quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Da festa

Na festa amontoa-se gente que vê, enquanto os festeiros, enfeitam os andores com rosas branquinhas e fios de oiro grosso, muito amarelo, que enfeitam a Santa Padroeira da terra. Todos os Verões, a igreja é adornada, o arraial montado no largo do cemitério, coisa que sempre me causou estranheza, que os cemitérios são sítios de descanso e sossego, e durante três noites a fio, todos os mortos, ciprestes e bichos que por lá moram, necessitam de interromper a calmaria, por mor dos hábitos das gentes, que ao invés de bailarem longe, se ajuntam ali, na beira da morte, num desafio que ela finge não ver. Pela noite adentro, moças e moços bailam ao som do conjunto musical, muito colados uns nos outros, deixando os corpos roçarem e as mãos passearem, num deleite exagerado, perante o desconhecido, coisa que a ser cometida em outro contexto, sem música quero eu dizer, traria de arrasto sérias complicações para os que se atravessem a tal prática, apenas permitida porque o embalo da melodia guarda os afagos, entra nos corpos das gentes, adormece a censura e desperta a sensação. Nos intervalos, enquanto os moços se encostam na borda do muro baixo caiado de branco, as moças escondem-se na envolta, discretas, enquanto cochicham a dança, entre dois bafos de fumo, longe da sociedade. As velhas sentadas nas cadeiras de madeira carunchosa, embrulhadas em xailes pretos e quentes, tecem o que têm a tecer, leis verdadeiras e aceites por todos, ou então, nem tanto, mas temidas, coisa essa mais do que possante, no que toca a condutas e acções, que moça a ser banida do rol dos bons partidos, corre sérios riscos de preterição, futuro temido e nada ambicionado.

No meio delas, está Maria, a rapariga que olha a envolta, e julga não pertencer ali. As pessoas falam, mas ela, enfiada dentro de si, não as consegue ouvir, tal como não ouve a música que toca, tal como não vê o moço que a catrapisca, percebendo porém os sérios riscos que corre, por se sujeitar àquela figura enjeitada, por demais débil e fraca, denunciadora de coisas que não podem ser boas, e que entram nos olhos das gentes, muito depressa, para num ápice atingirem um saco de veneno que muitos têm dentro, e que quando alcançado, jamais será largado. Cansou-se daquela ausência e saiu. Olhou para o cemitério, e resolveu espreitar. Lá dentro, os mortos repousavam num sossego digno dos deuses, quiçá embalados pela música lenta que tocava, e que ali também tinha entrada, claro está. Os ditos, ainda que em sossego, conseguiam ouvi-la, isto mesmo sem ela falar. Não respondem, coisa que por vezes, é totalmente apetecível. Maria não percebe, como exista quem deles tenham medo. Ela, por exemplo, tem muito maior temor às velhas.

2 comentários:

  1. Belo texto CF. Ou corrigindo, ainda melhor que outros, belos também.
    Serviu também para me transportar aos bailaricos que fiz durante tantos anos :)

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  2. Não está sozinha :) Há muito quem diga que medo, só dos vivos. :):)

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