domingo, 6 de fevereiro de 2011

Belezas


Não havia um outro sítio, onde se comesse a sardinha assim fresquinha, de olho bem aberto, e lombo de prata. Chegavam directamente da lota para ali, numa vida inundada de mar e liberdade, cessada por uma rede de pesca, puxada a braços. As pobres, perante a ausência do seu meio, remexiam-se numa aflita inquietude, em ânsia de saltarem de novo à água, tarefa impossível, tal o preceito dos pescadores. Zé chegou a ir, num pequeno barco riscado a azul e encarnado, onde o seu pai passou noites a fio, sob um olhar atento da lua, fiel protectora das gentes do mar, que sem ela, tudo se escurecia. Em noites de nevoeiro, ouvia-se o farol ao fundo, desde há muito e ainda hoje, com vista a guiar as pobres almas carecidas de guardião, não vão nalgum desvio involuntário, incursar nos rochedos escarpados, quase tão belos como mortais. Embora possa nem parecer, era exactamente aqui que ambicionava chegar, sendo que foi das primeiras pessoas, o Zé, que hoje assa, e que em tempos pescou, a confidenciar-me esta nossa estranha particularidade, aplicada em diversas facetas da humanidade ou mesmo da natureza, onde o belo se cerca do perigo. Nem necessitava tê-lo feito, que de tão óbvio ser, decerto aprenderia esta realidade com relativa facilidade, embora esteja agradecida pela generosidade do ensinamento, não quero cá que me julguem, de ingratidão inundada. Ora nem necessitamos grandes pensamentos, que logo nos ocorrem diversas situações, sendo que deixo, e apenas a mero título de exemplo, as cobras coloridas inundadas de veneno, os mares revoltos e assustadores, entre outras realidades que poderíamos nomear, aplicáveis a diversas contextos, embora nem me pareça necessário, tal a facilidade com que todos imaginarão o seu exemplo.


Engenhosa esta apropriação do belo, que de si mesmo se aproveita com um intuito de atracção, a fim de seduzir a ingenuidade, que se cerca de vontade e se deixa sucumbir, perante um poder não raras vezes efémero, ou se não isso, pelo menos, um perigo evitável. Se não fossemos nós sedentos da beleza...

3 comentários:

  1. gostei :) vou passar cá mais vezes ;)

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  2. O animal na foto é uma irukandji, nome de uma tribo de aborígenes australiana que descreve, no seu folclore, uma doença inexplicável (síndrome de irukandji) que atingia as pessoas que nadavam no mar, e que não raras vezes conduzia a uma morte atroz. Ainda hoje não há antídoto para o seu veneno.
    A irukandji está condenada a este antagonismo, tanta beleza que chega a ser mortal.
    Parece que esta relação beleza/perigo é uma constante. Frequentemente, as coisas mais belas têm tendência a provocar "síndromes" que conduzem à tragédia, e não falo apenas no campo da biologia...

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