quarta-feira, 13 de março de 2013

crenças

Era pequena e a abóbada da igreja enfezava-me ainda mais. O padre tinha umas vestes compostas e uma barba farta, capaz de impor respeito ao maior homem que lhe afrontasse a sapiência, não havia quem, lá nas iminências de roda. Eu sentava-me a seu mando no banco do confessionário e deixava vir ao de cima pecados cometidos a logro do corpo que se queria vitorioso; batotas, mentiras, coisas de gente criança. Depois rezava a penitência ajoelhada num banco de madeira escura, na capela gelada, três Avé Marias, um Pai Nosso, outra oração a um Santo escolhido por mim. A catequese seguia-se e queria ensinar-me a crer no que eu não via.  O Senhor no Reino dos Céus, Satanás nos Infernos, Agostinho, António, Santíssima Trindade, Senhora de Fátima, da Nazaré, Santiago, Rita de Cássia, Teresinha do Menino Jesus, cada um deles com uma incumbência divina, na qual eu deveria ter fé. Tinha alguma, semi morta, a fervilhar no seio de um cepticismo de São Tomé, apanhara-me em caminho, eventualmente no carreiro de pedra inclinado onde eu cheirava oliveiras e carneiros de pasto. A minha avó nunca aceitou bem o porquê da confiança divina não me ter nascido naturalmente no meu saber pequenino, sequer o porquê de eu questionar a convicção cega em verdades escritas há longas centenas de anos na Bíblia sagrada que repousava na mesinha de cabeceira, azul e doirada, sem rigor de verificação. Não acreditas nos contos de fadas?, perguntava a importunar-me, enquanto costurava bordadinhos primorosos que enfeitavam camas de noivas recém casadas, o mais puro do linhos na pureza do leito, esta última prestes a morrer. Acreditava mais ou menos, apreciava a confiança nas justificações do que eu não concebia, tragava a religião e a mitologia que me caia em mãos e delineava uma fabulação interna que me aclarava, ligeiramente, de onde vínhamos, para onde vamos, o porquê da história nos atribuir um princípio evolutivo totalmente distinto da génese dos corpos via Adão, Eva e pecado, maçã e cobra, animal sedutor que levou a Mulher, fraca, a morder o que não devia. E logo ela, a Mulher. As causas resistem-me hoje, ponderadas. Quis o que se vê ou a subtileza, que eu enveredasse por ciências subjectivas, lugares onde vejo e meço o que se constrói sustentado ao invisível, quais matemáticas, quais biologias, qual exactidão esmerada ou rigor de cumprimento. A crença e de uma forma abrangente, surge-me hoje reflectida em mim e em mim mesma, individualizada, consciente, única em milhões de seres mundanos, limitadíssimos à visão efectiva ou ideada, cada um por si. Todas mentiras, todas verdades. Uma destas últimas, porém, dou-a como realidade absoluta, sinto-me no direito. É possível haver o que não se vê em corpo, e que venha armado de saber quem me queira convencer do contrário. A propor-se fazê-lo, que se ornamente devidamente de substancialidades suficientemente capacitadas, livros, tábuas inscritas, caracteres mensuráveis, palpáveis, e tudo o que me faça crer, por A mais B, tecido e corroborado, a verdade da inexistência de tamanho axioma. 

2 comentários:

  1. Como é que dizia o outro? "Existem mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia" :) :)

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    1. Isso Antígona :)

      (Fico feliz em ver-te activa outra vez...)

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