sábado, 13 de setembro de 2014

o perdão

Ontem um menino trouxe-me um texto retirado da net que defendia a prescrição dos crimes ao coração. Mais ou menos como na justiça, na qual os anos servem para apagar o que de mal se fez ao mundo. Desenhou de seguida uma série de desenhos aos quais juntou um conto onde um casal dá tiros um ao outro. No final da história estão ambos de mãos dadas, e o menino defende por si que o perdão é o que nos salva. À parte da inocência infantil, apeteceu-me acreditar cegamente na realidade sob a qual a sua crença incidia. Apeteceu-me procurar a história dos crimes do coração, lê-la de trás para a frente e da frente para trás, perceber até que ponto temos reais mecanismos para induzir essa acção de prescrição que poderia ser de dez anos, quinze anos, vinte anos. Nos meandros primários da nossa estrutura mental, não encontrei cabimento para a teoria. Pareceu-me rudimentar, limitada, reduzida a uma simples regra de precisão matemática, hoje dói, amanhã já não. Porém, à medida que aprofundei o inconsciente e me deixei envolver nos seus territórios secretos, considerei que a validade da dita, ainda que limitada, pode bem ser considerada. Talvez isso justifique uma criança maltratada ser capaz de amar, uma mulher traída ser capaz de acreditar, um velho abandonado ser capaz de gostar. Curar feridas abertas de corações destroçados cansa, e perdoar todos os dias também, será eventualmente por isso que vão prescrevendo cada um a seu tempo, sem critério definido em termos de exactidão, sem regras claras, por vezes até em contra-mão. Um dia, tenho para mim, lá mais para o fim do caminho, deveremos ser capazes de os eliminar mais depressa. Deve ser nessa altura que quase nos morre a desilusão.

( Um obrigada especial ao menino que me colocou a pensar sobre o assunto com este afinco. Há sítios onde as paredes escuras do tempo se instalam firmes, e um mote singelo sobre uma coisa boa é uma pérola preciosa, capaz de me enfeitar o espírito, afagar o corpo, dar-me a mão.)

2 comentários:

  1. No decorrer do nosso caminho não só aprendemos a perdoar mais depressa, como aprendemos que há coisas que não temos que perdoar. Temos somente que as compreender.
    Bonito texto CF

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    Respostas
    1. Isso, Maria João. Compreender, ou no mínimo, aceitar...

      Obrigada :)

      Um beijinho.

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