segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

vísceras

(Sílvia Marieta, a pintar) 


O cérebro e o coração serão os órgãos que mais nos fazem pessoas. Não existiríamos sem tudo o resto, deverá ressalvar-se, que precisamos de cada recanto que nos compõe o corpo, desde as veias que levam sangue, aos pulmões que respiraram ar, passando pelo estômago que nos trabalha o quimo e pelo intestino que nos limpa dos excessos, e isto só para mencionar exemplos.  Perdoem-me a tendência do ofício, mas o cérebro, e de entre os dois, sempre me concentrou melhores atenções. Não simpatizo com as atribuições líricas dos sentimentos ao coração, consigo muito melhor concebê-los nas ligações que se intensificam cá dentro, em cada caminho e em actos engolidos pelo tempo que corre por entre a vida que nos foi dada algures, num qualquer sítio onde se distribuem tábuas rasas que podemos usufruir em proveito próprio, para construirmos em aperfeiçoamento num corpo. Os corpos, e no seguimento, não serão mais do que águas furtadas de ensaios trespassados, que acarretamos em sítios onde os ratos comem sem se ver. O que fica, o que prossegue, serão as epítomes limadas e aprimoradas que permitem clarezas maiores, ou não fôramos nós seres evolutivos. Passa-se tudo do corpo para dentro, muito embora coisas se vejam do corpo para fora. Não obstante vivemos submersos numa perfeição imperfeita, e encarando os modelos de socialização, onde a extrapolação efectiva da nossa súmula é um território impossível que ensaiamos quando a atribuição nos parece justificativa, num exercício difícil e arriscado, não tanto quanto ambicioso. Largar pela boca ambos, e entregando-me até, perdidamente, às atribuições apaixonadas do coração, é das mais exigentes incumbências às quais podemos sujeitar o corpo. Pelo impedimento confundido de desejo.

(Qualquer dia meto as mãos à boca, chafurdo-me com os meus dedos, garganta abaixo, garganta acima, e vomito cá para fora as vísceras ensanguentadas, para logo depois pingar gotas traslúcidas em anseio de libertação. Não sei bem se as agarre em mãos ou se as entregue, de bandeja e sem adornos, a inflamarem o corpo que as receba. De mim. Sou capaz de jurar que nada morria.) 

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