quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Santos

Hoje é dia dos santos, gostaria até de me encostar a eles. Poderia entrar numa igreja, que teria de ser a da aldeia, molhar os dedos na água benta da entrada e dirigir-me com respeito, iludida pelo cheiro das velas brancas que alumiam o altar, para me ajoelhar defronte à Santíssima Trindade, a santa que guarda a terra, dizem, e ainda as gentes. No bolso levaria o terço prateado e benzido em Fátima, já amarelado pelo ror dos anos, que se encontra guardado num sítio que eu não sei qual é. Deveria eventualmente dar-lhe uso, o que guardo, guardo sempre com algum propósito, e acho até que um dia aquele terço pode vir a fazer-me falta. Os vitrais coloridos deixariam entrar este sol de Outono que me aqueceria o corpo, no exacto momento em que da minha boca sairiam orações que me levariam directa ao refúgio da Santa. Ela deve-me isso. Em tempos, ainda menina, transportei-a debaixo de chuva em ombros, vestida com uma batina azul celeste emprestada pelo pároco da freguesia, e percorri a aldeia inteirinha sem um ai e sem um ui.  Na passagem da procissão as pessoas deixavam oiro e flores penduradas no manto, oferendas devotas de quem tão bem conhece a guarida dos céus. Houve a meio da caminhada quem me quisesse auxiliar no carrego, houve até quem se oferecesse com uns olhos de conforto para me transportar a carga, mas eu não cedi. Tinha prometido a mim mesma, a mais sonora de todas as promessas, que cumpriria o trajecto todinho, nem que para isso tivesse de amargar as dores infligidas pelo andor redondo que me vergava os ombros e me comia as forças. No final do percurso, consciente que estava do preço da fé, retirei uma a uma as dádivas entregues e confiei-as  todas ao Padre António, que as recebeu glorioso da crença do seu povo. Nesse dia a minha avó ficou com um orgulho muito grande em mim. Ofereceu-me um vestido florido que eu nunca vesti e que guardei longe da vista e do corpo. Cheirava-me a velas, a flores, a oiro e a mantos de santas, e cheirava-me ainda à sua fé, que eu não conhecia, mas que sabia ser a coisa à qual ela se entregava quando precisava de colo. 

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