segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Trocas

Veste um casaco verde esmeralda, que lhe combina com uns olhos que lhe invejo ao infinito. Que os apelidem de traidores, como queriam, que para mim, serão sempre os mais lindos do mundo (expressão forte, esta), até porque, aqui como em tanto sítio, a beleza não necessita de fundir-se com a perfeição. Olha-me de soslaio, porque nem sequer lhe ligo às dores que a afligem. O braço que inchou, a perna que torceu, os caroços que eclodiram, que não sabem vazar de uma vez. O médico passa, cabisbaixo, nem sequer a vê. Leva em mente outras aflições, que lhe tocam na porta a cada hora, fosse ele acudir a todas, e já os seus olhos se teriam mirrado de vez, de tanta desgraça verem. Seguiu. Na sala amontoa-se gente que lhe quer os cuidados, enquanto ele, de ar franco e cansado, veste uma bata branca que lhe esconde as vestes russas, que pouco lhe importa o que lhe assenta no lombo. Interessa-lhe apenas que o aqueça, que em terras da Guiné, os seus precisam de si, e o tanto que lhes manda, ainda é pouco. Precisam de tudo. Várias irmãs, um número considerável de sobrinhos, alguns cunhados, poucos, que vários já partiram. Lá ainda se nasce, diz-me. Não há outro entretém...
Chega a vez dela. Os olhos pedem uma atenção infinita, uma cura que nem lhe existe para os males do corpo, que num ápice o Doutor conclui, que o que a atenta, são os males da mente. Esta é para ti, diz-me entredentes. Sorrio. Pudesse ela ao menos pagar-me, com a cor dos seus olhos.

Almas cheias

Entro a convite, que ao senão, ficaria de fora. Quase impossível isso seria, que já ao longe, na esquina da rua, se fazia sentir a música que lhes pulsa do corpo. Essa, sim, a que lhes escorre nas veias, que da outra, percebemos também nós, mas daquela, da que vem de dentro, em cada batida, em cada passo de dança, estamos-lhe longe. Nesta mistura descabida de dentros e foras, constato que afinal, e ainda que no recinto propício, não consigo chegar-lhe. Mantive-lhe uma certa distância de segurança que me salvaguardou o espaço, que aqueles toques de anca, aqueles pés que trocam a ritmo, aqueles esfregares de corpos nem me pertencem, que sou de cá, não sou de lá. Estive entre bolos, balões, gente que canta e que dança, como se na vida, nem males houvessem, ou se os houverem, que fiquem de fora, que é o lugar deles, que na hora da festa, festa será. Correm pequenos, grandes, velhos e velhas, que saltam do nada, sorriem por tudo, balançam-se apenas e só, porque é isso mesmo que lhes apetece. No centro da sala, as luzes acendem e apagam criando um espectáculo digno de uma qualquer casa de dança, enquanto no meio, um gigantesco bolo de chocolate, faz as delicias da pequenada, dentro de uma casa vazia de coisas, mas tão cheia de almas cheias. Não são de cá, são de lá. Viemos embora, estava na hora. A festa continuou, e eu regressei ao meu mundo.

Livro



Leio-o agora. Gosto de encontrar em gente nova (ou quase, que pretensão), escritos que por norma só encontro em gente vivida. Sabem-me especialmente bem.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Compreensões

Precisa de compreender o mundo. Houve até quem já a considerasse, um tanto ou quanto obsessiva, perdida, quiçá, algures no terceiro ( ou será quarto?) passo da afectologia genética. Ainda que não desdenhando de todo a ideia, julga não ser pessoa para se ter perdido em tal sítio, que as percas a meio de um qualquer caminho, não são coisas a que se dê com facilidade, e para além disso, controlar o que quer que seja, nem lhe apraz a existência. Compreende-la, é quanto lhe basta. Tem acesa a necessidade de retribuições, como o motor do desenvolvimento humano, fenómeno de interesse supremo, não raras vezes esquecido, erradamente, como deverão calcular, que as lacunas construídas em qualquer um dos campos percorridos, em caso de séria falha, poderão comprometer gravemente os percursos, que a bem ser, se deverão dar de forma linear e convergente, sendo que não se poderá atingir um patamar sem primeiro se largar o anterior. Uma espécie de subida, por assim dizer, que numa perfeita fusão social, alcançamos devagarinho, levando por vezes uma vida. Que se leve, que para isso mesmo nos serve.
Ora até aqui tudo muito certo, que o entendimento surge-lhe sem grande esforço, dada a coerência do que atrás se descreveu, que basta o nosso pensamento debruçar-se sobre tais matérias, sem requisito de grandes divagações, para nos apercebermos de que faz todo o sentido. As dúvidas surgem-lhe porém na exigência das interacções. Se o que importa, é a retribuição, o sentir de fora para crescer dentro, porque raio essa mesma gratificação, não poderá emergir de um qualquer alguém, sendo necessário que nos surja de um alguém específico, escolhido a dedo, a entendimento ou a coração? Chega a verificar-se amiúde, o desdém pelas que não nos interessam, numa profunda manifestação de ingratidão. Somos exigentes. E somos precisados. Ou está a ver mal, ou estas duas coisas não combinam mesmo nada.

Silêncios

Cachola é um homem estranho, começando no nome, e seguindo para a vida. Levanta-se logo pela manhã emitindo um grunhidos miudinhos, que se acentuam ao longo do dia, como se deles vivesse. No silêncio do quarto, encadeia-os uns nos outros, umas vezes depressa, outras mais devagar. Cala-se mal lhe passo na porta, quase parecendo, que se dedica a um cultivo aceso de auto comunicação. Julga ele. Hoje, mais do que nunca, se há coisa que eu entendo é o silêncio das gentes. Começando logo no meu.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

...

Gosto demais deste sítio. Ainda assim, e por motivos pessoais vários, provavelmente, diminuirei a presença. Nem sou de grandes previsões, e o que agora aqui digo, poderá constituir uma simples passagem num estado estranho, que num ápice me passe, dando lugar ao que é hábito. A ver vamos. Poder-se-á ainda, e no âmbito da minha imprevisibilidade, dar-se o caso de transladação. Se tal ocorrer, darei notícias sobre a nova morada.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Vontades

Chego a fartar-me do discurso do óbvio, mesmo daquele, que por vezes profiro. É claro que a vida é lixada, que nos temos de adaptar a ela, que nos dias que correm o tempo é de crise, a carteira minguou, e o que interessa é a saúde, que o dinheiro, não nos trás felicidade. O importante, convenhamos, é o erguer da cabeça, que com ela baixa não atravessamos nem a rua, quanto mais os dias, a fio, um a seguir ao outro. Bem vistas as coisas e os tostões até chegam para o gasto, e se não chegarem, é reduzi-lo em qualquer trivialidade, como o jornal, por exemplo, que só nos trás é desgraça. Olhando a envolta, até encontramos facilmente maior amargura do que a nossa, que nem será por certo necessária busca considerável, que se não for o vizinho de cima, será o de baixo, se não for o de baixo, o do lado será. Desde cedo nos ensinam a relativizar, a valorizar o que se nos apresenta, porque ao senão, poderemos até incorrer em algum castigo divino, por se considerar que nos encontramos em pecado, por falta de agradecimento ao que tanto já nos é dado. Perante isto, até parece mal ambicionarmos determinadas trivialidades, apenas e só porque existe fome no mundo. Até me soa a sensato. Até me faz todo o sentido, que de resto, e de tudo o que disse, nada se pode excluir, por qualquer ausência à verdade. Ainda assim, por momentos, urge-me mandar a ideologia à fava. Porque existem dias em que o que me apetece mesmo é relaxar e embarcar naquele avião que me leva para longe, onde eu possa aterrar numa espreguiçadeira, onde apenas serei interrompida por ofertas de sumos tropicais e massagens nas costas. Posso também ficar por cá, num doce ócio que já nem devo reconhecer nem muito de perto, esquecendo preocupações, ambições e lutas constantes, dando lugar a um tempo de acalmia, de leituras, de introespecção. Nesse dia, posso também entrar directinha na loja da Louis Vuitton, e sair de lá com tudo o que me apetecer, não antes de ter pré definidas outras passagens do género. Porque às vezes, vezes de mais, diria, interiorizo para mim mesma que na nossa sociedade, o dinheiro não interessa, mas é uma ova. E dada a leveza que me apeteceu incutir no texto (a minha querida Antígona, ainda que discretamente, chamou-me dramática :)), nem aqui falo dos verdadeiros terrenos onde a ausência do mesmo se sente verdadeiramente. Não me apetece agora, é isso. Apetecia-me mesmo era qualquer uma das coisas que atrás refiro. Ou melhor, todas.

Pesos

Transportar más notícias, é coisa que me deixa desagradada. Seja por pouco, ou por muito tempos, embora o sentimento, nem se efective exactamente igual. Quando a detenho, necessitada de rapidamente chegar ao local devido, magico-a qualquer coisa cá dentro, e encaro as diversas hipóteses de transmissão, coisa que verifico sempre ser inglória, que nunca as palavras me saem iguais ao que idealizei. Não haverá por certo, já o oiço há muito, boas maneiras de dizer o que é mau. Haverá apenas umas mais ou menos, onde tentamos proteger alguém a um choque inevitável. Fossemos nós capacitados de uma auto preparação eficiente, uma espécie de mecanismo interno que nos orientasse as expectativas, e evitaríamos isto, mas não. Daí o meu peso quando as transporto. Pesam-me os passos, os gestos, os actos, e ainda mais, as palavras, que mastigo na boca e engulo, ao invés de as proferir, como se delas tivesse receio, e as quisesse abafar cá dentro de mim, por mor de poupar quem me ouve, ao infortúnio. Antagónico este sentimento, que pelo peso que me acarta, deveria deixar-me em ânsia de larga-las depressa em quem de direito. Ingenuidade a minha, bem sei, que quer me cale, quer não, a realidade insurge-se aqui com um poder infinito, contra o qual nada posso. No final, quando a informação receada chega ao devido local, o que sinto nem é alívio. Situa-se algures entre a tristeza e a resignação. De tudo o que referi, só as palavras me pesam menos.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

...

Não me dou bem com as pedras da calçada. Lindas como só elas sabem ser, elegantes à vista, desagradáveis ao trato, nem bem sei onde já vi isto. Funciono muito melhor com o alcatrão. Tirando as quedas dadas em tempos, de cima de uma bicicleta amarela, daquelas com cestinho e campainha, nada tenho contra ele. Ponho-lhe os pés em cima sempre que posso.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Visões

Já todos sabemos que os sonhos nos guardam o sono. Já há muito se fala nisso, o grande Sigmund Freud, debruçou-se seriamente sobre o assunto, deixando-nos um legado considerável de textos referentes aos ditos, considerando-os como uma realização de um desejo inconsciente, que o individuo não teria conseguido realizar. Nem julguem cá ser numa primeira análise que se compreendem, e que num ápice se chega ao seu real conteúdo, sendo que o manifesto, ou seja, o sonho em si, esconde-nos uma considerável latência carente de interpretação, onde aí, sim, se encontram os desejos, as vontades, os receios, os recalcamentos. Por este motivo, não é possível ao comum dos mortais realizar uma análise pronta perante um sonho, que necessita de ser devidamente analisado, estudado e fundamentado, a fim de se lhes conseguir atribuir um significado, admitindo aqui as teorias interpretativas dos mesmos, coisa susceptível de celeuma. Mesmo que as admitamos, nem me parece propriamente um caminho fácil, sendo que lhes inserimos um mundo inteiro enquanto dormimos, basta cada um debruçar-se ligeiramente sobre o assunto, para de imediato concluir isso mesmo. Existem porém especificidades que me intrigam, e aqui, confesso, pela distância ao estudo que lhe fiz em tempos, podem escapar-me particularidades já sabidas, que nem me preocupei por ora em analisar. Não estou muito para ai virada, que francamente falando, nem nunca valorizei grandemente estas manifestações do inconsciente, atribuindo-lhe algum significado em situações específicas, e esquecendo-os totalmente quando inseridos na banalidade, sendo que me centro muito mais em comportamentos reais durante a vigília, do que no que deixamos escapar enquanto dormimos. Mas esta noite, singularmente, sonhei um sonho particular, no qual penso. Sobre acontecimentos que nem nunca vi, e que, assumidamente, nem nunca quererei ver, por não constituírem realidade que de alguma forma me cative, me cause agrado, ou curiosidade. Envolvia gente esquisita, em sítios estranhos, com atitudes triviais. Eu olhava ao longe, numa passividade exacerbada, como se me encontrasse inundada de um estranho voyeurismo que me dava um prazer sem limites, porque via, apenas e só. O mundo girava, e eu, apenas via.

Das intenções

A intenção é algo que me transcende. Incute-se no meu corpo, como se de uma verdade absoluta se tratasse, ou seja, como se naquele momento, naquela hora, naquele exacto minuto, o meu intento para o dia seguinte, ou para qualquer uma outra altura, que pode ser mais ou menos distante, fosse uma antecipação da acção, que de tão certa, já se encontra delineada quase em pormenor. Sempre me lembro de ser assim. Em tempos, cheguei a imaginar histórias completas, vividas ao mais ínfimo detalhe, antecipando qualquer coisa, que poderia ser um encontro esperado, uma atitude a ser tomada, enfim. Na minha cabeça, surgiam diálogos completos, que reproduziria por certo na hora marcada. Bem sei que a casualidade das coisas nos apresenta reveses, que nem sempre o que temos em mente fazer, se efectiva com tão concreta minúcia, sendo que a imprevisibilidade é, felizmente, uma coisa nossa, que muitas das vezes nos obriga a moldar novos caminhos, elaborar novos diálogos, a dizer ou fazer o A' ao invés do A. Ainda assim, e admitindo-lhe a naturalidade, e ainda o seu carácter inevitável, por vezes empertigo-me com ela. Hoje, por exemplo, o meu intento, construído há muito, de me debruçar num estudo profundo, por demais necessário, surge-me como que adormecido. Outros valores se levantam, que ao longo de toda a semana, pareciam nem existir, como se a minha vontade, fosse apenas e só, dar seguimento aquela necessidade, pré definida exactamente para o dia hoje. Talvez seja o dia detentor de algum poder absoluto, que me toldou a intenção. Talvez seja a minha intenção uma coisa fracota e minguada. Perdoem-me a presunção, mas julgo ficar-me no poder do dia. O Sol, é uma estrela tramada.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Pai


Teve fama de partir cabeças, braços e outros membros, não só a ele, mas ainda a quem lhe cruzava o caminho. Maria Carmina, por bem da sua saúde, atava-lhe uma guita comprida, a fim de pode bordar sossegada, sem o risco de escape. Assim que podia, e dado o fascínio por feijões, comia-os do caco do gato, mesmo que já os tivesse apanhado no prato. Tinha uma cara rebelde, que hoje reencontro no meu bem mais precioso, que detém o mesmo sorriso, o mesmo ar de malandro. É grande que se farta. O meu filho não posta por cá, mas se o fizesse, chamar-lhe-ia o melhor Avô do mundo. Tenho-o, por diversos factores, como um dos meus grandes orgulhos.
É meu Pai, e vamos agora ali, cantar-lhe mais um.

...



E era ainda mais esta...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sinos

Todos os dias passo na beira da igreja. Umas vezes oiço o sino, outras vezes não, que as horas, são coisa para não me preocupar em demasia, sendo que já lá vai o tempo, em que as ditas me controlavam os passos, que se dariam mais rápido ou mais devagar, numa total subjugação da qual me fartei. Nem sei se foi por organização, se por desleixo, estranha dúvida esta, pelo carácter oposto onde se insere, pelo que passo a explicar. Se pela melhor organização do meu tempo, facto que detenho como verdadeiro, se por um menor rigor e fixação à perfeição, ou seja, algum desleixo, facto também ele real. De qualquer forma, nem bem importa a catalogação das minhas acções, importa-me sim, a paz de espírito que consigo com elas, pelo que esta coisa das horas, e do desprendimento que lhe faço sempre que tal me é possível, é coisa para me deixar deveras agradada. Não me julguem cá um inveterada incumpridora, que tal não se verifica, que a ter de cumprir, cumpro e com muito gosto. Deleito-me porém nos incumprimentos, que me são possíveis aqui e ali, e dos quais me aproveito tal e qual como de um rebuçado recebido. Hoje ouvi o sino das dez. Toca exactamente dez vezes seguidas, num toque seco e sem graça, isento de qualquer pausa ou melodia. Ainda que distante em sítio e em procedimento, faz-me sempre lembrar o sino da igreja da terra, que, e muito embora não tocasse diariamente, tocava em ocasiões especiais, ou seja, em dias de missa, dias de festa, horas de nascimento ou horas de morte. Para cada acontecimento, um diferente som, que não assumia sequer qualquer sinal de tristeza, mesmo que fosse caso disso, pelo que todas as melodias se faziam docemente ecoar, como um agradável instrumento. Até ao dia em que descobri ser Dona Fátima, a Senhora que zelava a capela, a responsável pelo tocar do sino, julguei-o algo de mágico. Sabia sempre de ante mão o que se passava na aldeia. Desde aí, altura em que a desilusão me atingiu, que não lhes ligo importância alguma.

Das leituras amargas

Nos jornais que desfolho, atafulham-se negras histórias de vida, quase parece que no cantinho plantado à beira do mar, o sossego descansou, numa auto apropriação da palavra, e algo poderoso e ameaçador ousou tomar-lhe o lugar. Nem bem percebo a lógica usada, que uma vez conseguidos determinados estatutos, nem deveria ser permitido o recuo, a inversão, por assim dizer, julgo tratar-se de um caminho completamente anti natura, indesejado, temido até. Ainda que nem considere que em tempos cá reinou perfeição alguma, desde os Dom Afonsos Henriques, outros Dons, Salazares e daí em diante, julgo até, e na minha modesta opinião, que chegamos, numa era não muito distante, a atingir algum equilíbrio, com altos e baixos, diversas conjunturas, enfim. Encaro com naturalidade uma época de crise, sendo que as crises mobilizam a evolução, e mais não posso esperar, do que uma bonança após o tormento, ou seja, não posso aguardar menos do que algo de bom no seguimento do período que atravessamos, uma vez que a ordem das coisas tem sido essa, ao longo dos tempos. Não me apetece por ora analisar estratégias políticas para que o caminho se efectue, julgo que cada cidadão terá o seu papel, uns mais determinantes do que outros. Que cada um faça o seu, parecer-me-ia excelente.
O que eu queria mesmo, era deixar de ler desgraças, obviamente como consequência das mesmas se terem atenuado, como por exemplo a história da Cloé, vítima de fibrose quística, filha de uma mãe que a cuida todos os dias, e de um pai que perdeu recentemente o emprego, e que necessita de pagar, uma vez por mês quando tudo corre bem, 120€ aos bombeiros, para que estes a levem ao tratamento realizado no hospital. Estas e outras leituras, era de todo o que eu não queria. Perturba-me que crise, seja sempre sinónimo de mais desgraça, para quem tanta já tem.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

...

Um, dó, li, tá... Ou então, todas...

Um dó balsâmico

Julgo ser este o mais frequente, que encontro nos olhos das gentes, como se a sua manifestação, constituísse por si só um bálsamo de alma, um sinto-lhe dó, e chega, quanto mais não seja, para me livrar ao estatuto de indiferente. Ainda me lembro da Soraia, uma doce menina que nos cercava sempre que podia, enquanto dos seus lábios, escorria baba. Não por qualquer falta de educação ou ausência de procedimento, mas porque a fenda palatina que lhe ocupava a boca, a mais não permitia. Tinha ainda albergadas nos seu magro corpo, um conjunto de sérias deficiências motoras, que lhe circunscreviam o movimento, por demais débil e atrofiado, o que fazia com que os esfíncteres dependessem de uma fralda, apesar da idade. Era frequente ela despoletar em quem chegava um sentimento de dó, pela figura estranha, pelas limitações apresentadas. Porém esse dó, misturava-se internamente com outras realidades, na cabeça de alguns pais protectores, que não percebiam o porquê dos seus filhos, necessitarem de conviver de perto com semelhante criatura, não raras vezes suja, apesar do zelo com que a cuidavam. Nas crianças da sala, nem se notava a estranheza, que a viam como parte do grupo, sendo frequentes as manifestações de ajuda, o limpar com o babete, o dar a mão num desequilíbrio, que nestas idades, ainda não se destrinçam superioridades e inferiorides, criadas com o passar dos anos. A diferença, só aparece no crescimento, maldita coisa, que deveríamos conseguir expulsar do nosso corpo.
Não falo aqui, é bem que se note, de determinadas patologias que possam colocar em risco quem se encontra no redor. Falo daquelas que impressionam, pelo carácter torpe que detêm. Interessante este sentimento de repulsa humana, por algo que todos contemos.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Evoluções???

Engraçado o meu percurso profissional. Em tempos, acabei um curso e julguei saber tudo, quando pouco ou nada sabia. À medida que aprendi, consciencializei as minhas limitações, e hoje, julgo que pouco ou nada sei.

Da vergonha

Ela transborda incoerência. Fala-me em várias línguas, com um perfeito desconhecimento interno umas das outras, julgando até, que o que lhe sai da boca é a única coisa transmitida, ignorância a dela. Não me parece consciente, de que toda me fala, nas expressões da cara, nos gestos das mãos, no agitar de umas pernas magras e inquietas. Quem assim age, necessita de treino, que falar diferente do sentir, exige-nos um esforço esmerado, sendo que nem toda a gente a ele se dedica. É mais ou menos a mesma coisa do que a coordenação corporal, dado que todos podem experimentar essa realidade, mexendo por exemplo os membros de diferentes formas, ou seja, o braço direito para um lado e o esquerdo para o outro, ou vice versa. De imediato se incorre num estado confusional, detectado a olho nu por quem esteja perto, que ou um, ou outro, quando não os dois, se irá confundir, a não ser, claro está, que exista um treino efectivo da competência, perfeitamente possível, com algum investimento da nossa parte. Embora em campos diferentes, poderemos seguir a linha de raciocínio, e treinarmos a nossa capacidade de fingimento, que o nome correcto, a bem da verdade se diga, é mesmo esse, ainda que soe a falsidade. Nem sempre somos absolutamente verdadeiros, todos sabemos disso. Não sendo totalmente a favor dele, confesso que, e como qualquer um, por vezes a ele me dedico, não propriamente com o intuito de prejudicar alguém que me aborde, mas sim num carácter defensivo que todos nós já experimentamos, num cumprimento sorridente quando lá dentro choramos, num discurso coerente quando no fundo trememos, enfim, em diversas situações que a vida nos apresenta, às quais a bem da educação ou qualquer uma outra grandeza, necessitamos responder à altura, sem quebras ou instabilidades. Até aqui tudo me soa em consonância, sem permitir sequer catalogar estas atitudes dentro de algum patamar de menor nobreza, faz parte da vida, do dia a dia, da preservação do nosso Eu. Em determinados contextos, julgo porém perder o sentido, como por exemplo, num pedido efectivado de ajuda, onde se recorre a alguém que nos organize, para posteriormente se tentar a todo o custo, esconder a origem do problema, deixando no ar pequenas nuances indicadoras, mais ou menos conscientes, carentes de decifre, porque transparência é coisa que nem existe. Ora se mesmo em coerência a ambiguidade pode surgir, na incoerência surge-nos muito mais vincada e limitativa. Por norma, é a vergonha, que toma de assalto as gentes sem dever. Um contructo emergido em grande parte da censura, que em excesso, nos deixa limitados na aceitação de partes de nós. Como se determinados lugares do corpo ou da mente, nem nos pertencessem. A vergonha é embaraçosa e castradora.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Dina

Entra-me de choro estampado no rosto. Não um qualquer choro clandestino, despontado ali naquela hora, por capricho ou atenção, mas um choro sentido, emergido do fundo de si. Bem atentando ao processo, verificamos que o choro lhe escorre de todo o corpo, visível nos olhos, na boca, no nariz que pinga a preceito, e ainda de todo o resto do seu ser, mãos, pernas, barriga, coração. Nem uso ver destes choros assim, embora confesse, já me deparei com alguns, em que o desarme quase me surge em resposta. O choro despoleta-me reacções adversas, sendo que tolero mal o fingido, para me render totalmente ao sofrido, que mescla numa ansiedade molesta, para me dizer que lá dentro daquele ser, existe uma crise sem fim. A blusa que enverga no corpo, parece-me ser dos seus poucos pertences, juntamente com uma camisola interior branca que aperta num saco de plástico junto ao peito. Os óculos grandes e pretos, dão-lhe uma ajuda impertinente para olhar um mundo que nem a quer, uma família que a colocou na rua pelas depressões crónicas e processos demenciais. Fosse eu a ela, e já os teria partido de vez. Calça uns chinelos de flores que pisam um chão molhado à chegada, onde emerge um penso enorme de um dedo amputado, levassem-lhe antes todo o corpo, tal como já lhe levaram a alma, e o sossego eterno seria conseguido, mas nada disso lhe fazem, que a levam aos poucos, pobre de si. O cerco que se lhe faz pede-lhe então que não chore, ignorância a das gentes, que ainda que repletas de bondade, nem bem entendem, que chorar a vida, é o pouco que lhe resta dela.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Do dar e do receber

Bem sei que nos desenvolvemos na comunicação, no feed back, nas demonstrações alheias de afecto, ou seja do que for, que poderão também ser atitudes negativas, capazes de nos moldar tanto ou mais do que as outras. O percurso de crescimento, de evolução, e num traçado básico, é um resumo de interacções de dádivas e recebimentos, que nos irão construir a personalidade, a auto estima, as potencialidades e as limitações, em suma, a nossa forma de estar na vida. Nem questiono sobre tal verdade, sendo que seria uma enorme insensatez cometer tal acto, dada a veracidade da mesma, que se existem realidades inquestionáveis, esta é uma delas, já devidamente analisada e estudada, pelo que o cariz científico, não mais nos deixa do que o caminho da crença e da aceitação. Num desenvolvimento progressivo, mobilizado por intervenientes capazes e contentores, e admitindo aqui uma ausência de handicaps capazes de nos toldar as etapas, deveremos chegar à idade adulta aptos para estabelecer com o mundo uma relação de confiança, um contrabalanço entre o dado e o recebido, por assim dizer. Necessitarmos permanentemente da resposta alheia é uma característica da condição humana, que do nascimento até à morte, vivemos em sociedade, em interligação, em harmonia, quando tal se consegue. Preocupa-me porém a constante necessidade que encontro em determinadas gentes, de um excesso de retribuição, manifestada sob as mais diversas formas, marcador característico de sérias falhas pelo caminho, adquiridas, quiçá, precocemente. Traduz-se esse mecanismo, numa persistente chamada de atenção, que colmate o que em tempos se deveria ter recebido e não se recebeu. O processo é reversível, se a análise interna se efectivar, e se buscarem caminhos alternativos. Pena é, que muitas das vezes, se confunde a origem do problema, e se atribui ao outro, os males de si.

...

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vícios dos tempos modernos

- O que foi L...?, Pergunto, perante o ar de choro.
- Não me deixam jogar nintendo. E eu não consigo esperar. Sou viciado...

Coreto

No jardim da fonte, os velhos albergam-se da chuva no coreto central. Jogam às cartas ao Domingo. Não um coreto à moda antiga, trabalhado a preceito a madeira e ferro, erguido em seu esplendor, colocado exactamente na altura devida, no sítio certo, para que o som saísse esmerado e afinado. O coreto em questão, é um coreto sem graça, colocado ao nível do chão, fabricado na era moderna, desrespeitando todas as regras que regiam a sua construção, tarefa exigente e de extremo rigor, por ora desleixada, como se os músicos, ou quem quer que possa utilizar tal local, não merecessem a dignidade de outrora, e no nosso país, nem houvessem dessas riquezas, um desperdício, tenho a dizer.
Admiro cantares de outros tempos, por norma acompanhados de adufes, reco-recos ou concertinas, que faziam as moças bailar com gosto, coisa que agora, já nem se usa, usam-se outros hábitos, outras danças. Ainda assim, e numa profunda incursão na cultura tradicional portuguesa, julgo que nem deveríamos desdenhar tais riquezas por demais valiosas, que nos contavam as histórias do campo, das gentes que labutavam de sol a sol, das mulheres que ceifavam, dos homens que colhiam. Passo no coreto e fico irritada, pelo desrespeito incutido ao que mais deveríamos preservar. Não me parece coerente, unir arte moderna, a tradições centenárias. Fico apenas feliz com a serventia. Os velhos, precisam de resguardo para jogar.

Do rolo...

Ela trouxe-me o rolo da massa. É imortal, que muito embora por vezes nem pareça, a imortalidade é coisa que existe, na mente quanto mais não seja, que uma vez consciente, transporta para a nossa eternidade o que quisermos transportar, o que quer que seja que nos apeteça guardar. Guardo coisas sem fim. Uma delas, o uso que lhe dávamos em vésperas de Natal, na mesa de madeira velhinha, na cozinha do quintal. As almofadinhas surgiam das minhas mãos, cortadas a preceito com a roda dentada, para tu pores na frigideira larga, onde ficavam doiradas e estaladiças. Já cá fora, o açúcar compunha o resto. Antes porém, do rolo trabalhar, amassavas num alguidar de barro gigantesco a bola de farinha, regada a água ardente e sumo de laranja, enquanto eu mirava deliciada. Não sinto cheiro no rolo. Mas conheço-lhe a cor gasta e brilhante, própria de quem já tendeu em óleo. Vai ficar cá. Mas se não ficasse, estava comigo na mesma.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Vitórias

O caminho faz-se caminhando, dizia-me ela, numa sapiência já longa de vivida, perfeitamente atestada no branco do cabelo, nas rugas da testa, na curva das costas magras. Bem eu o sabia, ou quase que sim, embora em tempos, tenha chegado a julgar nunca atingir determinadas tranquilidades, que a cada dia, a cada passo, o esforço surgia-me de dentro da alma, buscado e rebuscado onde por vezes já nada havia. Nem deveriam acontecer-nos determinados acontecimentos, certas provações, que de tão duras nos deixam à mercê da fraqueza, palavra antagónica esta, de um poder quase absoluto. Falo sem saber do quê, por certo dirá quem me possa ler e conhecer, que bem vistas as coisas, volta dada e regressada, e nem bem se encontra o que se agarre, que se possa considerar desgraça séria, a bem de mim e dos meus, graças à sorte e ao fado. Ainda assim, e numa efectiva escolha por isto, em detrimento daquilo, numa manifestação pura das vontades, escolhi o afastamento ao invés da partilha, as noites sozinha ao invés da companhia, o eu, em vez do ele. Ele também. Nem bem conhecia o restante, pela impossibilidade de sabermos as realidades dos outros antes de por elas passarmos, embora ache, que mesmo a ter conhecido, o caminho se daria igual, recto e conciso tal e qual foi, não me parecendo possível, qualquer um outro em seu lugar. Assim sou, provavelmente, sempre serei.
E eis que nos ficou um tesouro no meio. Uma partilha tremenda de algo que nem se divide, uma preciosidade tamanha que me pertence tanto quanto a ele, que de mim precisa tanto quanto dele, que eu amo, tanto quanto ele. Quem de fora olha, e de distante que está, nem bem nota o aperto dos dias, das distâncias erguidas sob nosso impulso, mas sem o nosso desejo, que o que este mais queria, era a impossibilidade da presença constante, de alguém que é tanto nosso como de outrem, malvada realidade esta, por ambos escolhida, por ambos amargada, por ambos partilhada.
Passaram anos, e assim se consegue alguma harmonia interna ambicionada há muito, a qual louvo a chegada. O caminho faz-se mesmo caminhando. Julgo ter emergido a clara consciência de que não é possível dividir o que não tem divisão, sendo que é nosso para sempre. Faz oito. E cá em casa, já há arroz doce. Balões, nem por isso, que o puto acha-se grande, e não quer cá dessas coisas.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Apontamento

O excesso de exposição, é coisa para me intrigar, nas mais diversas nuances. Soa-me sempre a algo do género, mulher quase sem roupa.

Esquecimentos

Não poderia, não quero, nem devo, deixar de falar da velha que morreu em conjunto com um cão, algures num sítio que foi aquele por assim ter de ser, dado que poderia ter sido em qualquer um outro.
Chocam-me inúmeras questões, que muito embora o choque nem seja coisa digna de realce, sentido frequentemente numa distância confortável, de segurança por assim dizer, dado que o arrumamos num ápice porque a nós não pertence, quem tal sentimento despoletou, nem se pode dizer ser aqui o caso, que ela a mim não pertencia, mas pertencem muitos outros, pelo que também poderia pertencer.
Os velhos são esquecidos, que disso não haja dúvida. Já nos deram o que tinham a dar, que à parte de algumas palavras sábias, e uns poucos ensinamentos, mais não fazem do que carecer de nós, de um cuidado efectivo e disponível, dado que o corpo, fiel guardião em tempos, capaz de auto zelo, auto sustento e auto percurso, encontra-se agora definhado, à mercê dos anos que nos transportam a um local estranho, frágil e desprotegido. Fosse a nossa evolução coerente, e caminharíamos para a plenitude, nunca para a precisão. Ou fossemos nós coerentes, e a preocupação devida a quem tanto já nos deu, emergiria, tal como emerge um sentimento de alegria perante um agrado, naturalmente, por assim dizer, sendo essa a ordem das coisas, desenvolvemos reacções adequadas às solicitações, poderemos detectar inúmeros exemplos, no decurso da nossa vida. Porém, em determinadas âmbitos, com determinadas gentes, algo parece falhar, e coerência nem é realidade que exista. No lugar do respeito, devido, por demais devido a quem já cuidou, para agora necessitar de ser cuidado, emerge uma desresponsabilização imprópria de tão injusta.
Não tinha filhos, bem sei. Teria por certo outros familiares ou pessoas perto, que nunca lhe notaram a ausência, que nunca a lembraram, que nunca a protegeram. Quando assim falo, nem me perco em demasiadas atenções, afectos ou outros que tais, perco-me apenas e só no essencial que qualquer ser humano necessita. Depois da morte, surge ainda um abandono post mortem, também ele difícil de entender, pelo tempo de decurso, levando-nos a crer que no mundo, existe gente capaz de se esquecer para sempre. Ou por nove anos, ou assim.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Monotonias

E pergunto-me eu, em certos e determinados dias onde a corrida me toma de assalto, não vá alguma tarefa escapar, tarefa essa, importantíssima, como todas às quais me dedico, se me habituaria alguma vez ao sossego. Embora nem me encontre em condição de tal facto, posso muito bem imaginá-lo, colocar-me no lugar de alguém que cuida da casa, dos filhos e de si, e que a mais nada se dedica, ou se o faz, fá-lo com gosto, naquela hora, naquele exacto momento, em que a vontade talhou ali. A bem da verdade se diga, que nem bem consigo vivenciar essa realidade, tal a distância que me separa de tamanho ócio. Apesar disso, e num esforço considerável do meu cérebro, em profunda incursão por terrenos nunca antes percorrido, chego a parar um bocadinho, e a julgar-me agora, ao invés de numa pausa para um rápido almoço, numa qualquer esplanada à beira mar, com um qualquer entretém cor de rosa que me doure o dia, enquanto a brisa me atinge ligeira. Antes da monotonia tomar conta de mim, até era capaz de gostar disto.

E era isto...


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Beijos de embaraço

O crescimento é um percurso divino, nem considerando aqui qualquer crença superior, mas assim o denominando pela grandiosidade do processo. Crescemos desde que nascemos até ao final dos nossos dias, que depois disso, quando o corpo sucumbe e a alma não sei ao certo, outros crescimentos poderão emergir, nem bem importa, não sendo o assunto onde por ora me debruço. Refiro-o porém ao admitir a permanência da evolução, está-nos numa inerência total, não nos conseguimos clivar de tal caminho, quer queiramos, quer não queiramos, embora muitas das vezes, quase nem pareça, tal a estagnação que julgamos ler em determinadas gentes. Nem sei se não me aprazia, algum intento meu em tal processo, pelo que poderia escolher sob meu arbítrio, ritmos, rumos, enfim, uma agradável auto fertilidade por assim dizer.
Admitindo aqui a magnificência do percurso, não deixo porém de me encontrar numa subjugação interna conflituosa. O meu crescimento, nem por isso me causa desconforto, e neste facto tem cabimento o crescimento interno e externo, que encaro ambos com um carácter evolutivo, positivo e processual, e nunca como um caminho para um local indesejado. Perturba-me porém o crescimento do meu filho, que, e não obstante o querer mais do que qualquer outra coisa, para além de o considerar a cada dia uma vitória, que acompanho e ambiciono com um sentimento fugaz de dever cumprido, não deixa de me acartar uma ligeira nostalgia, que se acendeu hoje, por exemplo, como em tantos outros dias. Ai mãe, beijos na porta da escola não... Já sou crescido, e os meus amigos vão gozar. A partir de amanhã damos logo dentro do carro, sim?
Sim, claro. Vejo-te crescer e sorrio, embora cá dentro, só cá dentro, bem sei que sim, me pertenças sempre. Coisa ignorante esta, que bem vistas as coisas, a pertença, é coisa que nem existe.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Feiras



Diz que há uma, do livro usado, no Mercado da Ribeira. E o que eu gosto destas assim.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Belezas


Não havia um outro sítio, onde se comesse a sardinha assim fresquinha, de olho bem aberto, e lombo de prata. Chegavam directamente da lota para ali, numa vida inundada de mar e liberdade, cessada por uma rede de pesca, puxada a braços. As pobres, perante a ausência do seu meio, remexiam-se numa aflita inquietude, em ânsia de saltarem de novo à água, tarefa impossível, tal o preceito dos pescadores. Zé chegou a ir, num pequeno barco riscado a azul e encarnado, onde o seu pai passou noites a fio, sob um olhar atento da lua, fiel protectora das gentes do mar, que sem ela, tudo se escurecia. Em noites de nevoeiro, ouvia-se o farol ao fundo, desde há muito e ainda hoje, com vista a guiar as pobres almas carecidas de guardião, não vão nalgum desvio involuntário, incursar nos rochedos escarpados, quase tão belos como mortais. Embora possa nem parecer, era exactamente aqui que ambicionava chegar, sendo que foi das primeiras pessoas, o Zé, que hoje assa, e que em tempos pescou, a confidenciar-me esta nossa estranha particularidade, aplicada em diversas facetas da humanidade ou mesmo da natureza, onde o belo se cerca do perigo. Nem necessitava tê-lo feito, que de tão óbvio ser, decerto aprenderia esta realidade com relativa facilidade, embora esteja agradecida pela generosidade do ensinamento, não quero cá que me julguem, de ingratidão inundada. Ora nem necessitamos grandes pensamentos, que logo nos ocorrem diversas situações, sendo que deixo, e apenas a mero título de exemplo, as cobras coloridas inundadas de veneno, os mares revoltos e assustadores, entre outras realidades que poderíamos nomear, aplicáveis a diversas contextos, embora nem me pareça necessário, tal a facilidade com que todos imaginarão o seu exemplo.


Engenhosa esta apropriação do belo, que de si mesmo se aproveita com um intuito de atracção, a fim de seduzir a ingenuidade, que se cerca de vontade e se deixa sucumbir, perante um poder não raras vezes efémero, ou se não isso, pelo menos, um perigo evitável. Se não fossemos nós sedentos da beleza...

Esperança

Esperança veio ao mundo com o nome devido. Nem poderia ter sido outro, tal a necessidade que a vida lhe dá, a cada dia, a cada passo, daquela bendita graça, escolhida por sua avó, sob desígnios divinos, tem isso por certo. Desde o dia em que nasceu até hoje, recorre a ela, à esperança, quase como lhe recorrem ao nome, entre as mazelas que aconteceram, as que acontecem, e as que por certo virão, dado que, e muito embora mantenha a fé, ou esperança, como preferirem, já tem consciente que o seu destino é um fado, dos verdadeiros, sofridos e chorados. Todas as desgraças por ela vividas, nem me apraz agora relatá-las, fiquem sabendo apenas serem muitas, acreditem-me, e que isto vos chegue, que a mim, já se constitui demasia, havendo muitas delas, que preferia nem conhecer, dado que a gosto, é de perto, de cá de dentro, do coração. Munida de grandeza interna, criada, recriada, inventada e sempre conseguida, vê-se agora a braços com uma doença séria, já em recaída, que como é seu destino, o que quer de mal que lhe aconteça, acontece sério, e não cá num qualquer dano ligeiro, de fácil recuperação. E eis que se depara com um sistema de saúde que lhe exige taxas e pagamentos para necessidades efectivas que lhe podem custar a vida. Em tempos, algumas isenções existiam, hoje, na conjuntura de necessidade que sempre deteve, aliada a uma doença fatal, os recursos escasseiam-lhe, e o nome que lhe deram, quase lhe foge da boca. Além do mais, fugiu-lhe ainda o complemento ao trabalho de uma vida, que das suas mãos, surgia doçaria para a venda que rondava a perfeição, desde bolos a broas, passando por filhós, ou alguns doces de colher. O peito que lhe levaram, deixou-lhe o braço lento, frágil, inchado, pelo que agora, de pouco lhe serve, tendo a sua verdadeira arte ficado adormecida, sem lhe dar prazer e frutos, por assim dizer.

Acompanho de perto esta, ou outras situações de carência efectiva, prejudicada pelos cortes no sistema de saúde. Taxas pagas, fármacos sujeitos a portaria, que perderam o estatuto, como se determinadas doenças graves deixassem de o ser, entre outras. Perturba-me um estado social que continua a exigir tanto de quem tão pouco tem. Perturba-me um sistema frágil de apoio na doença, situações da vida onde a fraqueza se instala nas gentes, sejam elas fortes, sejam elas fracas, pelo medo, pela incerteza. E havendo tanto mais onde conter.

Hereafter


Esperava um pouco mais. Bem sei que a história se liga ao além, terreno incógnito, o que nos deixa a limitação do desconhecimento. Ainda assim, julguei-o fraco em intensidade, com muitos momentos mortos, pouca exploração do argumento. Um bom filme apenas. A meu ver, nada de excepcional.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Discretos convites do sol...


Excessos

Ela dava-se de mais. Não uma dádiva qualquer, mas uma dádiva de corpo e alma, daquelas que levam tempo, amor e dedicação, porque mais não via, do que as gentes que tanto amava, numa convergência total direccionada sempre a outros, nunca a ela. Se carência houvesse, se tristeza se lesse, ou dor se detectasse, a primeira coisa feita por si, era o cuidado, independentemente do que deixasse para trás, normalmente algo de si, que ficava por fazer, sem pena ou indignação. Alguém a precisava, constituindo esse alguém criatura amada, pelo que nem percebe, o que faz determinadas mães, mulheres ou outra denominação dependendo do contexto, deixarem-se a elas primeiro e a eles depois, nunca ela se via, em tal condição.
Perdurou no tempo a postura, o socorro em hora de aflição, o amparo na hora da solicitação, o sempre lá, preciso ou não, que vezes houve, muitas para ser exacta, em que a necessidade nem se verificava efectiva, era já um encosto, um contar exacerbado, dado que dali a falha, nunca surgia.
Após tanta dádiva, mais não conseguiu em triste hora de precisão, do que uma amarga distância. Nem que o amparo dado se tenha mostrado deveras mirrado, que o mesmo surgia, quando havia tempo e vontade, mas para quem tanto sempre deu, ainda que apenas e só com coração, e sem esperança de retribuição, aguardava-se um melhor cuidado. Consciencializa porém, que a falha nem é dos outros que hoje lhe dão o que podem, mas sim dela, que sempre lhes deu demais. Não o verbaliza, engolindo a tristeza, amargando a doença, mas nem precisa, que sei exactamente o que sente. Resta-lhe a doçura do que já deu. Essa, ficou dela para sempre.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Perigos

Necessitamos de sua existência, num paradoxo interno incompreensível, se não de todo, pelo menos tendo em conta um principio lógico que me ocorra, já até me debrucei verdadeiramente sobre o assunto, e não apenas me limitei a pensa-lo inconsequentemente, como quem pensa uma qualquer trivialidade. Já de pequena me lembro do interesse suscitado por determinados animais assustadores, terríveis feras que poderiam atingir-me, se por minha parte houvesse algum descuido, como uma maior aproximação ou uma fuga mais lenta. Recordo vivamente os sapos, que julgo já cá ter trazido, e as aranhas, bicho horripilante, embora me pareça que a grande maioria das gentes, nem bem abranja o perigo que incorrem, em estarem defronte tal animal, redondo, peçonhento, patudo. Como pessoa consciente do perigo, respeito-as ao longe, mas nem sempre assim foi, em criança, usava perturba-las em suas casas de tijolo, que as próprias enfeitavam com uma densa teia, a fim de se resguardarem de iras externas. A minha, manifestava-se por norma em forma de caneta bic cristal, trazida para o recreio à revelia da professora, que introduzia delicadamente no buraco, a fim de vislumbrar a bicha aparecer cá fora, facto que ocorria exactamente antes de minha fuga. No caso de resistência, surgia a minha insistência. Nem bem sei,tal como disse no inicio do texto, o que me motivava a invasão. Curiosidade, nem me parece resposta coerente, que cansada de as ver, estava eu. Maldade, embora por vezes possa parecer, nem condiz comigo, acreditem, que sou da maior doçura que Deus pode deitar a este mundo. A única teoria lógica, parece-me a mim ser a excitação que me acartava o contacto com o risco em forma de aranha, e a minha possibilidade de fuga, eu era grande como um raio. Hoje, volvidos quase trinta, julgo que os motivos que me levam a encarar certos perigos se assemelham.

Era bonito

No caminho o sol atingiu-me, chegava por si, para me fazer responder ao desafio das rádios do País, sorrir, apenas e só. Na curva, o gato preto atravessa a estrada, sem qualquer senso ou conhecimento, de que a vida lhe corre perigo a cada passagem destas que ousa fazer. É tão feliz o gato. Numa das rádios que me manda sorrir, oiço uma sátira a alguém que achei julgado, arrumado e arquivado, e que por ora, resolve lançar novas directrizes, como se a vida dos que sofreram as repercussões dos hediondos comportamentos, postos em prática por hediondas pessoas, não se encontrasse já suficientemente martirizada, achincalhada, revoltada. Acendem-se de novo vozes. Criam-se piadas com assuntos nojentos, que todos deveríamos saber calar, quanto mais não fosse, para dar sossego aos que de alguma forma padeceram. Poderíamos arrumar, e sorrir então. Era bonito.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Vidas

Precisava deles como do pão para a boca. Sentia a incompreensão nos olhos de quem a rodeava, estas coisas das patologias psíquicas, têm destas inerências, maleitas danadas, que se mantém escondidas lá dentro da gente, nada a ver com pernas partidas, visíveis claramente a olho nu, ou com hérnias discais, meio disfarçadas, mas facilmente detectadas em qualquer exame complementar de diagnóstico, capaz de atestar a terrível doença, emergida do fundo do nosso corpo, mas ainda assim, palpável.
Aquela loucura era algo que lhe tirava o sossego, veio cedo, chegou de mansinho, primeiro lavavam-se as mãos repetidamente, para logo após se verificar vezes sem conta se o bico do fogão apagou, se a tomada do ferro desligou, enfim, uma panóplia de perigos eminentes, que na ausência de cuidado, e num possível desleixo, poderiam bem originar uma catástrofe, grande desgraça seria, ainda para mais, porque de arrasto, viria a culpa. A culpa, Deus sabe, não pode com ela.
Quem a vê de perto, nem lhe entende estas necessidades, nem estas nem outras, como por exemplo, a que dá origem a este pequeno texto, ou seja, o que ela tanto necessita, como do pão para a boca, dizia eu. E trata então os remédios, fiéis aliados para um conjunto significativo de maleitas que a acompanham há muito, e para as quais necessita daquela segurança discreta, do comprimido que surge regularmente, ainda que a sua falta nem seja real. A segurança conseguida, traz-lhe uma tranquilidade inigualável, uma protecção sem limites, quiçá há muito procurada, e nunca antes encontrada. Por vezes pára, que a sua mente, ainda que em estado de terrível descompensação, interioriza o perigo da habituação, terrível coisa seria, se perdesse a que recorrer. É nessas alturas, daí em diante, e até nova toma, que entra num desassossego sem fim, dado que sem saber como, logo lhe emergem um conjunto de sintomas ténues, nada palpáveis, mas suficientemente capazes de lhe deixar a sensação, de que a sua inércia é capaz de matá-la. Poderá já lá vir a doença outra vez. Para seu sossego, volta ao tratamento. E até nova paragem descansa protegida.

Guardas

Faz oito, lá para dia 13. Gostaria de lhe ir deixando o bom de mim, escusando o menos bom, mas nestas coisas da vida, nem sempre as dádivas se efectivam assim, lineares e cuidadas, ainda que possa considerar, não ir num mau caminho.
Hoje, enquanto escolhíamos os amigos para a festa, encontro-lhe nos olhos uma alegria ingénua de criança. Haverá alguém no Mundo, capaz de me ensinar, a guardar-lha para sempre?

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Doces ideias da Google...


Vitinho


Está na hora

da caminha

vamos la dormir,

Vê la fora

as estrelas

dormem a sorrir

e amanhã cedinho

bem cedinho,

tu vais ver

acordas mais forte

e mais esperto

isso é crescer

Boa noite

Sonhos lindos

Adeus e Até amanhã

Ignorâncias

Intrigam-me despertares tardios, emergidos de gente estranha, que se rege em prol de si, num tempo longo e encrespado. A consequência que acarta a ausência, repercute-se em um outro alguém para além do principal, que na necessidade efectiva dá de si, ou não o quisesse muito, ou não lhe fizesse sentido, ou não fora essa a sua vida. O colo afaga, as mãos amparam, o amor acompanha, a cada dia, a cada passo, a cada crescimento, a cada vitória. Nada iguala uma coisa assim. Pobres dos que nem vêm, dos que na possibilidade de sentirem tamanha dimensão, dela se descartam, como se na vida, alguma emoção ou sentimento pudesse compensar aquele, de pureza inundado, incondicional, pleno, perfeito. E eis que no tempo, no caminho dos dias, algo se acende, como que um amargo arrependimento, pelas ausências, pelas distâncias, pelos sorrisos que não se partilharam, pelas mãos que se não deram, pelos caminhos que não se trilharam. E que são tantos. Acorda-se. Tarde, já tarde. E num ápice tenta recuperar-se de todo o tudo que já se foi, como se possível fosse, recuperar crescimentos, palavras, amores. Ignorância.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Da pena

Pena, faz parte da classe de palavras abrangentes que detemos no nosso riquíssimo vocabulário. Não me incomoda quando denomina uma haste que cobre um corpo de ave. Pode também consistir uma qualquer punição, que em sociedade necessitamos dela, a fim regulamentar com alguma coerência o que o próprio não regula sozinho. Não me causa desconforto, mas ainda assim, no meu dia a dia, não uso dela como método de acção, não a simpatizo, coisas minhas. Detesto-a, quando aplicada ao desgosto, ao padecimento, à dor que nos acende esta consciência, sendo que posso afirmar, sem qualquer risco de incorrer em exagero, ser um dos sentimentos que menos gosto de sentir em relação a alguém. Não necessito obviamente de explicitar, embora o vá fazer, de que abomino que a sintam em relação à minha pessoa, dado que tal facto trará de arrasto, alguma desventura que me tenha atingido. Intrigam-me pois as gentes que dela vivem, como se mais nada lhes aprouvesse na existência, do que causar penar a quem se encontra na envolta, pelo que a cada dia surge uma nova desgraça, uma nova mazela, um novo padecimento, que parece dourar os dias a quem delas sofre. Quase sempre o mesmo contratempo, acontecido em mentes de um outro carácter, mais não fazem do que uma ligeira adaptação, uma pedra no sapato, que bem sacudido, regressa ao sossego. Faz-me lembrar Augusta, desde sempre detentora de males, julgo até já a cá ter trazido. A cada dia tinha um ou vários, novos ou já antigos, que o espólio era de tal forma, que volta e meia, de novo emergiam. Desde a gota aos bicos de papagaio, do fogão que avariou, ao cabelo que lhe caía aos magotes, entre muitas outras, as desgraças surgiam em sucessão, pegadinhas, suscitando a pena às outras mulheres, algumas delas, sérias concorrentes ao estatuto de desventurada. Bem sei existirem meandros internos, capazes de justificar tal necessidade de atenção. Ainda assim, não gosto, confesso. O que me deixa quando a sinto verdadeiramente, é de tal forma nefasto, que as tentativas fraudulentas de me fazerem despertá-la, é coisa para me repugnar.

Seguidores