domingo, 27 de janeiro de 2013

no meu tempo, não era assim...



Há mulheres, e perdoem-me a atribuição de género, que se tornam muito velhas em escassos anos, uns míseros quinze ou vinte, os suficientes para se entregarem à esquisitice que se lhes aloja no corpo, que eventualmente revoltado, despreza o delírio bom. Esqueceram as saias curtas no limiar da decência ou para além dela, os cigarros escondidos na retaguarda da escola, os beijos espalmados entre uns lábios e uma parede traseira de um bloco gigantesco, excessivamente grafitado. Dizem elas que a juventude de hoje se perdeu, coisa que de facto não vejo, verei mal? Se há coisa que bem me lembro é de uma escola onde se ouvia Nirvana numa relva onde a Inês se estendia de costas para que o André se deitasse em cima dela, enquanto à volta o restante mundo dançava. Também recordo claramente o dia em que o Paulo deu um beijo de língua à Margarida em troca de dez escudos, e daquele em que a turma se perdeu no entusiasmo das tascas e chegou à escola a meio da tarde, directamente para a aula de português, o que permitiu ao Ricardo ver três belas professoras a recitarem Os Lusíadas. Foi pena não ter aguentado a miragem até ao fim da hora e ter havido necessidade de um retiro forçado que o privou de tal ilusão, acho que até hoje nunca se perdoou por isso. Tenho presente a Sónia, a mais namoradeira de todas as namoradeiras, que começou ainda no quinto ano enquanto as restantes saltavam ao elástico, muito embora já deitassem um olho às mãos do Nelson que a percorriam demoradamente por baixo de um casaco de penas, frenéticas, desassossegadas, intrigantes. Haviam ainda festas pouco ingénuas, com recantos escondidos por cortinas opacas, cervejas de garrafa ou outras bebidas só para quem podia e colunas de som em cima das quais se dançava Peter Gabriel e REM. Lembro-me disto de tal forma, que se há coisa que me intriga é a indignação exacerbada de quem se esqueceu que há uns anos, os suficientes para estarem longe, mas não tantos para serem efectivamente eficazes na omissão da ideia, a adolescência já constituía um posto onde o corpo experimentava coisas que não devia, incorria em ameaças perigosas e testava limites, próprios e alheios. A juventude e perdoem-me a fé se a julgam exagerada, não está perdida, está só jovem. Como sempre.

(Não a sentenciarem no salão de cabeleireira aos Sábados de manhã, era de facto um favor que me faziam. Eu já não sou apreciadora da excessiva delonga, o decurso do processo é-me sinceramente penoso, não gosto de secadores, de pinças e de ceras, de tintas vermelhas nem de toucados armados em riste. O recheio de mulheres esquecidas e sentidas com o tempo, antes do tempo, é-me de todo dispensável. Há coisas, senhoras, que a sentir, é baixinho.)

12 comentários:

  1. Um bom dia, Mulher que (não) chora...))

    É Tal&Qual (imagino que se lembre) como diz: A juventude não está perdida, está só jovem. Mas diferente. Mais 'e-' e menos 'é', mais Touch e menos Toque. Custa-me saber, por exemplo, que o meu filho, que tem 15 anos, nunca saberá o que é receber uma carta daquelas à moda antiga, manuscrita, de amor e com amor, perfumada e selada com um beijo. E que nunca dançará um slow numa discoteca... rsrsr.
    Enfim, novos tempos, as mesmas vontades, outras formas de a materializar...))

    PS- Parabéns pela Escrita.

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    1. Terá outras coisa, decorrentes da evolução dos tempos. Mas terá também, certamente, diversas sensações e comportamentos típicos de adolescente. E que tenha, e que tenha...

      Obrigado

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  2. CF, também constato isso e em mulheres da minha idade, o que ainda se torna mais triste... Será que se esqueceram das "baldas" ás aulas de matemática ?
    Ou dos cigarros fumados atrás do ginásio ? Quando lá estiveram e fizeram o mesmo ?

    è a mudança dos tempos ? Será?

    Bom domingo

    :))Sorrisos

    Ana

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    1. Esquecer, não sei se esqueceram. Serão, quanto a mim, outros mecanismos psicológicos, mas enfim. Que são tristes, lá isso são...

      Sorrisos também, Ana

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  3. Muito bom! Este tenho de partilhar, até para lembrar algumas senhoras dessas que conheço ;)

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    1. Obrigada, CNS. Há senhoras destas que nunca mais acabam. Uma pena, é o que é...

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  4. Esta coisa de se ser jovem apenas até uma certa idade, anda a dar cabo de muitas visões. E pelo que consta, sempre foi assim.
    Eu lembro-me de muita coisa, até porque foi ontem à noite que experimentei a juventude novamente. Hoje, evidentemente sinto-me velha, como em todos os dias a seguir, na década de noventa.
    Bons tempos estes ! :D

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    1. A juventude deveria ser eterna, Carla. Ou no mínimo, a nossa capacidade de a viver, nem que seja só em salpicos, que nos acordam para a vida sem limites. E que bem que isso nos faz... :))

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  5. ;)

    No... woman no cry!

    http://www.youtube.com/watch?v=tzkG6Xu6lUE

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  6. Essa música Bartolomeu, essa, também se ouvia. :)

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  7. Na mouche! Parece que há um qualquer código que diz que a partir de uma determinada idade se deve criticar a juventude e uma qualquer doença que apaga os vestigios da mesma da memória dessas senhoras. Ou isso ou tiveram uma juventude muito triste...

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    1. Cat a parte da juventude triste, pode ser um facto importante. Não falei dela, mas pode ser efectivamente um motivo. Retirando este, que pode ser realmente justificativo, não entendo mais nenhum. Pelo menos levado ao extremo...

      ( Bom vê-la cá. Tranquilidade aí por casa, não?? :))

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