domingo, 25 de novembro de 2012

Alberto

Morreu o Sr. Alberto. A meio de um noite de Sábado para Domingo, mais precisamente às quatro da matina, a lanterna que percorre os quartos e aponta para as cabeças que respiram devagar e cansadas estremeceu e denunciou que ali já não havia vida. Para nada serviam insistências inconvenientes, não valia a pena abanicar-se o corpo até à exaustão do cansaço, um velho hábito despropositado que se tem com insistência na vã esperança de que o coração volte a cumprir o seu propósito, neste caso sempre certo, de há cento e dois anos a esta parte. Não respira, diziam-me. Tem a certeza?, pergunto ao longe, já colocou a mão em frente ao nariz? Tenho dizem-me. Então deixe, morreu.
Alberto era um velho que casou três vezes e enviuvou outras tantas. Já não dizia grande coisa, apenas comia e acenava com a cabeça para um lado e para o outro enquanto a escrófula lhe pendia para a frente, cada vez mais saliente. Sempre tive o hábito de lhe afagar o cabelo, dar-lhe os bons dias, fazer-lhe uma festa, muito embora eu soubesse que nunca obteria resposta, mas devo confessar que aquela protuberância no queixo me importunava. Isso e uma acentuada inclinação do seu corpo para o lado esquerdo. Há muito que não conseguia estar direito. Colocaram-se almofadas, cintos de imobilização, mudaram-se assentos, enfim, utilizaram-se as artimanhas ao alcance para o conseguir erguer, mas sempre em vão. A cada dia que passava a sua inclinação acentuava consideravelmente ao ponto da escrófula lhe acompanhar a tendência, dependurada para o lado cadente do corpo. Estava realmente velho.
Vêm lá os corvachos, diziam-me há dias, há morte para breve. Não liguei ao assunto, assumo. Faço sempre orelhas moucas para as crenças populares, insiro-as todas no saco da nescidade, armo-me da lógica que me governa e sigo em frente ciente de que neste mundo não há bicharada, fé ou habilidade que me supere o rigor da existência. Mas às vezes questiono-me a mim mesma. Penso para cá com os meus botões se não seria melhor dar ouvidos às bocas que crêem nestas verdades, nascidas dos anos que correm sem nexo e sem explicação, mas tão certas ou quase como aquelas que conseguimos escrever nas quadriculas absolutas dos cadernos da escola. Ou no mínimo assim são proclamadas. E por vezes, tantas vezes, cumpridas.
(Morreu a dormir. Do melhor que há, segundo oiço dizer frequentemente, de bocas que nunca morreram.)

9 comentários:

  1. A morte é certa...mas deixa sempre alguma marca,mesmo que digamos que estamos preparados para a sua chegada...fica sempre algo, nem que seja apenas um ditado popular...

    Sorriso :)

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    1. Não estamos Ana, mas deveríamos estar. Faz tanto parte de nós como a vida...

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  2. Não me importava, acho :) desde, é claro, que me apercebesse da mudança de estado. É que para passar a eternidade a pensar que se está vivo, antes ao som desta música que por cá toca do que àquela que embala os sonhos :):)

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  3. Respostas
    1. Na província, um pouco sim. Um beijinho para si também.

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  4. Belle du Jour, obrigada pelo convite :)

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  5. gostei (e especialmente do parêntesis final).

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  6. Garfanho, obrigado :). O parêntesis é de facto uma das partes importantes do texto...

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