sábado, 8 de junho de 2013

sweet child o' mine



Nem lembro o que tocava, mas o que tocava chegava para que eu me balançasse ao ritmo de um som fosse ele qual fosse. Tenho saudades do tempo em que mexia o corpo sem pensar no mundo que à volta girava quer eu dançasse quer eu parasse, quer eu abanasse os braços e a cabeça e os cabelos, ou o copo que entornava para cima dos pés que dançavam perto. Cansam-me por vezes os discursos que apregoam liberdades que o tempo me comeu e gostou. Como se possível fosse eu impelir no corpo a gana dos quinze que me elevava a um pico demasiado alto para poder ver a vida tal e qual ela é. Queria lá eu saber o que era a vida real. A minha era outra vida real que se erguia numa escola grafitada com uma cara que chorava à frente da qual eu ria até que o ânimo cansado vergasse ao toque do fim do dia, amanhã estou cá outra vez. A minha vida real ouvia Nirvana num rádio de colunas gigantescas que gritavam um Lithium mais alto do que o fado da Mouraria na Mouraria, e um Sweet Child o Mine cantado por um Axl Rose que abanava os cabelos enquanto cantava e arrancava corações de miúdas que morriam por gajos rokeiros com ar de mauzões, profundamente idolatrados e imitados pelos franganitos da escola que achavam que estavam lá quando iam a um terço de caminho incompleto, mas que fumavam e bebiam como ele, we're the best, we  really are the best..., e abanavam o cabelo. A minha vida real saia nas noites de sexta e de sábado e escondia-se para que na barriga nascessem bichinhos que voavam colados uns aos outros enquanto uma espécie de paixão à qual eu chamava amor brotava do peito ignorante mas cheio de saber como nenhum outro saber do mundo. A minha vida real sabia tudo o que havia para saber, conhecia os perigos da rua e as amizades de sangue, respirava as noites frias e quentes, queria lá ela saber do gelo ou do calor, da chuva ou do vento, da trovoada ou das intempéries que escorriam estrada afora noite adentro, nas calçadinhas do bar. Não meço felicidades, que agora já sei que os estados puros são a miragem do deserto que nunca chegamos a ver nem com a sede a turvar as ideias, meço apenas e só a descontracção de  saber sem conhecer coisa alguma, de ser sem ver até onde, de fazer sem medir consequências, de deixar sair o corpo para fora e engoli-lo de novo para dentro, ao som da festa e dos amigos que dançavam connosco ali ao lado, por vezes sem que lhe soubéssemos o nome. Para quê? Saber o nome das coisas é mania de adulto que pauta a existência pela catalogação do que encontra por categorias específicas, se cabe ou não cabe, se encaixa ou extrapola, se sente ou se devia, aqui ou ali. O adulto já não sabe o tempo que não corre, a vida que não passa, a felicidade que não acaba e os caminhos de portas abertas sem fim que não fecham nem nos ventos mais ventosos do dia e da noite. A ignorância fundamentada da adolescência, não me venham com coisas, é um lugar bom para se morar. Deixa de ser quando perde a graça e o sentido e quando o saber começa a substanciar os passos e as direcções, quando começamos mesmo a conhecer qualquer coisa da vida, muito mais real do que a anterior (?). A partir desse dia não há volta a dar, que o conhecimento é irreversível. E a liberdade real, morreu.  

6 comentários:

  1. Partilho a mesma opinião que tu... Estou a caminho dos 30 e gostaria de ter estagnado nos meus 25... Mas o envelhecimento está também de mão dada com a sabedoria...

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    1. Concluiremos então que mais sabedoria pressupõe menos liberdade?... :)

      ( A caminho dos 30 é bom...)

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  2. Olha, já cá cantam 55 e ainda abano o capacete :)

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