Na festa amontoa-se gente que vê, enquanto os festeiros, enfeitam os andores com rosas branquinhas e fios de oiro grosso, muito amarelo, que enfeitam a Santa Padroeira da terra. Todos os Verões, a igreja é adornada, o arraial montado no largo do cemitério, coisa que sempre me causou estranheza, que os cemitérios são sítios de descanso e sossego, e durante três noites a fio, todos os mortos, ciprestes e bichos que por lá moram, necessitam de interromper a calmaria, por mor dos hábitos das gentes, que ao invés de bailarem longe, se ajuntam ali, na beira da morte, num desafio que ela finge não ver. Pela noite adentro, moças e moços bailam ao som do conjunto musical, muito colados uns nos outros, deixando os corpos roçarem e as mãos passearem, num deleite exagerado, perante o desconhecido, coisa que a ser cometida em outro contexto, sem música quero eu dizer, traria de arrasto sérias complicações para os que se atravessem a tal prática, apenas permitida porque o embalo da melodia guarda os afagos, entra nos corpos das gentes, adormece a censura e desperta a sensação. Nos intervalos, enquanto os moços se encostam na borda do muro baixo caiado de branco, as moças escondem-se na envolta, discretas, enquanto cochicham a dança, entre dois bafos de fumo, longe da sociedade. As velhas sentadas nas cadeiras de madeira carunchosa, embrulhadas em xailes pretos e quentes, tecem o que têm a tecer, leis verdadeiras e aceites por todos, ou então, nem tanto, mas temidas, coisa essa mais do que possante, no que toca a condutas e acções, que moça a ser banida do rol dos bons partidos, corre sérios riscos de preterição, futuro temido e nada ambicionado.
No meio delas, está Maria, a rapariga que olha a envolta, e julga não pertencer ali. As pessoas falam, mas ela, enfiada dentro de si, não as consegue ouvir, tal como não ouve a música que toca, tal como não vê o moço que a catrapisca, percebendo porém os sérios riscos que corre, por se sujeitar àquela figura enjeitada, por demais débil e fraca, denunciadora de coisas que não podem ser boas, e que entram nos olhos das gentes, muito depressa, para num ápice atingirem um saco de veneno que muitos têm dentro, e que quando alcançado, jamais será largado. Cansou-se daquela ausência e saiu. Olhou para o cemitério, e resolveu espreitar. Lá dentro, os mortos repousavam num sossego digno dos deuses, quiçá embalados pela música lenta que tocava, e que ali também tinha entrada, claro está. Os ditos, ainda que em sossego, conseguiam ouvi-la, isto mesmo sem ela falar. Não respondem, coisa que por vezes, é totalmente apetecível. Maria não percebe, como exista quem deles tenham medo. Ela, por exemplo, tem muito maior temor às velhas.
Belo texto CF. Ou corrigindo, ainda melhor que outros, belos também.
ResponderEliminarServiu também para me transportar aos bailaricos que fiz durante tantos anos :)
Não está sozinha :) Há muito quem diga que medo, só dos vivos. :):)
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