sexta-feira, 26 de julho de 2013

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Os caminhos acima do chão sempre me deram uma visão privilegiada. Tomei-lhe o gosto em criança, acomodadíssima na carroça bem mais elevada do que o mini amarelo do meu pai. De lá mirava os quintais das vizinhanças e lembrava-me disso, quando já na ida para a faculdade via as casas dos caminhos e os carros lá em baixo. Nessa altura as horas não se podiam perder em descansos e em sonos esquecidos de acontecer, nas noites em que Freud me entrava pelos olhos adentro e me deixava aos soluços curiosos sobre como seria a psicopatologia da vida quotidiana. Agora não me canso com essas coisas. Passa o senhor a perguntar se bebo café, chá ou coca-cola, e eu como o nestlé de leite, não há doce melhor cá neste mundo. Também já não construo realidades ficcionadas enquanto o caminho fica para trás ao mesmo tempo que eu sigo sempre em frente. Ao meu lado umas jovens inglesas partilham fotos no facebook e riem muito. O outro que seguia em frente lia a revista Maria e um diário íntimo que ensinava as mulheres a terem muito mais prazer. Não percebi o interesse dele por terrenos proibidos, apenas autorizados sempre e só quando a mulher quer, o melhor será invariavelmente perguntar-lhe. Acabei a matar o tempo com considerações diversas acerca de pessoas. Há muito tempo que eu descobri que o maior entrave à evolução é o medo de nos conhecermos a nós próprios. Não sei muito bem como é que se dá cabo deste medo, mas poderemos sempre tentar devagarinho, um de cada vez. Depois no seguimento não resisti à saudade e dispus diálogos cogitados à mercê do que me apetece mesmo que seja. Defini horas, locais, pessoa e caminhos sempre vistos de cima, não fosse desordenar a abrangência. Não perdi coisa nenhuma, nem mesmo quando acordei do sonho, a não ser o nestlé que se derreteu no meu vestido, a alegria das moças que tinham parado, a satisfação do rapaz que entretanto arrumara a revista e o orgasmo feminino. Lambi os dedos e olhei o rio que estava em baixo numa nitidez fulminante. Ajeitei os óculos e prossegui a análise iniciada há muito por meandros de uma alma. Um depressivo, está mais do que visto, encontram-se amiúde por aí. Nunca me fartarei da tristeza alheia, estou certíssima disso. Trata muitas vezes uma desilusão clandestina encontrada na consciência da constatação. A ignorância pode sempre ser uma fiel amiga. Viável até ao dia em que o retrocesso teve fim. 

2 comentários:

  1. off topic: juntar numa mesma linha "orgasmo feminino" e "lambi os dedos" sem que o texto tenha nada a ver com libidinosidade, seria obra se o Freud não estivesse mais atrás... :))

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    1. Freud estava e Freud explica todos os inexplicáveis à luz do inconsciente. Agora interpreta o que quiseres que eu deixo... :))

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