terça-feira, 2 de julho de 2013

cheiros


Sempre gostei de monumentos religiosos, igrejas, mosteiros, abadias, capelas, mesquitas, altares modestos onde se ora em silêncio por uma calma esvaída em dias cinzentos de vidas apertadas. Há uma busca dirigida do que pode ou não encontrar-se, mas que acende sempre uma esperança de conforto, mesmo que mortiça, de que se atinja um patamar superior de existência presente e futura. Mais saúde, mais amor, mais sossego, mais sucesso, menos dor. É esta crença divina que transcende o espaço e quem o procura que me encanta, uma áurea clandestina que me faz sorver as energias boas dos sentires sofridos. Para além disso encontro sempre o silêncio que já me foi estranho nos retiros de mim. Mas que ausência era essa, senhores, em que pensaria eu? Onde encaixaria um inconsciente ainda desconhecido e ansioso por engolir o mundo todo de uma vez? Parar era morrer, dizia muita gente e acreditava eu, piamente crente de que interior e movimento residiam mano a mano num corpo só. Meu Deus, mas que erro maior. Era hoje que eu jamais desperdiçaria as irmãs que me fizeram pensar dois dias sem parar, altura em que eu mastiguei pastilhas elásticas e cantarolei baixinho musicas que me distraiam o que morria de inquietação. O medo ou a ausência de saber parar para pensar é qualquer coisa de limitativo e significativamente perigoso, e deveria tratar-se nos manuais escolares, conjuntamente com a matemática e o português. Até porque fazer contas erradas é perigoso e falar por falar também. Nunca na escola primária alguém me disse que era cá dentro que nascia tudo. Ensinaram-me antes a ler, a soletrar, a contar, a imaginar subjugada à regra da redacção. Nada de pontuação excessiva, cuidado com a gramática, vamos lá a respeitar a temática do texto, as linhas já são mais do que muitas, ou ainda, como queres dizer tanto em tão poucas palavras? Relatividades, banalidades. Hoje consigo dizer tudo numa frase minúscula, construir um texto sem transmitir coisa nenhuma que se veja, imaginar sem rédeas e viver um dia inteiro cá dentro, em silêncio. Consigo ainda vagar se o espaço me deixar respirar o ar que arde em forma de velinhas amarelas e que circula nos corpos dos  fiéis que se ajoelham na confiança da fé. Haverá pouquíssimas coisas neste mundo mais urgentes do que a confiança que mora escondida nos locais impróprios, guardada numa caixa de esmolas quase trancada ao redor. Gosto de cheirá-la, preciso de cheirá-la de vez em quando, entranha-se-me no corpo e mantenho-a viva até que se desvaneça de novo, na loucura da humanidade.    

4 comentários:

  1. Minha querida C. que belo texto este! e que verdadeiro! que bem que o percebo! :) :) Obrigada.

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    1. Ó Antígona, que simpatia a tua. Obrigada eu, pois então... :)))

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  2. Respostas
    1. Bom? Bom é o teu regresso, Cristina... :))

      (beijinhos:)

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