quinta-feira, 28 de julho de 2011

Mar

As dunas vêm-se longe. No jardim, algumas palmeiras, muito altas e secas, descasca-se aos poucos, quase parecendo que lhe fazem jus à existência, que também ela, a cada dia, perde um pouco da carapaça que lhe segura as entranhas, os ossos, a alma. Debaixo delas, bancos de cor violeta servem de assento a quem procura uma sombra escassa, preciosa nos dias assim, que fora da guarda, um sol escaldante penetra nos corpos de quem se aventura à travessia, forte e violenta, da qual apetece fugir. Uns sozinhos, outros acompanhados. Ela está sozinha. Atravessa o caminho quente e húmido, e no fundo, umas escadas íngremes dão-lhe o acesso a um areal branco e fino, cravejado de nada. O mar, de um tom azul forte, zanga-se muito. Ela fica a a ouvi-lo, e quase que o escuta. Disseram-lhe em tempos sabiamente, e se há coisa que sempre lembra, são os ensinamentos de quem muito já viveu, que a natureza nos diz muitas coisas. Queira-mos nós ouvi-la. Este mar diz-lhe que é grande, e ela pequena, mas ela, não acredita, que sente-se imensa, ainda que crivada de nascidas negras e dolorosas, daquelas que ninguém vê, mas capazes de a espremerem até à mais ínfima gota de sangue. Põe um chapéu de palha azul, e deixa-se estar, perante a afronta. Ele, ao invés de fraquejar com a estranha fortaleza que emana daquele pequeno ser, insiste, mostrando-lhe a zanga nas rochas duras e maciças, que a pouco e pouco, e não obstante a solidez que demonstram, nele se desfazem esvaindo-se em areia, pequena e mortiça. Ela, ao invés de o aceitar, de lhe reconhecer a supremacia mais do que notada, e o poder descabido, sorri-lhe. Ao longe, passa um velho, que devagarinho se aproxima. A pele está escurecida e rija, tal e qual o reflexo do que lhe vai dentro. Sorri-lhe quando passa e segue caminho. Ela levanta-se e vai embora. No jardim das palmeiras e dos bancos violeta, tudo se encontra no mesmo sitio, ou, se tanto, ligeiramente mais ao lado. Entra e aninha-se no quarto fresco. Adormece. Quando acorda, relembra o mar que tanto lhe quis dizer. Pensou com uma clareza espertina, que nada novo lhe trouxe. Resolveu ir ouvi-lo outra vez.

3 comentários:

  1. Da janela do meu quarto vejo o mar, e da da cozinha também. Não o ouço porque aqui onde moro ele é gentil e suave ma fala-me no seu azul tranquilo e escuto-o sempre ao nascer do dia e à tarde quando chego a casa.

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  2. Só consigo comentar como anónimo e por isso saio sempre de mansinnho. Sorry!
    CBO
    ( do cronicasdorochedo)

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