quinta-feira, 25 de abril de 2013

fado

Desci a rua com a rapidez do relógio que insistia em correr como se o tempo não fosse meu. Carreguei no botão do elevador que estava no terceiro e que desceu devagar, subi e olhei para o espelho que me encontra sempre como se gostasse de mim. O espelho sorri-me com uma cara deslavada e cansada em direcção ao desespero, que me espera sentado na sala a ler uma revista cor de rosa num interlúdio suspenso, nos momentos que antecedem o jazz que acompanha invariavelmente as palavras. Se há coisa boa a acompanhar palavras é o jazz, vão por mim, sei do que falo. Elas nascem e por vezes sinto uma vontade imensa de quebrar a regra e a lógica e me deixar esbarrondar em sustentos mais firmes do que o chão que piso naquele exacto momento. Não há nada mais inabalável do que o sabemos no corpo,  e igualmente na alma. Aquilo foi quase um instante, desfizeram-se as lágrimas, limparam-se num kleneex amachucado entre duas mãos que pareciam tenazes frouxas e olhou-se para os carros que passavam a velocidade estonteante, para dentro de uns olhos parados. Mais umas coisas e veio o regresso. O rádio cantava um fado, e o que eu gosto de fado. Não há música maior do que um fado. No fado cabem as palavras e os gestos, as dores e os amores, as angústias e os silêncios, de nós. Um dia faço um só para mim. Vai começar e acabar corrido, dançado sozinha numa noite fria de inverno. A lua pode ver-me, e mais ninguém. Dispo-me de olhos, de espelhos, de ouvidos e de mãos e escorro, noite afora. Se puder ser esperas-me ao fundo. Os teus braços, sim, os teus braços. São o fim de mim e são o fim do meu fado. 

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