografam o que para ela já é hábito e sem interesse. Ela, está totalmente incógnita. E às vezes gosta disso.

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