terça-feira, 30 de abril de 2013

exames nacionais

Os exames do primeiro ciclo do ensino básico são já na próxima semana. Neles miúdos de dez anos têm de prestar provas de tamanho considerável, em alguns casos extra escola de frequência, sob vigilância de desconhecidos e em situação de rigor considerável. Não me venho pronunciar propriamente contra ou a favor, venho apenas considerar a pertinência dos mesmos. Os objectivos são por certo aferir resultados a nível nacional, com vista a uma padronização de objectivos e competências nos mais diversos domínios. Fazem-me lembrar os antigos exames da quarta classe que assustavam quem sabia trautear rios e províncias, linhas de comboio e serras, oceanos e capitais. Hoje o ministério concentra energias redobradas em organizações que vêm atestar um ciclo de ensino básico dado por professores de competência, numa seriação de números de um a cinco, auferidos numa manhã que pode ser clara ou escura, depende, também de um conjunto de circunstâncias, demasiadas, para cabeças pequeninas. Muitas gerem ainda a ânsia parental, coisa que convenhamos, não deveria ser para aqui chamada. Gerem também a ânsia do colega do lado e a ânsia do melhor amigo, para além da própria, claro, quanto mais não seja a inerente ao desempenho na situação concreta, também de logística considerável. O intervalo serve para o lanche, o telemóvel se o houver fica na caixa destinada ao efeito, se existir uma bexiga chata, deverá haver acompanhamento ao WC, o relógio não pode apitar e a caneta tem de ser preta. O cabeçalho deverá ser preenchido devidamente e com auxílio do cartão de cidadão, em mais sítio nenhum da prova deverá haver identificação. As folhas de rascunho, muito embora específicas, não são consideradas para cotação, não convém portanto esquecer a transposição de toda e qualquer informação importante. Se houver enganos há um risco por cima, nada de correctores.
Tudo isto consegue parecer-me normal e exagerado, exactamente ao mesmo tempo. Normal se tivermos em conta a verdadeira atitude que deve acompanhar as provas, generalizada a todos os intervenientes, ou seja, uma concertação de notas, nada mais do que isso, onde os alunos mostram tranquilamente o que aprenderam. Exagerado porque esta realidade não é abrangente e as condicionantes são mais do que muitas, o que transforma a prestação de provas numa pressão desnecessária e excessiva para algumas crianças, que terminam uma escolaridade minimamente protegida e tranquila. Mas mesmo encarando a possível atitude de normalidade nos exames por parte de todos os envolvidos, assumo, continuo a questionar a pertinência de reavaliar crianças pequenas já avaliadas num ciclo básico, onde as capacidades e competências são postas à prova diariamente e em diversos domínios, de  forma natural, e onde o ingresso ao nível seguinte é obrigatório, necessário e evolutivo.  

segunda-feira, 29 de abril de 2013

será que os anos fazem isto?




Não sei onde foi que li, mas li e lembro-me perfeitamente. Aquela que hoje é considerada a mulher mais bela do mundo, Gwyneth Paltrow, que na altura namorava com Brad Pitt, foi apelidada por uma revista feminina da época, de bastante feinha. Nunca concordei com o comentário depreciativo, que presentemente deu lugar a pódio, bem interessante, por sinal. Recordo perfeitamente a actriz, com tez branca e aparência delicada. Feinha seria exagero, mulher mais bela do mundo eventualmente também o será, só que desta feita a designação vale a pena. Subsistem-me por ora duas questões pertinentes. Terão essencialmente mudado os padrões de beleza, desde 95 a esta parte? Ou serão só mesmo os anos, que também fazem disto?  Gosto, gosto muito desta última. Hipótese, e fotografia:




domingo, 28 de abril de 2013

...

(e diz que hoje se deve sorrir)

grande irmão

Parece-me continuar importante para o País pessoas que vivem em regime de clausura, dentro de uma casa observada. O pressuposto tem interesse e origem determinada no grande irmão. Há um único envolvido no processo, de fora para dentro. De dentro para fora há gente que dá a conhecer podres e predicados, emergidos num ambiente de convívio com estranhos que num ápice se tornam amigos do peito, ou não sejam os únicos com os quais se pode contactar. Sobrevivência, nem mais. Ensaiam-se no inicio poses e discursos, como em qualquer inicio do que quer que seja, realidades essas que morrem de cansaço em pouco tempo. Admitamos, ninguém finge 24 horas por dia, há que entender. Uns instantes e são eles mesmos, sem pose e artimanha, claros como água. O que me faz pensar são outras questões. A sujeição de quem se sujeita, por exemplo. Voos altos (?) se impõem, mas a exigência é grande. A questão da sanidade mental após o tempo de retiro, outra. Manter-se-á? Haveria antes? A haver, teve um descaminho momentâneo que permitiu a excentricidade? E a partilha declarada do que sempre se resguardou? Muito ou pouco, não interessa. Há porém uma coisa que não me suscita dúvida alguma. As vidas dos outros continuam do melhor que há no mundo. Causam curiosidade, despeito, inveja, desprezo ou simpatia. Preenchem, distraem, relativizam, empolgam, indignam, sacodem e irritam, mas fazem-nos sempre qualquer coisa. E qualquer coisa, convenhamos, é sempre melhor do que coisa nenhuma. 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

liberdade

Não comemorei coisa alguma, não estive para isso. O dia, ainda assim, teve coisas. Há sempre coisas dentro dos dias, os dias são feitos para tal. Uma tomada de consciência da maioridade da afilhada revolucionária, da qual eu lembro perfeitamente o nascimento. O tempo voa e eu voo atrás, domínios do absoluto, há que aceitar. Os legos, esses, estavam um encanto. A Miss Piggy encavalitada numa mota e a dizer adeus, também. De lado encontram-se as construções do meu tempo. Peças soltas e de cores variadas, portas e janelas de portada, telhados e pouco mais. Nada de legos temáticos que hoje me chegam a casa com desenhos construídos à medida de um papel. E o sonho e a imaginação, caramba, moram onde?  Mais de noite, e muito, muito longe, escolhem o que não podem escolher. Quase que me acenam um cravo, que se calhar não cabe nas mãos, ou então é só branco raiado. O meu filho pergunta-me coisas sobre liberdade e sobre a revolução. - A partir de 1974 fomos livre, ou não? Tu já nasceste livre, mãe. - Sim filho, nasci. Todos, invariavelmente, gostamos de pensar que o somos, é esta uma das poucas formas de liberdade que conheço, ainda assim limitada. Será que conheço pouco? Sim sim, tenho um enorme apreço pelo caminho percorrido, só não consigo abstrair-me do todo, do dentro e do fora, da abrangência. Não sei sequer se o termo em estado mais puro se amolda connosco, mas quase arrisco dizer que não. Viva a liberdade. Viva!!

quinta-feira, 25 de abril de 2013

fado

Desci a rua com a rapidez do relógio que insistia em correr como se o tempo não fosse meu. Carreguei no botão do elevador que estava no terceiro e que desceu devagar, subi e olhei para o espelho que me encontra sempre como se gostasse de mim. O espelho sorri-me com uma cara deslavada e cansada em direcção ao desespero, que me espera sentado na sala a ler uma revista cor de rosa num interlúdio suspenso, nos momentos que antecedem o jazz que acompanha invariavelmente as palavras. Se há coisa boa a acompanhar palavras é o jazz, vão por mim, sei do que falo. Elas nascem e por vezes sinto uma vontade imensa de quebrar a regra e a lógica e me deixar esbarrondar em sustentos mais firmes do que o chão que piso naquele exacto momento. Não há nada mais inabalável do que o sabemos no corpo,  e igualmente na alma. Aquilo foi quase um instante, desfizeram-se as lágrimas, limparam-se num kleneex amachucado entre duas mãos que pareciam tenazes frouxas e olhou-se para os carros que passavam a velocidade estonteante, para dentro de uns olhos parados. Mais umas coisas e veio o regresso. O rádio cantava um fado, e o que eu gosto de fado. Não há música maior do que um fado. No fado cabem as palavras e os gestos, as dores e os amores, as angústias e os silêncios, de nós. Um dia faço um só para mim. Vai começar e acabar corrido, dançado sozinha numa noite fria de inverno. A lua pode ver-me, e mais ninguém. Dispo-me de olhos, de espelhos, de ouvidos e de mãos e escorro, noite afora. Se puder ser esperas-me ao fundo. Os teus braços, sim, os teus braços. São o fim de mim e são o fim do meu fado. 

terça-feira, 23 de abril de 2013

pés

Do que eu mais gosto nesta época do ano, é dos dias que me permitem mostrar os pés. Os pés são a parte do corpo que matamos no Inverno em meias e botas quentes, quase esquecendo a calzedonia ou a omsa, dependendo do gosto ou do local de residência, entre outras várias questões. O Sr. Zé dos três balcões, por exemplo, serve de meias e com preceito algumas senhoras da minha cidade, da liga de elástico abaixo do joelho, sabe lá ele o que é a liga de renda abaixo da coxa. E se souber, não o diz  ninguém, é o seu segredo, guardado a sete chaves da mulher que costura por trás de uma cortina baça e cinzenta, através da qual espreita a clientela diversa. As de mousse ainda se vendem, diz, mas são as de vidro que fazem as delicias da perna mais fina, da saia mais curta, do vestidito florido a pincel de cores vivas que ornamentam uma sociedade decadente, já sem recantos ou pastelarias, sequer  chafarizes de água corrente. Nasceram alguns ainda agora, vindos de parte incerta, secos, vazios, mais ou menos como as pernas das velhas que repuxam as meias com as unhas, pele afora, até aos ossos esquisitos do joelho. Não tenho medo nenhum de libertar os pés ao fresco ar primaveril, dizia eu. Não me inquieta minimamente soltá-los em sandálias de salto que me deixem espreitar as unhas encarnadas da cor do sangue ou azuladas da cor do céu, arrisco até um laranja cor de citrino ou um coral que faz um pendant descomunal com o meu vestido curto, o único que  me deixa mostrar as pernas. É que estas, por sua vez, merecem recato. Costumo guardá-las até lá mais para o verão, escondidas em tecidos leves e esvoaçantes, sem deixar às vistas a sua pose magricela e desajeitada, visão só justificada com os quarenta graus do verão e nunca antes, por mais coisíssima nenhuma. Um dia destes, lá para Agosto, vou colocá-lo no corpo mais uma vez. Obviamente com umas meias, umas sandálias de salto fino e um lenço doirado ao pescoço, que enfeitarão a volta pela cidade, sem destino, eventualmente com direito a passagem na loja do Sr. Zé. O Sr. Zé merece a distracção  de tentar concluir onde compro e onde acabam as meias enfeitadas que me sobem pernas acima, sem pontas escuras, a deixarem antever o verniz colorido e curioso que quase toca o chão na minha passagem, descontraída, no fim de uma tarde de verão. Costuma sempre sorrir a quem passa, uma simpatia. E faz  uma vénia, o que convenhamos, é uma coisa quase tão antiga como as ligas de elástico, os três balcões da sua loja, a cortina que esconde, a mulher que costura e o divertimento da imaginação farta e pródiga, daquilo que não conseguimos ver com os olhos.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

...

Não tenho nada contra pessoas demasiado magras. Só não as aprecio em publicidades influentes, enquanto tendência. Anteriormente, deixávamos isto só para mulheres. Avançamos, claro, chegamos ao culto masculino. Unconventional chic da Lacoste, é para homens que só comem ervilhas? Ou entraremos breve num novo limite, até hoje reservado ao frágil estereótipo feminino?

sexta-feira, 19 de abril de 2013

nos meus sonhos, mando eu

Não sou comedida quando sonho. Sonhar é alto, que quando assim não é escuso-me ao trabalho da imaginação e concretizo. Faço, aconteço. Imaginar dá trabalho, convenhamos, e traz alguma impaciência, uma ânsia miudinha de quem espera uma coisa que pode nunca acontecer. Tal estado de ânimo merece portanto excessos e desmandos do corpo. Já que não fora, ao menos dentro. Não costumo ser parca nos sonhos, já disse. Irrita-me seriamente quem sonha  com um colar de pérolas falsas ou com a tibieza de um afago frio, e dou-me a mim mesma o direito de não considerar grandemente a questão da contingência e da condicionalidade. Isso temos todos, ora, mesmo antes do sonho e da idealização. Se é para nos reduzirem no campo do devaneio, escusamos o dito e trabalhamos com vigor a circunstância, com sorte as impossibilidades caem-nos no colo, com azar, não. Também não aprecio as teorias que afirmam peremptoriamente que sonhar muito alto nos coloca sujeitos à desilusão. A vida encarrega-se sempre de nos malograr o corpo, ainda que com as realidades certinhas e pequeninas, mesmo aqui do lado. Não frustro apenas porque ainda não fui à lua, acreditem, posso muito bem iludir-me com outras realidades banais. E desiludir-me logo a seguir, é a vida. Portanto, prefiro dar-me a esse luxo, aceitem por favor a perspectiva. Gosto particularmente de impossíveis ou quase. Os impossíveis ou quase permitem-nos uma projecção idílica do melhor que pode haver. Não me digam, estão terminantemente proibidos de me dizer, que eu não vou voar num tapete. Tal como estão proibidos de me aclarar as ideias quanto à possibilidade de um dia eu ser organizada ao ponto de saber exactamente onde estão todos os papéis quando chega a data da entrega do IRS. Isso vai acontecer-me, creiam nisso. Este pode até parecer um sonho pequenino e menor, mas olhem que não. É um sonho significativo, pela exigência que me acarta, mesmo que apenas cá dentro, em projecção. Dos impossíveis, diria até. Não é fácil a organização de um sonho, por certo concordam comigo. A organização de um sonho pressupõe princípio meio e fim, sob pena de o mesmo não assumir consistência digna do nome. Não devemos começar sonhos sem os acabar. Deixá-los à mercê da ideia vaga, do lugar casual, do vamos a ver. Vamos a ver, coisíssima nenhuma, eu começo e eu acabo, tal e qual eu quero e como eu quero. Nos meus sonhos, nem que só neles, quem manda sou eu. Nos meus sonhos, os papéis do IRS, por exemplo, estão sempre na devida ordem. Por datas e rubricas. Não perdi nem um único recibo verde, declaração de empréstimo, de renda ou de vencimento. A pasta, discreta, está devidamente acondicionada na secretária da sala, e é entregue ao contabilista muitos dias antes do prazo final. A simulação é feita prontamente e fico logo a saber que recebo o suficiente para ir de férias, com um dinheiro devolvido a horas pelo estado. Tenho destino e companhia e o que ainda me falta é cá comigo. É a parte que eu sonho num sonho muito maior.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

ribeiras

Nem sequer bem lembro se é Branca ou Ruiva, tenho apenas em memória ser uma das Ribeiras. A da Dona Antónia e sua bata florida, com sorriso rasgado, ambos ainda existem. De verdade. Batas perdidas nos barracões das províncias, sorrisos daqueles aparecidos em rostos francos, abertos. E cultivados, remoçados. Amassa a punho bolos de cabeça, do melhor que há no mundo. Sempre iguais. E de milho amarelo, farinhentos, doces. Hoje deram-me a novidade das pepitas de chocolate, desconhecia. Insistiam, eu resistia. Cedi, contrafeita. Não estraga de todo, mas não gostei. Logo eu, que até gosto de chocolates. O original de massa lêveda e sabor a fermento, sem mais nada a não ser lisura, é que me enche o palato de chiliques miudinhos regados a café forte. Os de batata doce com frutos secos, são outros que tais. Podem comer-se fresquinhos do frigorífico, a fruta ganha um outro encanto, primaveril. Desfazem-se nas minhas mãos antes de chagarem à minha boca, ainda no carro. A gula, meu Deus, a urgência arrebatada da gula. Um dia, há muito, encontrei Antónia no processo de amasso. Mãos enfarinhadas, palavras quase tão doces quanto o açúcar em pó dos bolos ricos. Eram reis, era Natal. A vida andava farta de mangar com ela e com os seus. Fazia pão, dedicou-se também aos bolos, gosta muito, são mais doces. A vida manga, mas ela fintou-lhe os passos, esquerdos. Ó, se fintou. A braços, noites afora. Todas, exceptuando as de Domingo. Nessas, descansa. Aos Domingos, noites do senhor, não se amassa, não se coze, só se dorme. Sempre igual. Há uns dez anos que não a vejo. Há uns dez anos que lhe como os bolos de cabeça sempre que passo na venda ao lado, vindos directos da Branca ou da Ruiva, não sei. Só sei que são da Ribeira, são doces e são lêvedos. Mando cumprimentos, inquiro do estado de saúde, dela, dos seus, e provo tudo no carro. Só simples ou de frutos secos. Logo eu, que até gosto de chocolates.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

(...)

(O meu blog gosta de preto e de branco. Achou-lhe piada, tomou-lhe o gosto. Ou é de modas, pronto!)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

hereditariedades

Os cafés da manhã são usualmente de pé. Por isso oiço bem, demasiadamente bem, especialmente quando as pessoas luxuosamente sentadas elevam o som das falas que sobem até aos meus ouvidos, pobres deles, em franco anseio por silêncio. Hoje é segunda feira, com manhã guardada para um despertar tranquilo. Mas é especialmente neste dia, que nunca posso ousar sentar-me. Entraria sem demora em modo de descanso, julgar-me-ia eventualmente em fim de semana prolongado com direito a pastel de nata e a jornal, quem sabe a laranja espremida na hora, cenário demasiado ocioso para quem só pára pelas vinte e uma, se a sorte andar de feição. Resta-me a bica, e que se me abram os olhos. Na mesa mesmo atrás, debatia-se a criança que só faz o que quer, devidamente acomodada pela hereditariedade recebida do avô. O assunto referia os deveres, só executados quando a disposição a isso se propõe, e nunca quando a mãe manda a tarefa. -Vai fazer os deveres, filha. - Não vou!, era o discurso sorridente da senhora, orgulhosa do génio da sua filha, vindo algures já de há uns oitenta anos, saltando corpos, sem hipóteses de morte matada de vez. Só faz quando quer, e não vale a pena teimar com ela, que na insistência nunca obedece, rematou. Estive quase a voltar-me e a lançar umas questões para o ar, poderia haver na mesa algum interessado em responder-me, ficar-lhe-ia eternamente agradecida. Intriga-me por exemplo o que irá a moça fazer daqui a uns bons anos, quando ao corpo não apetecer a imposição da obrigação, e tiver de levantar-se às segundas feiras pela manhã. Não o fará? Irá fazê-lo somente à terça, dia em que a segunda já passou, ou prolongará o descanso até à quarta, meio da semana, excelente dia para começar? Saí do estabelecimento significativamente mais acordada, é um facto. Tudo tem um sentido prático, e eu precisava de um ânimo espicaçado que me transportasse até algum lado que não aquele, ronceiro, contagioso. Assim ao menos, fiz-me acompanhar de pensamentos acesos, ainda que o corpo persistisse em vergar ao vagar. Mães que têm filhas desobedientes são um problema quase sério.  Mais sério, são mães que têm filhas desobedientes e que atribuem essa mesma desobediência unicamente à genética. Culminando no problema seríssimo, guardado para as que ainda se orgulham do génio herdado das criancinhas. Não há nada a fazer, foi a frase que guardei comigo, enquanto pensava para dentro que de facto não havia: hoje é segunda feira e eu tenho de ir trabalhar; a hereditariedade que me guardava os caprichos, asseguro-vos, morreu nova ou não sei dela.

domingo, 14 de abril de 2013

foi ontem o dia do beijo, e aqui nada se disse... ou de como a arte também nos faz falta.



Clark Gable e Vivien Leigh em 'E Tudo o Vento Levou' 

Este parece que é memorável. No cinema existem alguns outros, e a verdade verdadeira é que revelam, apenas, a grande competência representativa dos protagonistas. Mas nunca reúnem a realidade de um beijo. Ideamos pela construção cinematográfica, bem como por outras artes. Valem pela projecção, e revelam-nos a verdadeira importância do imaginário. É que o que criamos na mente, também se alcança. Pode chegar até a ser palpável: nos nossos sentidos.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

classe



Precisamos dela, também como reguladora do capricho do "querer". Não, não me venham com a máxima, desusada, de que podemos tudo quanto queremos. Uma mulher pode, e muito, mas perdê-la, à classe, será porventura o derradeiro do destino. A mim, juro-vos, antes me levem pérolas e caxemiras.  

quinta-feira, 11 de abril de 2013

mãos

Chamaste-me para perto sem acenos que se vislumbrassem ao longe e estendeste-me umas mãos com linhas desenhadas a dias. Os dias desenham-nos a alma e os traços do corpo que eu encontro também nos meus olhos quando me vejo ao espelho. Olho muitas vezes, sabes disso. Componho as expressões como quem desenha traços precisos que acabam a servir para que ninguém me leia a não ser que está cá dentro, e isto sem empenhos demasiados para guardar o corpo, por vezes cansado do lugar escondido. Porém quando me leste devo ter-te construído as frases ao rigor de um pormenor que fez com que a partir de determinado instante, acho que sei qual foi, me soubesses na ponta da língua. Não obstante pincelo os olhos e pincelo também as rugas dos lábios. Pincelo as maçãs do rosto e procuro delinear as sobrancelhas que emolduram os anos que já se vêem. Nós somos os anos visíveis, sabes disso. Melhor dizendo, é o nosso corpo que nos permite ver o tempo. Ainda hoje contei um quanto. Não me dei ao trabalho de quantificar em número absoluto, sei qual é, de qualquer forma. Percebi apenas ser abundante, principalmente se me rio. Deveria de ser ao contrário, uma mulher nunca deveria transparecer rugas quando sorri, nem que seja para ela própria. Revela um ar cansado que faz com que a espontaneidade possa aturdir-se, submergida em vaidades. Não me acontece, devo dizer-te, mas desconfio que desconfias. Estimo as expressões dos anos como quem estima o contorno da boca ou as curvas do corpo, e apetece-me sorrir-te ainda com mais força. É claro que a graça me abandona. É claro que o encanto esmorece nos traços que me emagrecem o vigor do corpo. Mas deixemos-nos disso, anda. O que eu gosto mesmo é do sossego das tuas mãos. 

terça-feira, 9 de abril de 2013

da critica, por exemplo

Vejo-a à artista plástica Joana Vasconcelos, mais ou menos como a vi a José Saramago, muito embora em terrenos completamente distintos. Amália Rodrigues recolhe eventualmente maior convergência, um respeito pelo fado, mesmo de quem não o escuta. É assumidamente mais nosso. Não está em causa unicamente apreciarmos a obra, está em causa a dimensão que atinge. E se o além fronteiras nos reconhece o valor, só nos fica mal o desdém e a falta desse reconhecimento. Revela alguma pequenez mascarada com eruditismo de trazer por casa. Aposto que os indignados nunca se viram olhos nos olhos com o coração vermelho de talheres. Nem se passearam às escuras no Jardim de Éden. Mas se foi o caso, e não gostaram, salvaguardem então o  respeito. Será eventualmente o mínimo a que nos devemos obrigar, perante quem tem mérito e nos leva além. Quer gostemos, quer não gostemos.

( O facebook é um mundo perfeito. Nele encontramos arte e pessoas, frases lindíssimas e verdades absolutas, gente que opina sobre tudo e sobre nada, e ainda pessoas que julgam que expor na Ajuda, após expor em Versailles,  é o mesmo que coisíssima nenhuma.)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

excessos temperamentais

Um estendal cortês, a quebrar-se, fá-lo vazio de roupa. Antes de se dar à tarefa, ou logo após findar a mesma, e unicamente se em estado de exaustão mortal. Um estendal indelicado ousará a roupa meio seca, num vendaval serôdio, irrequieto. Já um estendal intempestivo quebra-se no exacto instante em que a última peça molhada lhe pousa o corpo. Uma síncope caprichosa, é o que é. As senhoras, posso afiançar-vos, não usam gostar destes excessos temperamentais em géneros opostos. Sôdonas somos nós, ora essa!

domingo, 7 de abril de 2013

seriam loucos?

A excepção merece sempre o realce, por ser excepção. É por isso que também a loucura ocupa sítios em filmes, em livros e em vidas, e quase todos gostamos de a ver, de a ler e de a tentar perceber à luz do que os olhos nos vêm rectilíneos, nas inclinações dos costumes. Quem levanta, vive, dorme e sonha, sem que para isso extravie, não tem direito a história visível. Concebo perfeitamente, eu própria me encanto com diferenças e desajustamentos, sendo porém terrenos delicados pela tenuidade das linhas que regulamentam normalidades. Existem desfasamentos devidamente contextualizados, perfeitamente adaptáveis à raça humana, sem que o sejam porém na sua completa abrangência. Serão aqui, não acolá, o que é por si só uma delicia. Nada é mais cómodo do que sentirmos a possibilidade de sermos praticamente tudo em algum sítio, nem que seja um sítio quase deserto de gente. Divago após o conhecimento de que colocaram o Senhor do Adeus em estória. Já o haviam cantado em música, devidamente interpretada, melodiosa, ritmada, em homenagem, nada a opor. Dizia adeus no Saldanha, Seria louco?
Um louco simpático, e por outro lado, cativa sempre multidões. Lembro Géninho, o louco cá da terra, que há-os sempre e em qualquer lugar. Oferece flores às mulheres a quem pergunta pelo marido e pelos filhos, na porta do talho, no largo das estátuas e das senhoras de cabelo armado a toucador, ao Sábado de manhã, antes ou depois da praça do peixe. Todas se deliciam perante a gentileza tacanha enquadrada num nariz torto e num semblante contente, sempre igual. Nunca fez mal a ninguém. Que se saiba. Será louco?
Depois existem outros eventualmente mais preocupantes do que o homem que sorri a quem passa. A inofensividade da loucura servirá eventualmente para enquadrá-la aos nossos olhos. Uma loucura boa é diferente de uma loucura má. Uma loucura boa pode ser aceite, ainda que louca, uma loucura má pode ser perigosa. Lembram-se desta? Será loucura?
Até que ponto a essência da bondade poderá ser perpetuada na existência e até à morte, sem que os desfasamentos virem direcções, é uma questão importante. De resto, alia-se a loucuras menores, ou seja, a todos nós e consequentes percursos. O Homem do Saldanha, entre outros, morreu no auge da sua simpatia. Tivesse ele enlouquecido mais qualquer coisa, e poderia ter sido agrilhoado. Tivesse perdido a interacção, e teria sido eventualmente esquecido. Realmente solitário, certamente nem teria sido louco. Dizer adeus a quem passava deveria esconder uma história que ninguém conhece. Quem sabe entregue a tristezas engolidas num braço que se levantava mais à noite, porque o dia fazia doer. Todos retribuíam, ele era bom, só era louco.
Uns dias depois da sua morte uniram-se multidões para dizer adeus a quem passava na praça do Saldanha. Seriam loucos? 

(Reservei-me no direito de não colocar comas. Seriam imensas, aqui e ali. Por certo perceberam que as considero perfeitamente empregues, pelo que as imaginem em cada uma das loucuras que descrevo no texto. Quanto ao estranho hábito de homenagearmos e considerarmos grandes loucos, só depois deles morrerem, vou-me abster de comentar. Parece-me qualquer coisa próxima de loucura.) 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

limitações

Deslizam por entre um mundo de espelhos invisíveis que só eles vêem. Próprio da personalidade histeriónica, mais que evidente. Sempre senti alguma aversão pelos neuróticos histéricos que intentam seduzir o mundo como quem se vende em cada passo, criteriosamente arquitectado no rigor do detalhe. Neles o outro é claramente menor. Acham-se ainda na condição de matar sonhos como quem pode fazê-lo de um lugar superior, e isto é só um exemplo. Assim "crescem" mais um bocadinho. Não gosto de quem mata sonhos com maldade. Quem mata sonhos com maldade deveria ter direito a uma pena de prisão efectiva, sem que para isso precisasse de existir um decreto. Quem mata sonhos por maldade fá-lo devagarinho, ardilosamente, para não ser descoberto. Mata sonhos com maldade quem precisa de alimento. Bem sei que é um mecanismo psicológico importante, tal como o cariz exibicionista da necessidade, e que quem o pratica é também "a vitima". Mas convenhamos, a falta de humildade é danosa para quem vê, mais ainda para quem sente. Perdoo mais facilmente outro tipo de lamentações psíquicas, e isto, reconheço, é já defeito meu. Sou capaz de dar mais crédito ao obsessivo que confirma o gás mil vezes ao dia sem nunca acreditar no que fez, do que ao airoso que se exalta em talentos inquestionáveis. Um bom psicólogo deveria sempre compreender as pessoas e justificá-las ao limite da irracionalidade, independentemente dos rasgos de personalidade que apresentem. Eu por vezes limito-me a observá-las, e isto nos mais diversos domínios e dimensões. É claro que tiro conclusões, a minha limitação tem limites. Como por exemplo, há quem saiba escolher o momento de sair, há quem saiba escolher o momento de chegar, há quem saiba escolher o momento de falar, e com tudo isto diz apenas: Estou aqui, olhem para mim ai de baixo, são todos menores do que eu. A vida é feita de momentos destes. Em que uns iluminados impõem, outros matam, uns compreendem, outros acreditam, outros ainda apenas olham. E amanhã será sempre hoje outra vez.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

atchim,

Ouvia eu da boca de quem sabe, que o atarax escasseia nos mercados. Afugenta-se para outras paragens, deixa o povo entregue à comichão e ao prurido, eventualmente à insónia. Numa época primaveril, valha-nos a chuva a limpar os canais respiratórios. Numa época de crise, valham-nos alguns períodos de descontracção, tal como hoje, dia em que as piadas nascem em catadupa, com e sem sentido, com e sem humor, mas sempre capazes o suficiente para que os sorrisos se rasguem a olhar fotografias "confeccionadas" por quem gosta da boa da anedota. Somos bons nisso, gostamos muito, deveríamos quiçá expandir o "negócio". Mariana, por exemplo, engolia comprimidinhos desses três vezes ao dia. Assim respirava, assim sossegava, assim dormia. Ana não os suportava. Eram suficientes para que o cansaço lhe aturdisse corpo e espírito, e para que o sono aparecesse a horas impróprias. Em cima da secretária, na mesa da cozinha, no volante do carro, tudo para que conseguisse respirar sossegada. Os médicos, esses, devem andar loucos há muito. Há fórmulas que não podem desaparecer do mercado, sob pena de perdermos um recurso admirável para males diversos. Substâncias com duplas intervenções são sempre de preservar, convenhamos. Soube que no caso vamos comprá-la aos nossos vizinhos espanhóis, faz-nos falta, é um facto concreto. Mas o que eu quero mesmo ressalvar é a facilidade com que nos desenrascamos. É nosso, tipicamente português. O atarax pode ser facilmente substituído por outro de carácter semelhante, com forte poder anti-histamínico. Não há é mais nenhum que ponha a dormir criancinhas e adultos desassossegados, pelo menos com a atenuante terapêutica da cura da alergia. Um atchim, santinho, abençoado e milagreiro. 

terça-feira, 2 de abril de 2013

águas

As fontes do Martim Moniz são as que melhor alvitro, mas tenho por certo já vir de muito mais longe na linha recta do tempo. Dos poços e das poças, dos rios e dos ribeiros do agrião doce. Mas é concreta a memória da época em que me passeava nas fontes novas daquele largo, quando me apetecia ao exagero da vontade enfiar os pés na água e deixar-me estar, nem que para isso me arrefecesse o tutano dos ossos. Fujo quando isso acontece, claro. Banho-me sempre com cuidados redobrados nos nossos mares que arrepiam até os peixes, meto um pé de cada vez, tremelico o queixo e arrisco a cintura, raramente deixo cobrir os ombros. Atribuo portanto esta vertente a algum recalcamento que anseio consciencializar, não clareando o fenómeno que assim encaixo num mero gosto, sem debruces afincados ou demais explicações. Sei que não é verdade. Bastam-me cheias, por exemplo. Ponho os olhos aqui e quero rumar ao sítio onde poderei observar e sentir as correntezas que correm mais ou  menos furiosas, não me importa sequer, gosto igualmente de águas paradas. Devo dizer que a cor escura me acanha. Aprecio essencialmente a limpidez que me permite olhar o chão que repousa em baixo. Gosto de perceber as rochas que a suportam. Preciso de sentir a areia que se enrola do lado de dentro do mar. Talvez esta minha explicação não sirva de coisa nenhuma para quem me lê. Talvez dê a perceber que muito embora esteja farta do Inverno, é a ele que pertenço até à eternidade de ser pessoa. Talvez explique a alguém o porquê das tempestades não me guardarem em casa e me chamarem para perto, perto demais.

(Sou ribatejana, é um facto. As fontes do Matim Moniz são um devaneio camponês com disfarce cosmopolita. Deixem-me, andem. Há delírios significativamente maiores.)

do amónio dos dias,

que vai-se a ver e é hábito tal que a estranheza não surge, nem quando há só um fígado. Ou de como a destreza da ideia se abate arruinada nas realidades ficcionadas, mais efectivas do que o deus nos acuda. Valha-nos, pois então.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

nascer

Não sei muito bem há quanto tempo nasci. Lembro-me de existir desde há uns trinta anos ou mais qualquer coisa, mas não sei precisar a primeira memória. Provavelmente nem nasci só nesse dia. Em paralelo de tempo estarão as paredes antigas, o lago do sapo que ainda não tinha acessos de virtualidade, a bicicleta que me levava e eu quase sem tamanho, a escola velha onde aprendi que o meu nome se podia pôr em letras numa ardósia preta, com um pau de giz. Nesse dia nasceu o meu nome visto, além do meu nome escutado e sentido. As memórias festivas vêm também de há muito. A Páscoa para mim eram amêndoas, mais ou menos como o Natal era presépio, árvore e presentes. E musgo, que ainda ontem o vi, no meio de paredes de água que nascia continuadamente num monte fértil de um dia próspero. Santos eram broas e forno de lenha. E cheiro a massa lêveda, muito cheiro a massa lêveda. Devo de ter nascido mais um bocadinho lá no meio, entre uma época e uma festa, Primavera, amêndoas, e por aí afora. Muito embora o meu cartão de cidadão diga que vi a luz precisamente em Outubro, ainda sem abrir os olhos, num dia de chuva que chovia numa cidade interior, num sítio que já nem existe enquanto local concreto. Não me apetece, não quero assim. Faz-me sentido a especulação de que me vou assomando, nada a ver com sol e com dias ou com datas precisas de arranques determinados. Simpatizo sem devoção absoluta com Locke e as tábuas rasas do desenvolvimento, papel branco, sem letras, sem sentimentos, sem constructos, apenas possibilitados em cada crescimento. Ainda que simplista, faz-me também sentido neste perpétuo nascimento, o que me deixa num sossego intelectual invencível. Nada tenho contra lógicas simples que me façam significado, por certo compreendem. Em concreto e na que falo, abre-me uma possibilidade de construção permanente, um caminho evolutivo fundamentado numa razão coerente. Bem sei que trata apenas um jogo de palavras. Uma vontade de exorbitar uma gênese que se aplica unicamente na origem do ser. Mas encará-la eternamente viável possibilita-me em consequência a morte do que constato errado ou infrutífero, enquanto pessoa. Porque em sequência nascerei outra vez.

( Num Natal próximo que não sei qual, não darei presentes por convicção. Nesse dia constituo-me um bocadinho mais e matarei um dos excessos que hoje carrego.)

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