segunda-feira, 20 de outubro de 2014

não que seja pouco, mas

dantes não era assim. Dantes não havia net nem youtube, e as músicas ouviam-se numa estação de rádio muitas vezes de mau gosto, dizia eu, na altura adolescente, pessoa de gosto duvidoso. Aqui na terra ouviam-se então os discos pedidos, uma hora por dia em que podíamos escutar a música que nos elevava os sonhos, que nos rodopiava o corpo mesmo sem querermos, que nos atingia a dinâmica própria das meninas de catorze, uma coisa que não tem descrição possível porque não há palavras que traduzam a idade em que tudo se sabe, sem nada se saber ao certo. É por isso que eu acho que o meu filho tem sorte em ter uma lista escolhida por ele num programa concebido para o efeito, com o propósito de outros rapazes e raparigas iguais a ele poderem escutar o que entenderem, sem que para isso tenham de esperar pelas seis da tarde, perto de um telefone fixo que marque o número que os deixará no ar, a solicitar a banda sonora do momento. Ou isso ou passar o dia com o ouvido ligado à estação que passa tudo menos o que apetece, à excepção de uma ou duas vezes por dia, claramente "a hora do dia". Depois, quase ao mesmo tempo, acho que ele tem algum azar. Quando penso que ele nunca saberá o que é a borboleta da expectativa por pequenas coisas, que são maiores do que o mundo. E que terá dificuldade me perceber o valor da espera e o que se poderá fazer com ela, que é uma infinidade de coisas que já nem me lembro. E que não chegará a experimentar a loucura que é ligar para uma rádio e falar em directo, enquanto se pede com vergonha "aquela música". É que depois "aquela música" sabia a vitória e a vontade, enquanto as músicas de hoje sabem só a música. Não é que seja pouco, que não é, mas dantes não era assim.

(O esforço de hoje está em saldo, é só carregar num botão. Vem em rolo continuo, ininterrupto, e quando pára bloqueia o cérebro. )

2 comentários:

  1. As coisas mudam... tudo muda com o tempo, e que seja para melhor. Um dia os nossos filhos dirão e recordarão que no seu tempo era diferente, era melhor, assim como nós, hoje, com a saudade, achamos que dantes é que era bom. Será sempre assim. Um beijinho com um sorriso de simpatia. Isabel

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