sexta-feira, 30 de agosto de 2013

divórcio

Diz ela que o divórcio acontece no quarto. Esqueçamos as avessas amanhadas em anos a fio, crescentes nos dias de frio intenso e de chuva miudinha, molha tolos e molha parvos. Esqueçamos as desavenças nos filhos, nas vestes e nos sustentos, estes últimos sempre demais ou sempre de menos, dependia de quem dizia e de quem fazia. Esqueçamos a farteza da rezinguice crónica dividida em partes exactamente iguais, em dois corpos completamente distintos no resto, haja entendimentos em alguma coisa que seja. Esqueçamos os dias sem falar e as noites sem tocar com o coração, as datas perdidas e os sonhos desfeitos, as tenções inacabadas por uma desavença qualquer. Esqueçamos as mãos que não se deram com o peito, os beijos que não se uniram com vontade, as palavras que não se disseram e as que se atiraram em flecha apontadas aos olhos e em reacção. Esqueçamos as zangas duradouras e as omissões persistentes de um bom dia que é para dizer todos os dias e com o mesmo gesto, é a força do hábito que nos edifica enquanto gente, única e relacional. Nada disto é divórcio se o quarto for sempre o mesmo, insiste. Nada disto é separação se os corpos se encontrarem todos as noites à mesma hora, de longe, visíveis aos olhos e ao odor, eventualmente à audição, que com os anos os ruídos do corpo assanham ao limite da evidência. Divórcio é afastamento do corpo para fora do alcance dos sentidos práticos da vida. É deixar de ouvir e deixar de ver, deixar de escutar e deixar de cheirar. Tudo o resto que morre nos dias tem um qualquer nome que eu desconheço. Mas que pelos vistos, divórcio não é.   

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