quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

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Temos a estranha mania de excluir ao infinito os que já se sentem excluídos. De fecharmos os olhos para a sua existência, de passarmos ao lado e de cara voltada, de os arrumarmos num local onde não incomodem, onde não atinjam a nossa sensibilidade, onde não nos façam comichão idêntica à que nos pode causar uma etiqueta esquecida no pescoço. Não é fácil, às vezes não chega fingir que eles não existem, porque os que incomodam mesmo arranjam forma de se insurgirem e de se mostrarem. E é mesmo nesses que gostamos de pegar para recolocar num qualquer sítio específico para desadaptados, onde existem programas ou currículos especiais, como por exemplo junto ao senhor António que arranja o jardim, ou junto à Dona Maria que faz sandes de fiambre no refeitório e que pode mesmo ser uma boa aposta para o adolescente agressivo. Retira-se da turma, abriga-se segundo um decreto ou, na impossibilidade, segundo a autorização máxima do executivo, e problema resolvido. A turma sossega, os professores voltam a conseguir dar as aulas, os meninos aprendem e não importa grandemente o que aconteceu ao desadaptado. Importa apenas que deixou de incomodar, e isso, isso é que importa. 

(Consigo, como que por obra de magia, entrar no corpo desta gente toda. Não a cem por cento, impossível, mas numa percentagem gigantesca, acreditem. O desadaptado, por exemplo, não gosto de estar lá dentro. Mas que raio de vida é esta que me bate desde que nasci, e que agora resolve que me há-de excluir, apenas porque eu faço igual com as pessoas à minha volta? Mas não foi isso que ela me ensinou? Mas não é isso que ela quer que eu aprenda? Então, e se não é, porque não me ensina outra coisa? Pode ser que eu aprenda... Pode, pode ser. Mas quem ensina, e agora sou eu do lado dos professores, tem sérias dificuldades. Como é que nós conseguimos manter em contexto de sala de aula, juntamente com outros vinte e muitos, um aluno conflituoso? Como conseguiremos ensinar a matéria? Como nos é possível gerir a turma e quem quer aprender? Salvem-nos, não sabemos o que fazer... Pois, não sabem, porque não é fácil. E o que eu gostava mesmo era de chegar aqui ao final e dar um remate certeiro, daqueles que às vezes arrisco, se ele fosse possível, mas o pior é que não tenho. Pelo menos sem grandes mudanças estruturais que me parecem miragens nos tempos que correm. Falar em bom senso, será muito? Se calhar é e se calhar também não chega, mas temo seriamente ter de ficar por aqui. Pode ser que nos valha, quando mais não seja para nos fazer pensar no que é que levou a isto, no como é que poderemos gerir isto, e ainda, mas não menos necessário, como é que conseguiremos combater as repercussões futuras. E sim, podemos reflectir sobre isto à lareira, em frente a uma caixa de Ferreros, com luzinhas a piscar na árvore e chás de alfazema a fumegar nas chávenas, na noite do novo ano. Sempre me parece melhor do que ver a Casa dos Segredos. Ou o Toca a mexer, que apesar de ter a Bárbara Guimarães em mini saia, é um tremendo atentado ao bom gosto.) 

6 comentários:

  1. Ouvir os desadaptados é um meio caminho andado por si, não é ? O pior começa quase sempre (sempre ?) quando não se quer ouvir... depois procurar soluções com os poucos meios que se tem. Mas tem sempre por se começar por uma escuta. Ah, se toda a gente tivesse dois ouvidos.

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    1. Carla, claro que sim. O pior é que constato, a cada dia, que ouvir os desadaptados deve de ser mesmo muito difícil para a maioria das pessoas. Normalmente, veja só, costumam até falar ao mesmo tempo, e por vezes, já existem soluções prévias, definitivas, mesmo antes de se ouvir o que quer que seja. Não é fácil ouvi-los, eu sei, tampouco percebê-los. Mas sim, deveria ser sempre o inicio. Sabe, por vezes penso, se todos usássemos em proveito todas as faculdades que temos, tudo, mas tudo, seria tão mais fácil...

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    2. E interessante...
      A ver se me auto-tiro algumas palas de burro, que por aqui ainda devem andar de certeza, como prenda de Natal ;)

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  2. No fundo, falas de intolerância à solidariedade. Dito assim, parece mais cruel, mas desde quando a crueldade não é a norma? Desde sempre, só que essa sim é muito bem adaptada... :(

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    1. Eventualmente será isso... Sim, a crueldade está bem adaptada, até porque se encaixa em nós que nem uma luva, pelo menos quando o cerne é o nosso bem estar. Não gosto do que acarta Paulo. Mesmo nada...

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