O meu pai tinha uns destes que completavam o cenário das Lois (ainda existem?), era eu miúda. Não havia nada mais feio do que aquilo, o verde tropa não tinha gracinha alguma e a fragilidade exposta aos ventos que quase lhos levavam da cara na nortada da Nazaré, era qualquer coisa de assustador. Hoje são exactamente iguais e lindos de morrer. Tendo em conta que os meus olhos são os mesmos, que não mudei para o Sporting e que continuo a abominar fragilidades, só posso concluir que as pessoas quando crescem gostam de coisas que não fazem sentido, como óculos de aviador. Ou como dormir a sesta, se quiserem outro exemplo.
O que me faz reflectir... Todos os textos que aqui publico são de minha autoria, e as personagens são fictícias. Excluem-se aqueles em que directamente falo de mim, ou das minhas opiniões, ou onde utilizo especificação directa para o efeito.
domingo, 30 de junho de 2013
sexta-feira, 28 de junho de 2013
quinta-feira, 27 de junho de 2013
estados confusionais
Descubro ali um estado confusional, ponto, e deambulo nele em pensamentos. Os estados confusionais podem constituir ambivalências bipolares de sentires dirigidos a um mesmo alvo, vá perceber-se. Por vezes não se considera grandemente a coerência da calma. Por vezes não se percebe a fraqueza de picos eufóricos, como se só de sentires pujantes vivesse o mundo real. Ora ora, que tremendo disparate. O mundo só flui tranquilo na serenidade do amor, na placidez das palavras, no vagar dos gestos. O resto? O resto são sempre excessos, partes de uma realidade circunstancial, precisa para que o mundo gire e não morra de melancolia. Nem ele, nem nós. Porém, nunca poderão ser um padrão de acção. Um padrão de acção deverá sempre ser um meio termo, uma matematização da questão, o único local onde pode morar a razoabilidade de sermos. É cientifico, não há discussão.
quarta-feira, 26 de junho de 2013
quase perfeito
(O eléctrico subia ruela acima por entre uns putos que corriam nas férias grandes com dias grandes e com vidas grandes. Os sonhos condiziam aninhados em corpos pequenos de riso trigueiro. Eles, maiores, iam lá dentro na cidade inquieta capaz de guardar. Há lugares onde cabe quase tudo, tal como há corpos onde se sente imensamente. Assim morra o medo.)
terça-feira, 25 de junho de 2013
zumba
O ócio extremo será do calor. O tempo tem um condão especialíssimo de nos justificar denguices do corpo entre outros chiliques, ele haja qualquer coisa que nos ateste incapacidades de diversas ordens, incluindo os faniquitos próprios de qualquer pessoa que se preze. Lá na pastelaria havia gente equipada em traje de dança, que mal me olha com uns olhos enérgicos resgatados de um lugar que desconheço, lança a perigosa pergunta: - bora zumbar? - Oi?, pergunto eu. Zumba na caneca?, arrisco dizer, sendo a realidade por mim conhecida mais próxima de tal nome:
- Zumbar, e vá de abanicar o corpo carregadinho de ritmo vindo sabe Deus de onde, às sete, trinta graus, fim de dia e terça feira. De onde, de onde??? Depois e já ligeiramente dentro do espírito em questão, ainda me ocorreu uma velhinha dos Snap que ouvi até à exaustão, vá lá hoje em dia eu perceber porquê:
Podem tentar explicar-me, ofereço até um agradecimento público a quem o consiga fazer de forma satisfatória. Não, ainda não era isso. Era um outro tipo de Zumba, foi-me explicado, uma nova variante de fitness, qualquer coisa idêntica ao que podem espreitar na foto abaixo. Não percebo, juro que não percebo tal proposta realizada a um ser tacanho como eu: nunca a minha espondilose me deixaria executar tal dança com um mínimo de graça.
(Mas feito assim tem-na toda, ora digam lá que não???)
segunda-feira, 24 de junho de 2013
domingo, 23 de junho de 2013
s. joão
Um dia, teria uns 12, e fui na madrugada que se segue para ver o sol nascer no mar. A madrugada que se segue era de festa e de balões, de sardinha e de música popular, que se estendia noite afora com danças de pares. Foi o meu tio que me levou e estancamos a meio da serra de Santo António, local onde o sol nascia por entre nuvens brancas, lindo de morrer. Logo de seguida adormeci. Ainda agora vi nascer a lua e lembrei-me que sinto saudades de Vila Moreira. E das bolinhas de serradura presas por um elástico que eu sacudia até à exaustão do dito. E ainda da quermesse, local onde cinquenta escudos permitiam sonhar com quinquilharia exposta em escadinha, sem qualquer tipo de serventia a não ser a diversão propriamente dita, sem motivo e por opção. Passei por lá há pouco tempo, a bem da verdade. Mas é certo, sentido e sabido, que morro de saudades de Vila Moreira.
sábado, 22 de junho de 2013
chega-te a mim e deixa-te estar
( Greta Garbo e Robert Taylor)
O azul é de um celeste indecifrável na cordilheira dos imaginários que lhe nascem escondidos pelo corpo afora e sem critério, na tenacidade das vontades desenhadas em traços apertados que lhe seguram a pele e a encostam numa parede pintada de branco, fria ao toque de mestre de mãos. Repara no espelho límpido que traduz o quarto inteiro num instante sensível e arrepiado pela circunstância dos abraços, dos tantos abraços, que insistem e insistem no afinco impetuoso do desejo, per se. Nos ouvidos o murmúrio distante do sol e uma melodia de voz quente e rouca que embaraça quem não a souber ouvir. Para tudo é preciso saberes e vontades. Para tudo é preciso falar para quem escuta, e escutar para quem fala. O sol fá-lo num barulho estranho que se percebe enviesado, no chilreio da passarada, no restolho das folhas, nas gentes que respiram vivas, nos fins de tarde. Gosto de fins de tarde. Fins de tarde são horas clandestinas no lusco-fusco amarelado, é tempo estirado na circunstância caprichosa, é noite sem sê-la, é dia que já se foi. Saem da janela para fora só com os olhos que espreitam o crepúsculo que acontece serôdio no maior dia do ano e devoram a claridade mortiça que se ergue por entre as árvores e as casas, os cães e os pássaros, os carros e as pessoas que não sabem que o mundo parou. Não percebo como não percebem, não percebo como no mínimo não abrandam os passos para a câmara lenta de um filme a preto e branco rodado a quatro braços, limpo, perfeito, que corre enquanto a lua, gorda, nasce imponente nos céus, a maior em muitos anos. Voltam para dentro, e ficam deitados, só a lua minguará daqui a nada, coisa de poucas noites. Olham-se de perto, de muito perto e ela pergunta com o barulho dos olhos: - falamos?... - Não, escuta em voz do silêncio, chega-te a mim e deixa-te estar.
sexta-feira, 21 de junho de 2013
...
(daqui)
O verão está longe de dar de si, caramba, virá lá para não sei quando? Os lenços, olhem, chegavam-me usualmente para que os ombros permanecessem alinhados e sem timidez de maior. Não deveria haver verão suficientemente afoito para me negar prazer igual, é pelo descuido da seda, é sempre pelo descuido da seda, que usualmente me embrulha nas tardes amenas e que me sabe a chocolate aveludado. Se bem me lembro, só se bem me lembro. Aqueles ali, outras composturas airosas que só visto, expõem Inverno e elegância rematada com o mais perfeito dos acessórios. Pareceram-me bem só para relembrar quem não sabe que o Inverno tem coisas boas. E que o próximo é feminino e com cintura de vespa.
quinta-feira, 20 de junho de 2013
rua
Passo na rua do suplício que eu nunca tinha visto e que está lá há muito escrita numa tabuleta em pedra onde a inscrição se encontra desenhada em letras limpas, vá saber-se porque nunca a encarei de frente, saber-se ainda o porquê de ter sido hoje, que nem abrandei o passo rápido que me acompanha demasiado, todos os dias. Lembrei-me da romaria que descia a ladeira do suplicio e da procissão do archote, que alumiava simbolicamente as gentes da terra que a percorriam na noite até ao cemitério, lugar do qual assobiavam foguetes luminosos a céu aberto, aceso e ruidoso. Os mortos devem ter medo, pensava eu enrolada às carranchinhas do meu pai. É a romaria explicava-me ele, enquanto o fresco da noite reunia gentes encabeçadas pelo pároco que fazia questão de levar uma tocha em mãos até ao final do arraial. Aquilo não era um sítio qualquer e eu, do alto de uns anos baixinhos e assustados de medo, sentia-o bem. Sentia-o nas preces murmuradas da minha avó Rosalinda, no choro abafado da minha tia Hermínia, nas orações ocultas do meu avô que não rezava, e nos olhos clandestinos que sorviam a luz e a noite, à espera do milagre. Os meus miravam tudo e percebiam que o mundo é um sítio de adultos no qual as crianças têm de crescer a comer pão de forno com manteiga e a beber leite fervido, sempre passado a passador de rede, e se puder ser com chocolate. Queria tanto ser crescida e poder saber o que era aquilo que morava ali, que havia quem lhe chamasse fé. Mas nem é esta história que aqui me traz, hoje não estou para nostalgias. Nem propriamente a crença, espelhada nos suplícios dos transeuntes que ainda hoje dobravam a esquina da rua com o mesmo nome. O que me traz, ainda que possa não parecer, é a nossa capacidade selectiva que quase morre despercebida, tanto quanto os segundos que não contamos e os odores que não cheiramos. Nada mais do que a perfeita natureza, o que seria de nós se tudo soubéssemos? Soube hoje que a rua se chama suplício, nunca mais me vou esquecer. Mas a rua continua a mesma e certamente irei cruzá-la vezes sem conta, apressada, em bicos de pés, sem a ver. Ela, não sei se me conhece (ainda que me tenha dado a sua graça).
( Em criança pensava que o mundo era dos adultos, hoje sei que o mundo é das crianças. Concluo então que crescer dá conhecimento e que se soubermos muito, perdemos coisas.)
quarta-feira, 19 de junho de 2013
(in)competências
Escrevo em palavras suficientes o que entendo ser e delineio a execução do plano rigorosamente, para que do lado de quem me procura haja uma segurança sustentada que se pode guardar e reler em cada instante quebradiço. Afinal sou assim porque é assim. A segurança sustentada dá-nos um colo, por fictício que seja, que nos segura nas tramas escondidas em cada recanto dos tempos. Ora, não há evidência sérias, a não ser no campo do imaginário, todos deveríamos saber disto. Explico tudo ao pormenor do essencial pequenino, a vida é feita de nadas maiores do que tudo, e ensino a guardar o que tem de ser guardado, do lado de dentro, do lado de fora. Sem falsas modéstias, sou quase boa no que faço, muito embora saiba de fonte segura, a vida, a única verdadeira ensinadora, que posso melhorar ao limite do infinito e ainda assim continuar sem saber coisa alguma. Exceptuando, essencialmente, comigo. Comigo não há leitura que funcione, nem sequer a da clarividência que expulso dos olhos e dos dedos, escrita em papel claro e limpinho, cravejado de sentido. Reviro tudo e mantenho a ignorância, o que me traduz a minha declarada incompetência perante o que realmente importa.
( E perguntaram-me ainda há pouco como faço para dar o que não tenho. Fácil, muito fácil: não dou. O que realizo dualmente é sempre uma construção que não me pertence, que posso conseguir edificar do corpo para fora, sem conseguir engoli-la do corpo para dentro.)
segunda-feira, 17 de junho de 2013
o nosso papel
O dia de hoje vai inevitavelmente acentuar um sentir de revolta entre escola, família, alunos e professores. A educação, sendo um direito e um dever, faz parte integrante de uma evolução progressiva individual e social que a páginas tantas anda num ver se te avias e o resto logo se vê, seguem-se as férias grandes, tudo se há-de compor. Resta-nos porém a inexistência de linearidade, podendo as consequências destas questões estenderem-se em atitudes e acções futuras, em diversas frentes. Em lugar de uma suficiente coesão, assiste-se hoje a uma divisão de classes que considero dramática a curto, médio, eventualmente a longo prazo. O sistema deveria permitir uma convergência de interesses mínimos francamente garantidos, de negociações coerentes, pensadas e repensadas, e não um conjunto de medidas e de consequentes protestos que mais não fazem do que colocar populações em lados opostos da barricada. Faz-se tudo o que não se deve fazer, e no dia de hoje temos professores de um lado e alunos e famílias do outro, num tempo que pode estender-se além férias e manifestar-se em acções diversas no âmbito escolar futuro. Não me centro na análise das razões, mais do que debatido, centro-me nos efeitos colaterais que parecem ficar esquecidos a quem cegamente luta seja em que frente for, mas que não deixam por isso de ser importantes, demasiado importantes. Já não encaro de forma alguma a utopia ambicionada por João dos Santos, que enaltecia a importância do ambiente natural e harmonioso onde a educação deveria acontecer. Parece-me impossível com o sistema vigente. Mas ainda assim considero que enquanto membros da sociedade, todos deveríamos ter um papel activo e consciente dos efeitos adversos que podem decorrer de uma situação de quase guerra. Se tal não acontecer, se a isso não nos propusermos, é deixar instalar o caos ainda mais um bocadinho e lidar com a incerteza do que pode vir depois. Se em vez disso todos nos colocarmos no nosso devido lugar e deitarmos mãos à consciência, julgo que facilmente percebemos que deveremos assumir um papel participante, que na realidade é o que todos temos, a bem da tranquilidade suficiente: de um lado o professor que tem de ser professor e não pode nunca deixar de sê-lo, o melhor que conseguir, centrado no aluno; do outro o aluno, respeitando o professor e encarando a sua possível situação de fragilidade profissional; do outro ainda os pais, e estes eventualmente com um papel maior, fazendo um contrabalanço sensato e acalmando ânimos exaltados por ansiedades, em épocas de exames. Ainda que a revolta exista, faz parte de sermos pais sabermos controlá-la. Virar alunos contra escolas e professores não é um caminho, nunca pode ser um caminho, e é importantíssimo que todos tenhamos consciência disso. Não havendo outra forma de travar esta escalada, e dada a incapacidade do sistema para fazê-lo, somos sem sombra de dúvida a entidade com maior preponderância no apaziguamento da situação. Para o bem de todos nós, incluindo escola, incluindo alunos, incluindo professores.
(E já agora uma palmadinha muito especial nas costas da comunicação social. Continuam uns excelentes comparsas da confusão.)
(E já agora uma palmadinha muito especial nas costas da comunicação social. Continuam uns excelentes comparsas da confusão.)
domingo, 16 de junho de 2013
sexta-feira, 14 de junho de 2013
verde turquesa
Estou muito apaixonada, e agora?, pergunta-me em voz de suplício de tântalo, ai menina, paixão não é isso, apetece-me tanto dizer-te. Paixão quando muito são dorzitas pequeninas encostadas nas costelas e umas lágrimas que voam só de vez em quando, levadas por um vento teimoso que gosta do sal delas, às vezes. Ele não telefona, ele não vem, ele só responde por escrito e se estiver para aí voltado, vamos lá nós saber para onde se volta nos restos dos tempos, que são muitos. Volta-se, olhe. Nos restos dos tempos volta-se às outras miúdas de mini saia, sabe bem disso, houve uma vez em que lhe deu um estalito, ela estava ali ao lado direito, mas por que raio olhava ele para o lado esquerdo? Os olhos das pessoas e dos homens têm destas loucuras, dizem eles que inconsequentes. Inconsequentes são os meus choros, mas não os que engulo em forma de pastel de nata com canela, esses, esses é que deveriam sê-lo, insistia. Agora arranjo unhas. O malandro há-de ver que eu ergo a cabeça à vida, mesmo que ele só calque umas teclas aborrecidas nas horas mortas dos afazeres das companhias. Há semanas que não me vem dar um beijo. Há semanas que não há uma palavra de voz, quanto mais. Há outras tantas que o espero pela janelinha da porta pequenina onde só cabe a minha cabeça e por onde nada mais se vê, da casa para fora, da rua para dentro. Desvio uma cortina e espreito hora a hora, lua a lua, era de noite que vinha quase sempre. Por mim, poderia até vir de manhã, desde que viesse. Podia nem me dar um beijo, desde que me tocasse. Podia nem me chegar umas festas pelas pernas acima até às coxas, desde que me olhasse. Caramba, miúda, apetece-me dizer-te outra vez, paixão não é isso. Paixão são sufocos de meia noite ou de meio dia e presenças que fervem na ânsia dos apertos onde quer que sejam sem se ver onde começam ou onde acabam, e se não acabarem cedo melhor. Deixa-te de minguas, anda. Dar mãos e bocas e corpos e ainda corações em doses comedidas porque o lado de lá não quer tanto, é excessivo, só pode ser excessivo. Vou ali ver as cores dos vernizes, posso?, perguntei por fim: sempre gostei de pés enfeitados a verde turquesa.
quinta-feira, 13 de junho de 2013
olhos de ver
Hoje li não sei quantas páginas enquanto esperava o que afinal não veio. Deparei-me com um serviço com gente que passeia e gente que trabalha, de batinhas brancas e estetoscópios ao pescoço a enfeitar corpos com Dr. no inicio do nome. Havia um problema, deveria ser sério, tinha de ser sério, reuniu numa sala uns quatro enquanto cá fora ares cansados folheavam revistas cor de rosa, há que pintar o mundo de cores bonitas e penteados a condizer. Fui coçando o nariz para espalhar o sono que subia teimoso pelos olhos acima, não fosse perder o chamamento e teria bebido o segundo café do dia, ainda mal amanhecera. Parei as leituras e olhei para as pessoas como que a imaginar o que lhes corria dentro, ou não fora o livro o mote ideal. Centrei-me no casal grávido sentado à minha frente, ela mais grávida do que ele, que se visse, só que se visse. Ele abanava um telefone que tocava de vez em quando. Ela fixava os olhos no vazio que não existia na sala, quem sabe vinha-lhe de dentro, coisa estranha, sempre pensei que não havia grávidas vazias, espero que não haja e que tenha sido falsa impressão. A que chegou sozinha de pai trazia uma filha na mão. Sentou-se a meu lado e olhou-me de soslaio, imagino o que possa ter pensado. A filha teimava em rodopiar uma saia rodada de ganga, muito curta, tem futuro, deu para perceber, pela forma como sacudia e mexia nos cabelos, entre outras coisas. A certa altura perguntei se a demora se estenderia a uma bata azul que passou. A bata azul encolheu os ombros sem olhar para mim e prosseguiu viagem até a um sitio qualquer. A indiferença do mundo dá cabo das pessoas e faz com que elas percam o nome, o Dr., a identidade real e passem a ser batas de cores distintas. Bata azul, bata branca, pessoa que espera, pessoa que atende, pessoa que foge, só indiferente. Olhar uns para os outros com olhos de ver exige envolvimento. Envolvimento exige tempo interno e tempo interno é diferente de tempo externo. Um pode ser fácil, o outro pode ser difícil. Talvez seja desse que as pessoas têm falta quando dizem que correm correm e o tempo não chega. O tempo chega, tem de chegar, chega para comer, chega para dormir, chega para trabalhar, chega para descansar. Só não chega para que olhemos uns para os outros com envolvimento e olhos de ver.
quarta-feira, 12 de junho de 2013
...
(Misturo o que eu quero e portanto posso perfeitamente escutar Rodrigo Leão enquanto as marchas descem a avenida. É só a ver se sossego, porque o pé, sem chinela, desfila por entre as ruas de calçada com cheiro a sardinha e a rio, a festa e a calor.)
segunda-feira, 10 de junho de 2013
três
Houve um tempo, quando eu comia pútegas nascidas no chão húmido da serra, em que as fotografias eram tiradas sem prova provada e reveladas em séries de doze, vinte e quatro ou trinta e seis, de onde saiam pérolas sem tamanho. As três da vida airada, eu ela e ela, cocó, ranheta e facada, uma coisa que só visto. Vários tamanhos, um mesmo apelido, uma loira e duas morenas, camisolas tricotadas a dedo com agulha comprida e atacadores a condizer. Hoje há locais perigosos que reúnem evidências medonhas, valha-nos Deus. Há primas poderosas que nem sei se sabem quanto. Várias. E vénias, claro. Um dia pelos Algarves, um carro de polícia abeira-se, éramos todas, no carro caberiam duas. Dançávamos ao som de uma rádio sui generis, quase tanto como as nossas indumentárias, muito menos do que os trajectos femininos vindos de dentro da alma. Seguiram, acharam por bem que ficássemos em merecido sossego, pessoas de bem. De tudo e de nada há documentos detalhados, atentem nisto. Zangassem-se as comadres e a clausura envergonhada seria o único fim, plausível a todas. É demasiado, senhoras, é realmente demasiado. Livrem-se, livrem-se. Livremo-nos, pois.
sábado, 8 de junho de 2013
sweet child o' mine
Nem lembro o que tocava, mas o que tocava chegava para que eu me balançasse ao ritmo de um som fosse ele qual fosse. Tenho saudades do tempo em que mexia o corpo sem pensar no mundo que à volta girava quer eu dançasse quer eu parasse, quer eu abanasse os braços e a cabeça e os cabelos, ou o copo que entornava para cima dos pés que dançavam perto. Cansam-me por vezes os discursos que apregoam liberdades que o tempo me comeu e gostou. Como se possível fosse eu impelir no corpo a gana dos quinze que me elevava a um pico demasiado alto para poder ver a vida tal e qual ela é. Queria lá eu saber o que era a vida real. A minha era outra vida real que se erguia numa escola grafitada com uma cara que chorava à frente da qual eu ria até que o ânimo cansado vergasse ao toque do fim do dia, amanhã estou cá outra vez. A minha vida real ouvia Nirvana num rádio de colunas gigantescas que gritavam um Lithium mais alto do que o fado da Mouraria na Mouraria, e um Sweet Child o Mine cantado por um Axl Rose que abanava os cabelos enquanto cantava e arrancava corações de miúdas que morriam por gajos rokeiros com ar de mauzões, profundamente idolatrados e imitados pelos franganitos da escola que achavam que estavam lá quando iam a um terço de caminho incompleto, mas que fumavam e bebiam como ele, we're the best, we really are the best..., e abanavam o cabelo. A minha vida real saia nas noites de sexta e de sábado e escondia-se para que na barriga nascessem bichinhos que voavam colados uns aos outros enquanto uma espécie de paixão à qual eu chamava amor brotava do peito ignorante mas cheio de saber como nenhum outro saber do mundo. A minha vida real sabia tudo o que havia para saber, conhecia os perigos da rua e as amizades de sangue, respirava as noites frias e quentes, queria lá ela saber do gelo ou do calor, da chuva ou do vento, da trovoada ou das intempéries que escorriam estrada afora noite adentro, nas calçadinhas do bar. Não meço felicidades, que agora já sei que os estados puros são a miragem do deserto que nunca chegamos a ver nem com a sede a turvar as ideias, meço apenas e só a descontracção de saber sem conhecer coisa alguma, de ser sem ver até onde, de fazer sem medir consequências, de deixar sair o corpo para fora e engoli-lo de novo para dentro, ao som da festa e dos amigos que dançavam connosco ali ao lado, por vezes sem que lhe soubéssemos o nome. Para quê? Saber o nome das coisas é mania de adulto que pauta a existência pela catalogação do que encontra por categorias específicas, se cabe ou não cabe, se encaixa ou extrapola, se sente ou se devia, aqui ou ali. O adulto já não sabe o tempo que não corre, a vida que não passa, a felicidade que não acaba e os caminhos de portas abertas sem fim que não fecham nem nos ventos mais ventosos do dia e da noite. A ignorância fundamentada da adolescência, não me venham com coisas, é um lugar bom para se morar. Deixa de ser quando perde a graça e o sentido e quando o saber começa a substanciar os passos e as direcções, quando começamos mesmo a conhecer qualquer coisa da vida, muito mais real do que a anterior (?). A partir desse dia não há volta a dar, que o conhecimento é irreversível. E a liberdade real, morreu.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
(...)
Preciso com urgência de me entregar a ti, aqui me queres aqui me tens, assim como se o meu corpo deixasse de pertencer à minha vontade para passar a pertencer exclusivamente à tua, podes pegar-me e revirar-me, contorcer-me e moldar-me ao que possa apetecer-te, esqueceres-te de que o intento que me cerca existe, matamo-lo umas horas esquecidas, muitas, as suficientes para que eu me farte e tu te canses. Depois deito-me ao teu lado. Cheiro-te a barba rija e rio-me sem que tu vejas que eu rio, entrelaço os dedos definhados e procuro-te por baixo dela no instante em que te encontro em palavras ditas ao meu ouvido pela tua boca que solta o espírito preso ao tempo, que voa por nós. Encosto-me mais e melhor como se a minha pele pudesse tocar a tua toda ao mesmíssimo tempo, sem espaços ou segundos que permitam o ar que circula e nos mantém vivos aos dois, nós, eu e tu, e esfrego-me com o nariz que te repuxa numa insistência teimosa, sabes como é, estás farto de saber como é. Esvoaça ao lado uma cortina que nos relembra que o mundo é mais qualquer coisa para além dos sentidos plasmados no espelho da parede que reflecte uma mescla definida por uma tinta chinesa tracejada numa exímia precisão. Agora já te mordo as orelhas, já quero, já mando, já me obedeces enquanto me dizes o que eu queria tanto que dissesses, sem que eu te peça. Lá fora corre uma noite fresca a saber a verão de Setembro e a cheirar a uma maresia forte que me abraça no instante em que me largas a espreitá-la. Ela, a noite, pensa que te rouba de mim. Acena-te do alto da imponência da lua, das estrelas, dos seres perdidos e fantasmagóricos, dos anjos e de todos os santos que oram em conjunto umas rezas quaisquer. Parva que é, perderia lá eu uma perca assim. Olho-a nos olhos e enxoto-a como quem sacode um empecilho que não quer no caminho escuro do breu clandestino. Tu olhas nos meus e perguntas-me porque me excedo. Eu brinco contigo e não te respondo, persisto na luta renhida que a noite me trava em combate desigual, de um lado eu, do outro ela e os guardas soturnos que embalam os sonos e os sonhos do mundo todo em descuidos sem fim. Acordo sem dar por isso, manhã cedo, a noite passou e tu estás comigo. Viro-me e adormeço, tão sossegada.
quinta-feira, 6 de junho de 2013
pão
Ainda há bem pouco tempo ouvi de uma boca sabedora que as padarias tendem a desaparecer. Fecham uma a uma devagar e levam para bem longe os cheiros a farinha a pão e a bolos, como se transportassem um bem menos precioso. Ora as padarias são mais ou menos como a sopa, não deveriam desaparecer nunca, sob pena de deixarem os Portugueses afogados em pães de forma sensaborões ou em pãezinhos de mistura sem sal. Nada tenho contra o flagelo da hipertensão, mas um padeiro que se preze sabe que o sal está para o pão como está para o queijo da serra, ocorreu-me este exemplo, simples simultaneidade de pensamentos, que jamais pensaria com intento em tal queijo esbarrondado numa côdea de pão alentejano. Bem sei que andamos com pressa. Bem sei que os fornos da Jerónimo Martins cozem duzentas carcaças pré congeladas e armadas a fermento enquanto o diabo esfrega um olho, que é mais ou menos o mesmo do que dizer enquanto a porta da fornada se abre e se fecha. Sei também que os bolos de ferradura embalados à pressão são quase iguais aos que a minha avó amassava horas esquecidas debaixo de um sobreiro sem sol, mas a verdade é que os quase são o que distancia o óptimo do satisfatório, coisa que convenhamos, é um afastamento enorme. Ainda ontem atingi a dimensão ao abeirar-me do assunto, devidamente desperta. Os croissants amontoavam-se desmaiados e embalados à molhada, sem respeito ou tradição; não havia papel pardo, qual quê, outra condição sine qua non para que o sabor se enalteça ao máximo do rigor; o pão em baguete suava em bica dentro de uns sacos esburacados com um nó que os prendia à embalagem e ao calor com um aferro maior, chegaram-me a casa mortinhos e acabados; o pão dito caseiro, estava arrumado em embalagens de letras garrafais, fatiado e já sem vida. Acabemos com isto, ocorre-me dizer. Boicotemos o pão em massa, construa-se uma confraria. Há greves, senhores, realmente importantes para o bem de todos nós.
terça-feira, 4 de junho de 2013
graciosidades
Vejo por ora entrevistas diversas onde constato que algumas jornalistas de há muito experimentam a reciclagem. Perdem a classe habitual, e optam por nos brindar com umas observações leves e uns sorrisos estridentes a despropósito. Desconheço se recebem orientações superiores para fazê-lo ou se tentam com afinco modernizarem-se. Mas seja como for perdem, claro, como sempre perdem as pessoas que ousam deixar à margem a serenidade que o tempo lhes ensinou e arriscam tentar rejuvenescer até ao lugar cobiçado da airosidade jovial, um regresso quase impossível de se fazer com a graça ambicionada. Graciosa é a assumpção do lugar ocupado sem evasivas, ora essa. A tarimba do tempo e do saber é muito mais charmosa do que almejar a frescura da juventude, fora dela.
segunda-feira, 3 de junho de 2013
rosas
Descubro sempre coisas nos dias que me atravessam sem intervalos de um descanso qualquer. Revogo teorias absolutas que vigoraram na premência do tempo único que pode existir, o presente, nunca mais que o presente, felizmente nada menos do que este. Descubro no agora que o silêncio não é fácil para sempre, é fácil quando o que guardamos se consegue arrumar ou quando o que queremos é pequeno o suficiente para nos conseguirmos calar. Passa a ser difícil quando os tamanhos se invertem e no corpo explodem vontades que bramam, não há shiuuu que as resolva, de dedo em riste, pertinho do nariz e da boca que se quer abrir para falar, biri biri, faz coceguinhas. Houve um tempo em que o orgulho era inteiro ao ponto de admitir a certeza do incerto evolutivo, nada mais do que ignorância declarada, meu Deus. Passou-me entre outras, que a escolinha encarrega-se dos bofetões suficientes para que a cara, cansada, se cale ao que não é preciso. E para que a boca, sábia, se abra ao que se deve dizer. Vergonhas já quase me morreram, e as que ficaram têm o propósito devido. As outras, falsas guardiãs das fraquezas e dos medos, é que foi vê-las fugir. Ala, que já se fazia tarde.
( O discurso relido soou-me a Margarida Rebelo Pinto. Fiquei ligeiramente aturdida mas acabei por deixar estar. Frases certinhas por vezes traduzem o desassossego interno e arrumam-no em palavras da boca para fora que parecem rosinhas cor de rosa num jardim. Cheira-se e sabe tão bem.)
( O discurso relido soou-me a Margarida Rebelo Pinto. Fiquei ligeiramente aturdida mas acabei por deixar estar. Frases certinhas por vezes traduzem o desassossego interno e arrumam-no em palavras da boca para fora que parecem rosinhas cor de rosa num jardim. Cheira-se e sabe tão bem.)
sábado, 1 de junho de 2013
just, be
Não sei quando deixei de ser criança, sequer se deixei de sê-la. Um dia fui em tamanho menor, hoje moro escondidinha dentro de um corpo que cresce sem que a areia o balde e a pá percam de todo o significado das construções que o mar derruba com umas ondas capazes de galgar os muros que se constroem na frente, como se o forte pudesse guardar tudo o que há para ser guardado. Oh, disparate maior. Os olhos ficam a mirar pequeninos e encolhidos em tamanho real, exactamente como quando aos quatro a poça se enchia demais e eu, mergulhada no papo-seco com tulicreme de cacau deitava uma pequena lágrima, tão pequena, tão pequena, disfarçada pelo sal, pelo sol e pelos cabelos em desalinho sossegado, possível só na infância. Depois quase me deixei da dose exacta de ser na mescla da liberdade, sou de mim, mas antes disso era de alguém. A pá mergulha agora em sulcos muitíssimo mais profundos, caíssem-me as guardas e o meu mundo morreria. Sou de mim, era de alguém, hoje dou-me tão pequena, tal qual como sempre, não sei ser maior. Há criança nova a nascer cá de dentro e cá de fora, até porque a implosão permite-nos o sermos para sempre o que quisermos ser no instante, e eu tenho dias em que sou exactamente a que já cresceu, antes de crescer. O chapéu de elástico não se vê mas eu sinto-o, e o tulicreme de cacau passa-me sem esforço na boca até à língua que lambe os beiços lambuzados até ao nariz. A mão esfrega e tinge o braço que leva tudo até às orelhas e não há adultez que não morra na beira disto. A adultez morre várias vezes aos bocadinhos pequeninos que deixam sentir um colo que me cheira a mãe ou um conto que me sabe a avó ( mama na burra, tem de ser esse, e cresceu, e fez-se pessoa, por entre montes e vales nunca antes atravessados). Se a adultez não morresse nunca eu por esta altura já sabia que um lenço não pode ser uma capa de uma princesa encantada ao redor de um castelo tão alto, mas a verdade é que não sei. Depois sinto o frio da água, claro, ser criança é senti-lo sem que haja cuidado maior. Treme-se o queixo pequenino enquanto a toalha nos embrulha mas nunca tapa tudo, e a nuvem malandra esconde o quentinho que afinal mora nos braços de alguém. Esses braços agora são meus, mas eu consigo despir-me de caprichos e entrar na água que me gela todos os ossinhos do corpo só para mergulhar uma onda e entrar num mundo que não é meu, é do Nemo. Seguro a respiração, dou-lhe a mão enquanto vimos os dois ao de cima e respiramos quase sem folgo. Gosto de ondas grandes, mares mortos não são para mim. Sou capaz de me deitar num brinquedo aquático e de me baloiçar até que a criança me vire e o roube, para fazer a corridinha da onda até à areia. Costumo chegar em segunda, tremenda falta de jeito. Engulo água, sempre, fatal como o destino. O destino é qualquer coisa na qual não acredito porque ainda não cresci o suficiente. Diz quem sabe que nos persegue de perto e nos sopra para dentro do corpo o que bem lhe aprouver. As crianças correm atrás do que querem, caramba, há lá destino que as pare. Mesmo quando o que querem não existe, não possa ser, não se possa comer ou não se possa ter.
ecos
Há temas onde a percepção do sentidos reservado ao excesso do limite da razoabilidade, pode fazer apelo. Falo lá agora de Albarrans que há tempos infinitos repetiam o horror da tragédia e o drama da desgraça, acompanhados por notícias do arco da velha e por vídeos assombrosos de meter medo. Não, até porque me recusaria, anexando ainda o jornal " O Crime", um sitio sanguinário que reunia pessoas cortadas em pedaços miudínhos e que a Dona Hédita folheava todas as quintas bem na minha beira, de olhos bem abertos. Falo disto, por exemplo, um lugar onde o fotógrafo apanha o que já não há e onde o mundo é mais cruel ainda, por ora sem mão humana instrutora do processo inicial. Dar o corpo à cirurgia invasiva deve ser medonho. Dá-lo junto com a cara ao mundo, para que a dimensão possa atingir a consciência da distracção que mora no lugar da prudência, é um acto de coragem, convenhamos. Falta-lhes um bocado, caramba, e que bocado. E não falo, como é óbvio, (só) do bocado que ninguém vê.
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