segunda-feira, 25 de março de 2013

pedrocas

Pedrocas está farto da escola. Fartou-se primeiro da vida, que se fartou dele em primeiríssimo lugar. Ele foi por consequência, mas ninguém acredita. Toda a gente acha que ele se encontra desfasado, mal comportado, inquieto, endiabrado. Em casa também está tudo quase farto, restam uns vestígios agarrados ao sangue que ainda o seguram a um amor cansado. Um amor desesperado, também. Na escola não há amor que resista e por isso o cansaço alteia-se pelas paredes húmidas que terminam em vidro fosco por onde o sol entra, mas não sai. Não dá a volta, morre-lhe dentro quando o encontra por entre as centenas de meninos que brincam nos átrios gelados. Agora lá, todos se fartaram. Não há estratégias nem decretos que lhe valham, afirma-se uma retenção triunfal antes dos ovos da Páscoa, atribuem-se uns dias de suspensão para encurtar o terceiro período e tornar suportável o sprint final. Toda a gente respirava na hora um alívio traduzido em interjeições de contentamento, verbalizadas em uníssono, oh, ah, que bom!. Acho que desfasei também eu na sequência. Olho à minha volta e não encontro outros locais para as crianças de doze anos aprenderem, para além da escola. E se os há, não são os adequados. É nelas que crescem e é nelas que se ensinam, não só os fáceis mas também os alunos difíceis, mais ou menos como na medicina e em todas as profissões que se prezem. Não costumo encontrar médicos que só curem simples dores de garganta, por exemplo, e que virem costas a uma esclerose lateral e mortal. E é por isso que a escola deveria lutar até ao fim por cada um dos seus alunos. Que há casos que desesperam, admito que os haja. Que há situações de difícil solução e de inerente desesperança, também consigo conceber. O que me espanta verdadeiramente é o contentamento. Uma escola que dá por perdido um aluno e que respira de alívio na sequência só pode estar equivocada. Um aluno que se perde deveria ser motivo de reflexão de todos os intervenientes envolventes, incluindo a comunidade escolar, que decerto também errou. E de  tristeza, que o caso não é para menos. Um professor que sorri de satisfação na mira da transferência é um professor que não devia ensinar. Nunca ninguém disse que ensinar era fácil. E há tanto onde se trabalhar nesta vida, que não há razões nenhumas para o fazer, se não estivermos vocacionados para tal. Ensinar não é só receber boas notas e bons comportamentos. Ensinar é também emprestar o saber ao desespero de quem não consegue fazer mais. 

8 comentários:

  1. Quantos "pedrocas" há, quantos!
    Quantas crianças há que por terem um qualquer handicap (físico, de aprendizagem, de comportamento, de..., de...) são pura e simplesmente marginalizados?
    Apenas um exemplo: onde estão os professores de ensino especial? Qual o papel activo, positivo, de alguns professores no que respeita às crianças ditas problemáticas? Contudo não seria justo esquecer as excepções. Há professores que tudo fazem em prol do sucesso dos seus "pedrocas", só que são tão poucos que não conseguem chegar a todos.

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    1. Há, claro, mas realmente não chegam. A classe do ensino é significativa e importantíssima, por tratar com crianças em crescimento que necessitam de muito investimento. O cerne está invertido, na maioria das vezes, insisto. A bem ser, o foco tem de ser sempre o aluno...

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  2. Um caso destes é sempre um falhanço, deveria provocar frustração. Pelo menos é o que me provoca a mim, por muitos que sejam os momentos em que me apetece vê-los porta fora. Causa sempre frustração, e tristeza, evidentemente. É a prova provada de que se falhou. Mas, tal como dizes, anda aí muita gente a ensinar que deveria estar a fazer outra coisa qualquer.

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    1. Isso, frustração. Análise, debruce... Nunca contentamento e alívio. Até aceito que faça parte, sei o que é cansaço. Mas desde que haja o resto...

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  3. Podes crer que é cansaço. E muito mais, muito mais do que se possa pensar... Se ser professor, hoje, fosse apenas isso - ensinar... seria bom, muito bom.

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    1. Acredito Fátima. Não estou contra vocês, também podes acreditar nisso. Só encontro o outro lado do sistema, e consequentemente vejo com outros olhos. Mas é como disse, compreendo o cansaço, a desmotivação, a frustração. Custa-me tolerar o alívio e o contentamento, porque acho alguns assuntos sérios de mais para podermos ficar felizes com eles. E para além disso, claro, também há os bons professores. Que não ensinam só, obviamente. Mas ora, Fátima, ser professor nunca foi só ensinar... Certo?

      Beijinho.

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    2. Bom, não sei a que te referes, amiga, mas devia também e sobretudo sê-lo.:) Agora é que é cada vez menos. Bons professores, há-os, claro. Assim como bons médicos. Porque estes, há-os maus, também. Há cada história, tenho um problema de saúde desde há 5 anos e se fosse a contar a história desde o início, pareceria inacreditável, os médicos que encontrei...
      Mas percebo o que dizes, de qualquer forma. Lá está, a perspetiva tem sempre de ser vista de dois lados (ou mais).:)

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    3. Bom, partindo do pressuposto que crescer é aprender, é ensinar efectivamente, o que maioritariamente um professor faz. Mas na inerência deve ouvir, deve partilhar, deve orientar, deve preocupar-se, enfim, um conjunto de coisas que transformam o ensino e a aprendizagem num processo muito interessante. Há coisas no ensino que deveriam ser indiscutivelmente diferentes, e tu saberás disso melhor do que eu. Falo do sistema em si, de como se alterou não necessariamente para melhor, de como a sociedade evoluiu, negativamente, em alguns aspectos, sem o devido acompanhamento por parte do sistema de ensino. São só exemplos, que isto seria um nunca mais acabar. A escola representa hoje, e para muitas crianças e jovens, um lugar onde existe alguma segurança que não encontram em casa, por exemplo. Se a comunidade educativa não estiver disponível, temos um problema sério. E muitas vezes, não está. Por cansaço, como tão bem referes, por outras questões, diversas. Claro que em todo o lado há bons e maus. Mas há bons e maus com reflexo importante, como os dois exemplos que referimos. A curto, médio e por vezes a longo prazo...

      :) beijinho

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