quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Vidas

Precisava deles como do pão para a boca. Sentia a incompreensão nos olhos de quem a rodeava, estas coisas das patologias psíquicas, têm destas inerências, maleitas danadas, que se mantém escondidas lá dentro da gente, nada a ver com pernas partidas, visíveis claramente a olho nu, ou com hérnias discais, meio disfarçadas, mas facilmente detectadas em qualquer exame complementar de diagnóstico, capaz de atestar a terrível doença, emergida do fundo do nosso corpo, mas ainda assim, palpável.
Aquela loucura era algo que lhe tirava o sossego, veio cedo, chegou de mansinho, primeiro lavavam-se as mãos repetidamente, para logo após se verificar vezes sem conta se o bico do fogão apagou, se a tomada do ferro desligou, enfim, uma panóplia de perigos eminentes, que na ausência de cuidado, e num possível desleixo, poderiam bem originar uma catástrofe, grande desgraça seria, ainda para mais, porque de arrasto, viria a culpa. A culpa, Deus sabe, não pode com ela.
Quem a vê de perto, nem lhe entende estas necessidades, nem estas nem outras, como por exemplo, a que dá origem a este pequeno texto, ou seja, o que ela tanto necessita, como do pão para a boca, dizia eu. E trata então os remédios, fiéis aliados para um conjunto significativo de maleitas que a acompanham há muito, e para as quais necessita daquela segurança discreta, do comprimido que surge regularmente, ainda que a sua falta nem seja real. A segurança conseguida, traz-lhe uma tranquilidade inigualável, uma protecção sem limites, quiçá há muito procurada, e nunca antes encontrada. Por vezes pára, que a sua mente, ainda que em estado de terrível descompensação, interioriza o perigo da habituação, terrível coisa seria, se perdesse a que recorrer. É nessas alturas, daí em diante, e até nova toma, que entra num desassossego sem fim, dado que sem saber como, logo lhe emergem um conjunto de sintomas ténues, nada palpáveis, mas suficientemente capazes de lhe deixar a sensação, de que a sua inércia é capaz de matá-la. Poderá já lá vir a doença outra vez. Para seu sossego, volta ao tratamento. E até nova paragem descansa protegida.

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