Um papel e uma caneta era quanto lhe bastava. As companhias, por mais que quase o enchessem, nem lhe conseguiam alcançar os pensamentos, entendê-los, vivenciá-los, mantinham-se numa espécie de distância sã, imprescindível a quem não pretende ir muito longe na dissecação. Ele, por sua vez, incutia nas folhas de papel tudo o que lhe ia dentro. Sabe-se assim entendido, ou pelo menos, sente-se. O sentir, é talvez uma das maiores preciosidades da vida humana, que fica esquecida, como se o que se mostra, fosse realmente o importante. Podemos até ter medo, se mostrarmos coragem, tristeza, se mostrarmos alegria, pobreza se mostrarmos fartura, ou até, e vejam só, desamor, se mostrarmos amor. Lá dentro, porém, e nos aglomerados de gente que mexe na sombra do que os outros vêm, encontram-se sérios semblantes, tingidos a cores vivas, mas muito frágeis. Para ele, isso não é o essencial. Gosta do que sente, por estranho que isso pareça, e dos sítios até onde o leva o pensamento, que de resto, é muito próspero em passeios distantes. Por vezes, e nas profundezas de alguns percursos, encontra sombras e chega a assustar-se. Nessas alturas, pega na caneta e escreve. Não há nada nem ninguém que o entenda melhor do que as palavras, fiéis apaziguadoras de almas desinquietas. Dizem que o vento chega a levá-las. Sim, pode constar esta afirmação uma verdade, quando ditas por bocas profanas, inglórias, sedentas de ambição. Quando ditas assim, de sentimento, não há força que as leve, acreditem. E pode até ser, atenção, que tentem algum apropriamento, que as ditas do fundo podem ser lindas de morrer e suscitar cobiças alheias. Pestes de imediato banidas, discretamente, pela pureza que as letras acartam. Quanto ao sentir, não me parece demais dizê-lo, prezem-no. É que com o tempo, e no constante embuste à alma, poderá até dar-se o caso de ficarem baralhados por dentro. Não deve ser bom isso, de não sabermos por exemplo, se gostamos mesmo, ou se, ao invés, já fingimos tanto que nos habituamos a quase gostar. Soltando de quando em vez um gosto muito, que nos convence tanto ou mais, do que àquele a quem se destina o dito.
O que me faz reflectir... Todos os textos que aqui publico são de minha autoria, e as personagens são fictícias. Excluem-se aqueles em que directamente falo de mim, ou das minhas opiniões, ou onde utilizo especificação directa para o efeito.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
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Sabemos que a lamentação chegou ao exagero quando, pela manhã, deixamos largar do banco da frente, um Ai, ai... E do banco detrás, surge de imediato, A minha vida...
terça-feira, 29 de novembro de 2011
Prozac e assim
O exagero dos que encontro que julgam que pequenas pílulas lhes levam os males, e lhes trazem felicidade, transporta-me para a vagueza do mundo, para a terrível ausência de espiritualidade, para o culto do fácil, ainda que este fácil, seja enganador. Mais rapidamente se ingerem substâncias do que se analisam processos, se tentam descobrir culpados verdadeiros, se entra em introspecção. Há muito que julgo o medo, principal responsável por tais caminhos. Ao ingerir qualquer coisa que nos faça menos tristes, conseguimos passar ao lado dos problemas, entrando num mundo efémero, mas ainda assim ligeiro, um tanto ou quanto deturpado. Não se pensa, muitas das vezes, que após os períodos de alguma alienação forçada, à custa de uma qualquer substância potenciadora de efeitos específicos, votamos a ser só nós, e a nossa realidade. Daí os ciclos viciosos que tantas vezes encontramos, de espaços em que somos os próprios, tristes e deprimidos, e outros em que as pílulas mágicas nos sustêm a um qualquer nível mais elevado, deixando-nos como que submersos para uma realidade que continua, mas que nos passa mesmo ali ao lado. E é tão boa a realidade que nos passa ao lado, quando esta dói. Estranhamos porém, imersos em ignorância, que quando em nós outra vez, a tristeza se assuma de novo, tal e qual nunca tivesse desaparecido, coisa que é completamente verdadeira, pois apenas e só adormeceu. Talvez por isso, e perante questões que me surgem a cada dia, a minha resposta não satisfaz. Percebo-lhe a utilidade racionada, sempre acompanhada de perto com um processo terapêutico efectivo, onde a a essência do problema venha ao de cima, se mate e se esfole de uma vez. Bichos virulentos, que nascem de tempos a tempos, não deixam sossegar mentes que se querem em progresso. Mata-los, que é o que fazemos com os do corpo, era exactamente o que deveríamos fazer com os da alma. Se não de morte morrida, de morte matada. Mas morte.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Homens perfeitos
Não gosto de pessoas perfeitas. Quanto mais não seja porque nunca vi nenhuma, facto mais do que suficiente para justificar esta minha ausência de sentir. Depois, também não gosto dos aspirantes, que julgam mesmo que já lá estão. Aqueles que deambulam no meio de imperfeições, tal como todos nós, mas que por qualquer obra que desconheço, julgam que não. Deverão por certo ser feitos de outra matéria, pode ser isso. De carne forte, ou outra substância de carácter semelhante e impossível. Ao invés desta, e numa teoria que julgo mais provável, poderão ser mentirosos e tentam enganar o mundo. Ou então, pobres deles, poderão pensar que são mesmo bons, e tentam enganar-se a eles próprios, também acredito nesta. A estes, ainda perdoo, que a ignorância é digna de compaixão, embora tenha dias em que me apetece abrir-lhes muito os olhos, e enfiar lá para dentro muitas verdades. Nunca o faço, claro, morreriam de desgosto. Quanto aos outros, confesso, despertam ainda mais os meus requintes de malvadez. A poder, logo após ser vítima de determinadas tentativas de ludibrio sobre a minha pessoa, e a realizar a minha vontade superior, era ver-me a colocá-los em fila indiana, defronte a outros iguais a eles, a ver quem subia até ao ponto mais alto da perfeição. O primeiro a chegar lá acima, caía.
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-Mãe, gostas de fado?
-Gosto, sabes que sim...
-Muito ou pouco?
-Muito
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-Mãe, gostas da Amália?
-Gosto
-Muito ou pouco?
-Muito
...
-Mãe, gostas da Mariza?
-Gosto
-Muito ou pouco?
-Muito
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-Mãe, gostas do Camané?
-Mais ou menos ( Já quantificado, antevendo a próxima)
-Mais ou menos como? Mais para o mais, ou mais para o menos?
-Gosto, sabes que sim...
-Muito ou pouco?
-Muito
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-Mãe, gostas da Amália?
-Gosto
-Muito ou pouco?
-Muito
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-Mãe, gostas da Mariza?
-Gosto
-Muito ou pouco?
-Muito
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-Mãe, gostas do Camané?
-Mais ou menos ( Já quantificado, antevendo a próxima)
-Mais ou menos como? Mais para o mais, ou mais para o menos?
domingo, 27 de novembro de 2011
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Desce a ladeira com um casaco aos quadrados de agasalho, daqueles feitos de fazenda grosseira, comprado em alguma feira com bancas e montes com roupa. Sempre gostei de feiras com bancas e montes com roupa, onde me perco durante tempos infinitos, vasculhando trapos que nunca compro, ou, se compro, na maioria das vezes nunca visto. O cabelo, um tanto ou quanto enxovalhado, esconde-lhe um rosto sério e macambúzio, descomposto por alguns pêlos inestéticos que o povoam, da parte de cima da boca, nas sobrancelhas, perto das orelhas. Quando me encontra esboça um sorriso desfalecido, arrancado em força ao lugar de onde queriam sair lágrimas. Compreendo-a. Não gosto de choros, já o devem ter percebido, embora não tenha nada contra quem chore. Deixam-me numa angústia extrema, totalmente contrária à libertação que lhe apregoam. Por isso mesmo não choro. Ela olha-me nos olhos, e pergunta-me se fará bem, num interpelo ao meu olhar inquisidor, já antevendo o que ali a trazia. Fico sempre abalada quando sinto nos olhos de quem me procura, perguntas que o próprio não sabe o que responda, sinal mais do que suficiente para que perceba, que também eu não lhe saberei responder. Um aconselhamento, insiste, já sabendo que lho vou negar, pela impossibilidade de lhe dizer o que da minha boca quer ouvir. Senta-se a olhar o vazio do céu, aparentemente expectante de que com os raios do sol, lhe venha também uma qualquer resposta sábia, que não mais desapareça. Sabe que não aguenta esta angústia outra vez. Começa a falar desenfreadamente. Mistura o antes, o agora, o que não sabe se virá ou não. Um misto de sítios muito estranhos, que julgo até serem vindos de mundos diferentes uns dos outros, quem sabe, se de uma outra dimensão. No final da catarse, e já vazia de quase tudo, parece sentir-se mais calma. Precisa de tomar um chá, um café, qualquer coisa que lhe aqueça umas entranhas vazias, cansadas de ventos e espinhos. Bebemos um de menta fresca, no alpendre, e no acalento do adocicado picante, deixa escorrer uma lágrima. Foi do chá...
Sossegos
Por vezes, era muitos, ao invés de ser só um. A mim, confesso que me intriga esta estranha forma de vida, de vidas que ao invés de uma são duas ou três, como se a consonância fosse um terreno perigoso, onde os pés se prendem e o andar se atemoriza. Sendo assim, e para que os pés ganhem corda e se trilhem os caminhos, escolhem-se andanças dúbias, mas muito pretenciosas, moldadas a interesses que não fogem às nossas raízes mais vis, das vontades. Lá, onde ninguém chega senão o próprio, encontro em distracções terrenos perigosos, muito pantanosos e falsos, onde as areias se insurgem disfarçadas de solidez, num convite à perdição, pela ignorância. Desprezo a ignorância, sempre desprezei. Não gosto dela, sendo que prefiro realidades frias e amargas, a uma qualquer ficção enlevada, onde tudo parece manar. Ele age então de acordo com a sua vertente mais negra, uma que lhe nasce não sei quando, vinda não sei de onde, muito mais forte e poderosa do que aquela que normalmente se lhe conhece, clara, quase irrepreensível, e tão falsa que até mete dó. E mete dó, não por quem encontra tanta gente numa só, que a esses, cabe o papel do afastamento, não vá dar-se de caras com um outro sem se esperar, ou ainda outro, ou então mais outro. Mas dó por quem nele concentra tantas faces, em desassossego constante, que só pode ser o que sente, quem num corpo só junta tanta gente. Cada vez gosto mais de ser apenas uma.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Pós greve, já que ontem não me deu para aqui...
Não falei da greve ontem, muita gente o estava a fazer, dispensava-se a minha opinião, que de resto, nem sequer é entendida no assunto. Hoje, apraz-me falar, não propriamente sobre ela, mas o que fazer depois dela. Independentemente dos ideais políticos que me possam reger, respeito o direito às greves, a quem as quer fazer, a quem as julga úteis para mostrar, quanto mais não seja, revolta e indignação. Tudo certo até aqui. Posto isto, e ainda sem saber se alguns efeitos se vão fazer sentir, coisa que confesso, me parece pouco provável, faço, e enquanto cidadã Portuguesa, um apelo que a mim me parece muito mais importante do que um dia de paragem, pelas consequências que pode trazer. A cada um, individualmente e enquanto pessoas, pensem no que está ao vosso alcance para minorar a crise. Por certo que grandes medidas não nos serão possíveis, que essas, são para aqueles que, bons ou maus, em devido tempo elegemos. Mas as pequenas, as que pouco se vêm. Pegando numa banalidade que é por exemplo uma Empresa, e muito embora o suporte e a directriz seja sempre situada na entidade patronal, se o trabalhador não se empenhar, nunca se irão obter bons resultadas, e a lógica é essa mesma, como de resto, todas as lógicas do mundo, que são francas, absolutas. A minha consciência de cidadania, impulsiona-me a determinadas atitudes, gastos, contenções ou comportamentos, para os quais tenho em conta a situação actual do País. Julgaria prudente, que todos pensássemos um pouco nisso, que as pequenas mudanças, muitas das vezes, são a razão de sustentar outras maiores. Também aqui, seguindo a lógica, claro. Não trato aqui um pedido à acção, que cada um realiza o que bem entender, mas é no mínimo um pedido à reflexão, que por certo impulsionará qualquer mudança, em termos de consciência social. Aquelas coisas básicas, de trabalhar se tivermos onde, ao invés de recebermos um subsídio, de pagarmos as contribuições devidas, ao invés de fugirmos, de abdicarmos de subsídios descabidos (sim, também toca a esses senhores), se deles não carecemos, enfim, uma panóplia de cirscunstâncias que parecem básicas para o cidadão cumpridor, mas que são tantas vezes esquecidas, por aqueles que pensam neles e não em nós. Bem sei que a adopção destes comportamentos, que nos fazem situar dentro do âmbito dos patetas cumpridores, a sustentar o outro bando de oportunistas, não cai bem. A vontade, é aderir ao encosto. Talvez seja também por isso, que daqui a pouco, não há mesmo onde encostar. E o que me vem de imediato à mente, é qualquer coisa semelhante ao brilhante livro de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira. A diferença, é que vimos, porque de resto, e no que toca ao caos, o cenário deve ser semelhante.
Acção de Graças
A idade dos porquês é uma coisa muito mágica. Percebemos que eles aprendem a cada dia, entopem-se de curiosidades sem fim, perguntam-nos, como dizia a minha avó, o que esquece ao diabo. O meu filho encontra-se na idade dos porquês há tempo considerável, sendo que a dita se acentua à noite, quando eu tenho mesmo muito que fazer. E enquanto teclo em relatórios, respondo a perguntas como o que é uma vertente mágica, quem foi Paiva Couceiro, o que é que se faz no dia de Acção de Graças, e porque é que nós não temos, e por aí fora. Tento explicar-lhe tudo muito explicadinho, dotá-lo de capacidades de exploração para descobrir determinadas analogias que desconhece, no fundo, tento dar-lhe armas para se desenrascar, quando não estou por perto. Ontem, e enquanto jantava, disse-me, após já estar devidamente esclarecido do que era o dia de Acção de Graças, que de resto foi celebrado na escola, que me deu graças. Dês-te?, perguntei, um tanto ou quanto espantada. Dei mãe, tu és tão amiga e ensinas-me tantas coisas... E eu derreti-me, pronto, foi isso. Mesmo que às vezes pareça que isso a mim não me acontece. Acontece, acontece a todos.
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
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Fico sempre irritada quando encontro subestimações às dores psíquicas que nos assolam. Conheço das duas, e nas mais diversas vertentes. E até hoje, ainda nenhuma física superou, algumas de alma que já suportei. Porque raio o sistema parece esquecer isso, é que eu não vos sei dizer.
O rato
Chamava-se Neliça, um nome nada usual, numa cara e num corpo do mais banal que pode haver. Talvez por isso, pelo excesso de normalidade sem jeito, tentava enfeitar-se em flores e vestidos de roda, mas os pobres, por graça que tivessem, de imediato a perdiam, que aquele corpo envergonhado parecia come-los para si, ao invés de os enaltecer e de lhes permitir o esplendor. Tinha um café na berma da estrada, onde todos os dias homens paravam para matar o bicho, comer uma carcaça com presunto, beber uma água ardente branca, e muito mal cheirosa. O café ficava situado numa esquina, muito bem localizado, mesmo no centro da Aldeia, pelo que se chamava, obviamente, Café Central. Todas as aldeias têm um, situados mais ou menos ao centro, depende. Nesse café existia uma escada em caracol, que terminava numa divisão ampla e com cheiro a mofo, de onde se tinha acesso às casas de banho, e a uma arrecadação, de onde vinham as grades de bebida, os garrafões de vinho, os sacos pequenos de pevides e amendoins. Lembro-me de uma vez entrar lá nesse armazém, e ver um rato que fugia, por entre os amontoados de coisas espalhadas, estando-se pouco a borrifar para a ratoeira cheia de queijo que o aguardava, tranquila e paciente. Dona Augusta, mãe de Neliça, ainda tentou alcança-lo com uma vara de vassoura, correndo atrás dele com prontidão e destreza, apesar dos seus noventa e muitos quilos, distribuídos por pouco mais de um metro e meio de gente. Era ágil que só visto a Dona Augusta. Neliça, assistia impávida e serena ao sucedido, sem nunca mexer um dedo para auxiliar sua mãe, naquela árdua tarefa. Eu, um tanto ou quanto apavorada, sorria, num nervoso muito miudinho, que me empurrava para aquele esgar sem sentido, completamente involuntário. O que eu sentia era medo. Ainda hoje, em determinadas situações, produzo esgares semelhantes, totalmente contrários às minhas necessidades. Descabidos, incontroláveis. Apenas eu os detecto.
Um Método Perigoso
Estreia hoje Um Método Perigoso. David Cronenberg propõem-se a entrar nos meandros da Psicanálise, esmiuçando os dois Psicanalistas mais influentes que temos na história, Freud e Carl Jung. Estou curiosa, só posso estar, embora não seja esta a corrente que me rege profissionalmente, por julgá-la demasiado rebuscada em determinadas vertentes de análise. Ainda assim, e para quem de alguma forma se interesse pela mente humana, ou mesmo até apenas para os curiosos de carácter mais esporádico, parece-me segundo o que já li e ouvi, um bom filme para nos pôr a pensar. Esta dimensão mais intrínseca que todos temos, e muito embora, tal como já disse, quando válida só por si, possa soar-me a exageros descabidos, pela redução extrema que se faz à conduta, não deixa de ter fundamentos assustadoramente válidos, na compreensão de quem ousa entrar dentro da alma, sem medo, para a dissecar sem limites. As pulsões internas, valorizadas e admiradas pela vertente psicanalítica, constituindo a base da sua intervenção, explicam-nos muitas vezes comportamentos dificilmente justificáveis, se não ousarmos entrar nos meandros do inconsciente. Dois homens rectos, de postura sólida e fiável, com cabelo abrilhantado e colete abotoado na frente, protagonizam o protótipo da seriedade, enquanto do outro lado, uma histérica, manifesta portadora dos síndromas da disfunção interna, grita em estado descompensatório, porque lá dentro, pulsões impulsionam. Um deles, parece gostar disso. Admito que apesar de tudo, esta corrente me apaixona, pela importância que dá aos mistérios da mente. É sem qualquer sombra de dúvida, a que mais se debruça sobre a vertente mais recôndita do Homem. E pensemos em conjunto, sem limite, se façam o favor, coisa essa totalmente descabida quando se fala em Ids, Egos e Super Egos, se não sentimos todos pulsões a arrastar. Que encaixamos racionalmente, ouvimos mais ou menos, fingimos até que nem ouvimos. Ou então, por vezes, damos-lhe todo o sentido.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
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Perante a minha ignorância face à pergunta que me fez, diz-me indignado:
- Mas eu pensava que os adultos sabiam sempre mais do que as crianças...
Daqui a uns anos, pensei dizer-lhe, vais perceber que é exactamente ao contrário. Sabemos de facto muito mais acessórios, esquecendo porém, tanto do essencial. Não disse, claro. A seu tempo, lá chegará. E assim levei roda de ignorante :)
( Só para os curiosos, a pergunta era como se escreve o seu nome em Chinês)
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Dúvidas
O que em em tempos me passava despercebido, hoje, e encaixado em padrões de acção que constato mais ou menos comuns, não passa, e constitui um comportamento que já defini como banal, mas significativo. Podem nunca se ter debruçado sobre o assunto, ou pode o mesmo ter-vos já despertado interesse, sem que no entanto o tenham encaixado dentro de um padrão. Ou podem até, e ao invés, já tê-lo feito, sendo que nesse caso, muito provável admito, tal o sentido que agora me faz, venho em atraso. Mas ainda assim deixo-vos com o facto que por ora me invade o espírito, em busca de situações, não que o atestem, que são mais do que muitas, mas que mo contradigam. E trata então o que falo, a necessidade que temos, de quando falamos sobre determinados assuntos de carácter mais sério, nos tentarmos mascarar de um qualquer cenário que nos proteja, e que pode ser um aglomerado de gente no meio de uma esplanada, um barulho intenso, no meio de qualquer outra ocasião, um telefone que nos leve apenas a voz e nos esconda a expressão, uma carta, um email, quando doí ainda mais e a voz nos parece aventurada. Nem bem sei o que nos invade em tais situações, ou de que espécie de sentimento nos julgamos livrar na protecção do ruído, que se assume, tantas, mas tantas vezes, como um guardião imprevisto, totalmente improvável à luz das teorias da comunicação. E é aqui, que mais uma vez me pergunto, sobre o porquê de em tanto, girarmos ao contrário.
Do toque e afins
Uma das minhas maiores ambições, já descobri há muito. Tenho outras, claro, que de ambições vivemos todos, e mal de nós se algum estado de ausência delas se nos instalar no corpo, um atrofio, um viver minguado, que pouco mais seria do que viver nenhum. E essa ambição de que agora vos falo, vou-a reiterando a cada dia, no receio que encontro amiúde, situado em tantas gentes que encontro, e que constitui o medo do toque, do elogio, do gosto de ti. Temos uma reserva interior que parece toldar-nos as acções, neste e em outros sentido, claro, sendo que vezes de mais mostramos recuo em proferir ou mostrar agrados. Será fácil de entenderem onde quero chegar, pois basta para isso relembrarem para vós mesmos quantas críticas ouvem ao final do dia, em comparação com os elogios, que parecem surgir de forma mais fraca, visíveis apenas quando verdadeiramente significativos. Nem bem encontro esta forma de existência desde os primórdios do ser, é fácil afagar um bebé, ovacionar-lhe as palmas, impulsionar-lhe os progressos. É com facilidade que encontro todos os dias, mães que embalam pequenos seres, os encostam a si, os têm de perto. Mas sente-se, e há medida que o tempo passa, uma resistência ao afecto, que vai muitas das vezes ganhando um terreno significativo, chegando a uma idade onde o mesmo se torna quase indesejado, por épocas de adolescência. Poderá nem ser fácil quebrar o ciclo do jovem que quer distância, principalmente perante o grupo de pares, mas julgo perder-se muito, se nada se fizer para contradizer. E nisso, não digo exageros descabidos de manifestações de carinho, mas digo a permanência do toque, por pouco que seja, à medida das possibilidades. Proporciona a que no fim, e após o términos da dita, seja possível uma proximidade física, que tantas, mas tantas vezes, encontro seriamente limitada. Como se estivesse presa e difícil de soltar. Obviamente que todo este fenómeno, ou não fôramos nós seres sociais, se estende à generalidade da existência das nossas acções, embora eu constate, e aqui entrando em outras vertentes que não vou por ora considerar, que é por vezes mais fácil o manifesto extra, do que intrafamiliar. O limite ser de certa forma menor, parece-me a mim um facto importante, que tal comportamento justifica. Deixo de qualquer forma um convite ao pensamento, numa época em que pensar na crise e nos meandros sociais, pouco efeito parece produzir. Mudar o que está em alcance próprio, talvez seja um bom ponto de partida.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Instantâneos...
- Mãe, tu usas ceroulas?
- Ceroulas, eu? Mas porque é que eu haveria de usar?
- Sei lá, assim de repente, lembrei-me se usarias ceroulas...
E pronto, nem sei bem que observação hei-de acrescentar a isto. Sendo assim não acrescento nada.
Vidas
Chamemos-lhe Maria, que é um nome único e do povo, um nome doce, que serve sempre, até para chamar quem se desconhece. Pode até ser que o seja verdadeiramente, mas disso, não vos dou conta. É uma entre outras das que por cá andam a ensinar quem queira aprender. Porque acredito que exista gente que cá vem com o intuito de ensinar os outros, tal a grandeza de alma que se lhe assiste. Maria é uma delas. Mãe de uns poucos de filhos, dois dos quais a habitar lá em casa, em conjunto com o cão Jardel, um pequeno animal que a segue para todo o lado, seja o local de trabalho fixo, seja o local onde trabalha à hora, seja o coro onde canta, nos míseros minutos que lhe sobram do dia. Por vezes, chega a levar a roupa do espectáculo logo pela manhã, dentro de um saco, para que a muda se efective em lugar que dê, que o dia não lhe chega para passar por casa outra vez, entre a manhã de um lado e a tarde do outro, os tempos de troca são corridos e fugidios. É perita em coretos e orgulha-se de já ter cantado nos melhores da região. Eu, não percebo nada de coretos. Sei apenas tratar-se de uma construção redonda, onde os músicos se empoleiram para deixar correr as cordas, as notas as vozes, enquanto na envolta ouvidos escutam. Certo dia foi ao supermercado, e logo após contar os tostões, acabou por ter de deixar a pasta dos dentes e o líquido da loiça, que mais haveria de ter feito, se no contraponto, estava o feijão para o almoço do neto e dos filhos, que a esperavam em casa. Que se lavem todas as necessidades com líquido do chão. Tudo quanto seja encargos cabem-lhe a ela, que as outras criaturas da casa, filhos, neto e cão, dela dependem, a isso se habituaram. Já a julguei de alguma forma enfraquecida, pouco capaz de tomar decisões em relação a quem nela se dependura, mas os seus olhos vivos, a dizerem-me que de tal destino não consegue fugir, toldaram-me o pensamento, e acabei por passar a julga-la nobre. Às vezes, não muitas, sou susceptível a estes volte faces. Veio cá para servir, trabalhar e cantar, intercalando com sorrisos vindos de uma boca já sem dentes. Outro dia dei-lhe um pão com manteiga, que devorou languidamente, tal e qual como se de um acepipe se tratasse, enquanto a sua boca girava de um lado para o outro, sem dentadura, a tentar dar cabo do dito. Logo após, e de barriga composta, disse-me, às vezes ando com fome. E nisto sorriu.
Estudo
Vinha pelo caminho e ouvi um estudo. Não sei a fonte, não estive atenta, logo, nem sei da sua real validade. Mas fez-me sentido, o dito. Dizia então que, e partindo da análise de pessoas com uma semana normal de trabalho, isto é, de segunda a sexta e com o fim de semana de descanso, o dia em que se sentem melhor é a Quinta, e o dia em que sentem mais nostalgia, é o Domingo. Não estarão enganados, de certo que não, que é mesmo assim que somos. Na proximidade do que ansiamos, ficamos muito felizes, estamos quase lá, o pior já passou. Quando lá estamos, e ao invés de aproveitarmos, ficamos tristes, porque entretanto vai acabar. E pronto, é isto.
domingo, 20 de novembro de 2011
Sossegada
Oiço-a e catalogo-lhe as palavras, com algo semelhante a isto: Senhora aceita partilhar casa com senhor que a ajude a suportar as despesas. Existem crianças, e o magro salário não chega. Em troca oferece cama e corpo, préstimos de cozinha, zelos de roupa. Aos Domingos não se incomoda de passear a seu lado, mesmo que seja um de cada parte da rua. Não exige sentimentos, nem de um lado, nem do outro, apenas precisa do básico para sobreviver, e o básico, não inclui essas coisas. A disponibilidade é imediata. Nos entretantos o senhor surgiu. É tudo aquilo e mais alguma coisa, vá lá, teve sorte. Amor não existe, mas existe paz. Vai vivendo os dias devagar, que as pressas são-lhe inimigas, e não lhe apetece render-se a elas. Falo-lhe de cores, e olha-me com calma. Nem bem percebe a analogia que lhe peço, mas diz-me, mais ou menos feliz, que a sua vida é de uma cor neutra, mas que já foi negra. Como a fome. E por isso está melhor assim. Quando lhe pergunto por cores mais fortes, diz-me então que as não conhece, e que já nem ambiciona conhecer. Há coisas que com o tempo nos fogem, perdemos-lhe o alcance. Não que deixassem de existir no mundo, mas deixaram de existir para mim. Foram as escolhas, sabe? Nós pensamos que quando decidimos, o que deixamos para trás pode sempre ser reconsiderado, mas não é nada assim. Muitas das vezes, e num acto de cobardia, desdenhamos grandezas sérias, e elimina-mo-las para sempre. Ficaram lá no passado, que é um sítio carregado de acontecimentos que nos pertencem, mas que jamais alcançaremos de novo. Uma coisa dúbia o passado, de tão nosso e de tão longínquo. Se me atormento com ele? Nem por isso, mas por vezes lembro-me. Penso no que teria sido de mim, se tivesse escolhido outros caminhos, com outras decisões, impossíveis de reconsiderar. Se sou feliz? Tenho dias. Tenho o básico, e isso tem de me chegar. O problema, é os dias como o de hoje. Quando isso não me basta. Por norma nestes dias faço bolos doces e como muitos ao jantar. O conforto do estômago cheio atenua-me a sensação de coração vago. E assim durmo muito sossegada.
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Por vezes sinto-me com pouca paciência para isto. E isto, não exactamente isto, é o mundo no geral. Um sítio cheio de gente estranha, que habita em sociedade de acordo com os seus próprios interesses. E no outro oposto, um grupo de gente mais sozinha, que apesar de se interessar pelos interesses comuns, se afasta, porque ao senão sente-se a enlouquecer. Não sei se me faço entender. Ok, é Domingo. Que se coma um bolo rei de chocolate, e pode ser que o estado atenue.
sábado, 19 de novembro de 2011
Culturas, equilibrios e outras considerações...
A ignorância dos universitários preocupa-me tanto quanto outras ignorâncias que lhes conheço. Claro que se pode considerar grave, em termos de cultura geral, dizer que o Evangelho segundo Jesus Cristo foi escrito por um qualquer membro da igreja católica, ou que New York é a capital dos Estados Unidos da América. Como são graves outras ignorâncias, de carácter diverso, que vou encontrando nos jovens dos nossos dias, e que centram outros domínios, não só culturais. O cerne da questão, parece-me a mim estar nos interesses que os assolam, inseridos dentro de um campo vasto, mas antagónicamente, muito limitado, e que centra a imagem, as relações, a aceitação social. Nesse caminho, encontramos hoje nos nossos adolescentes, mestres em facebook, com muitos amigos virtuais e poucos reais, conhecedoras profundas da moda, que se preocupam muito com o que vestem e com o que dão a parecer, mas que não conhecem, por exemplo, os riscos de uma anorexia que tantas vezes a mesma impulsiona, doutorados em telemóveis, em computadores, e em hi phones, que não fazem a mais pequena ideia de que quanto custaram aos pais, e de se os mesmos se esforçaram muito ou pouco para os adquirir. A cultura geral dos nossos universitários reflecte um caminho muito mais preocupante e abrangente, do que o simples facto de não saberem responder a umas perguntas básicas, para quem vive nos dias de hoje, atento e de olhos abertos. Reflecte o conceito fácil de uma geração frágil, habituada ao bom e ao rápido, pouco ambiciosa, porque consegue tudo de forma muito fácil. Já não se joga à bola na rua, joga-se nas consolas, já não se anda a pé para ir a casa do amigo, fala-se na net, já não se escreve uma carta, manda-se um mail. Se sou contra todas estas novas tecnologias? Não, claro que não, uso-as a todas e muito, e sou completamente favorável aos avanços, necessários a uma adequada evolução humana. Sou apenas contra o exagero, e julgo que muitas das vezes, o que falta a esta gente mais nova, é alguma orientação efectiva de quem hoje, também já se rendeu a este mundo pronto a comer. A conta, o peso e a medida. O meio termo, o equilíbrio. Palavras dificeis, bem sei, mas que com jeito ainda se conseguem dizer.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
Onde?
Não interessa o seu nome. Não vem ao caso, é apenas um entre muitos dos que encontro, sem haver nunca quem os sustenha. Vivia sozinho numa casa na berma da estrada, pertença de seus pais já idos, ainda por dividir. Todos os dias de manhã, um serviço requisitado pelos familiares lavava-lhe o corpo enfraquecido, deixava-lhe comida para o dia e encarregava-se de verificar se a toma dos medicamentos era feita devidamente, que bastam pequenas falhas, para que as vozes que lhe saltam de dentro acordem, surjam em força, e lhe comandem os passos largos, que nem sabe para onde dirigir. Umas vezes para aqui, outras para ali. O seu dia era passado entre uns cigarros sorvidos com força, quase dando a ideia que deles dependia a sua existência, tal a sofreguidão com que os levava à boca, lhes mordia o filtro, lhes chupava o fumo, levado até dentro das intermitências da alma. Quem sabe até, se tal procedimento lhe vinha de alguma réstia de sapiência mirrada, e que a tentativa era abafar os monstros transeuntes que lá moram dentro, e o mandam, todos os dias, sem dó nem piedade. Sim, poderia ser isso. Houve um dia porém, que mesmo em cuidado, as vozes despertaram demais. O que se chama de descompensação, e que trata um desequilíbrio agudo de uma doença que em descanso já não deixa sossego, quando mais em estado de inquietação. Foi a partir daí que as sopas, os cuidados e os cigarros deixaram de bastar, para se precisar de um apoio constante, sob pena de se correrem sérios riscos, próprios e alheios. Procura-se, mas, como sempre, não há onde. Um porque não cabe, o outro porque o dinheiro não cobre, outro ainda porque não aceita, sob pena de a violência poder tornar-se significativa, e deixar os restantes em perigo. Compreende-se claro, e continua-se a busca do sítio, de carácter urgente, que parece não existir. Haveria talvez de haver um outro mundo paralelo, chego a pensar. Onde as divisórias chegassem para arrumar toda a gente, e onde quem pertence ao alheio, ao dentro, não ao fora, tivesse lugar digno para existir.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Ide, sim???
Enviei hoje para o Centro de Histocompatibilidade do Sul, a minha inscrição para dadora de medula óssea. Aguardo agora ser chamada para efectuar a colheita, a fim de me inserirem no banco de dadores mundial. Há muito que já o deveria ter feito, é o sentimento que me deixa. Uns adiamentos sem sentido, atrás uns dos outros, como se a solidariedade devesse esperar uma aberta, um dia mais livre, um tempo menos cheio. Um egoísmo, digo em relação a mim mesma. Não o fiz agora por nenhum caso específico, fi-lo por todos os que existem, ou possam vir a existir. É difícil de conceber que exista quem morra precocemente, pela inexistência de algum dador compatível, quando o mesmo pode estar mesmo ali ao lado. No mundo. Vamos todos os que pudermos, sim? Não é difícil. Para quem está perto dos centros urbanos, é só deslocarem-se ao locais de referência. Para quem não está, é ir ao site do Centro de Histocompatibilidade, (http://www.chsul.pt/index.php/artigos/view/3), recolher uma ficha de inscrição e enviá-la, que serão contactados para fazer a recolha, nas proximidades da vossa área de residência, que foi o que eu fiz. Julgo que nada no processo faz doer. Mas se fizer, e comparando com o que pode trazer de bom a alguém, será sempre uma dor menor.
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
...
Há muito que já tinha esquecido, que estudo e trabalho académico têm uma qualquer ligação, estranha, tenho a dizer, com Filipinos. E com chocolates de avelãs ou de caramelo. E com todo o tipo de gulodices medonhamente invasoras, que parecem querer saltar-me para dentro em momentos de concentração. Na tentativa ( vã) do controlo, tento não as ter em casa. Quase conseguia manter-me sã, não fossem os Kinder do puto.
Da beleza...
A cada dia sinto mais o poder da imagem. Não que a julgue de menor importância, até porque faz parte integrante da construção da identidade individual, que pode ser impulsionada quando bem percepcionada, ou denegrida, em casos de não aceitação. O assunto está mais do que debatido, mas confesso, que quem não tem acesso às reais perturbações, até onde nos podem levar os exageros da perfeição, deveria perder um bocadinho de tempo a pensar sobre isso, tempo esse que pode ser em qualquer altura, que nem é preciso muito. A pensar no desconforto que sentem alguns, pelo facto de não corresponderem minimamente aos padrões de beleza impostos, que querem corpos perfeitos, rostos belos, cabelos sãos. Ingénuamente, julga-se muitas das vezes que esses desconfortos são apenas sentidos por mulheres, por ser de facto esta a maior evidência. Mas não são, apenas estas o demonstram mais. É mais fácil, pela sua natureza, deixar transparecer o que as aflige, do que para eles, figuras de algum estatuto e robustez. Já basta a preocupação interna com o socialmente aceite no que toca à imagem física, quanto mais vacilar também na solidez. Estou bem, obrigado, dizem, na expressão mais traiçoeira que todos usamos, todos dias. Às vezes não estão, principalmente em alturas de construção de identidades. Mas e porque é que a sociedade evolui sempre no sentido inverso ao devido, pergunto? Porque insiste em apregoar o discurso do interior fulcral, quando depois, na prática, valoriza a beleza física num conjunto infindável de situações? Não tratará isto alguma forma de mesquinhez? Ou será que ao invés, carecemos mesmo do belo e da harmonia para nos sentirmos bem, num erro crasso da criação, que nos isenta de qualquer tipo de culpa? Causa-me sempre preocupação o assunto, por me chegarem por vezes, jovens aflitos, que parecem querer saltar do corpo, e entrar em um outro, que os acolha e os proteja. Ao invés daquele, que é deles, mas que os maltrata. Não é bom, acreditem. Nem fácil de resolver.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Sossegos e sabores
Vejo-a em sede de vida, e recuo. Muitas das vezes entramos dentro e vemos coisas antigas, que já fizemos em tempos, quando hoje as encontramos nos actos alheios, nós, já plenamente conscientes de que não é aquele o caminho. Os caminhos são aquela coisa maravilhosa, que quando tomados erradamente, e desde que não seja num erro de carácter irreversível, nos ensinam. E uma das coisa que a mim me ensinaram, que pode de pouco vos valer, que cada um aprende em si, numa individualidade fantástica e intima que nos distingue, é que a vida é para viver devagar. Já a vivi de rompante, inundada de sentimentos fortes e que me impulsionavam para terrenos diversos, muito concorridos, onde o reconhecimento da pertença, mais ou menos social, se assumiam como uma fonte de prazer inesgotável, sendo que algum percalço ou contratempo, que me impedisse de viver aquele momento, exactamente conforme o tinha planeado, era motivo mais do que suficiente para estragar o meu dia. E era nessa altura em que a solidão me assustava, que muitas gentes me serviam, apenas e só para bani-la, porque importante na altura não era a contingência ou a complementariedade, a amizade ou a dedicação, era o ter alguém com quem conversar, que poderia até nem ser sobre o que me interessava, mas era sobre algo. Muito do que fazia exigia de mim uma sequência, seguidinha, de passos em várias direcções, que me enchessem de substâncias que me embalasse a juventude, e que a contivessem cá dentro. Não tenho saudades desse tempo, como de resto, tenho de poucos. Cada um é vivido em seu pleno direito, quando isso tem de ser, para depois dar lugar a algum outro que se lhe siga, é a lei da existência. Mas não tenho saudades, acima de tudo, pela ausência de calma que lhe é fulcral. Hoje, não tenho pressa. Tenho outras coisas, que não vêm ao caso nomear, mas pressa, apenas e só na gestão do dia, quando este assim me exige. A viagem acelerada que encontro em alguns, já tem em mim um efeito de sorriso e distância. Do saber que, muito provavelmente, um dia sossegam. E saboreiam.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
A vida
Chega esbaforida porque ele caiu. Nunca foram mais, foram sempre só ele e ela. Nem bem sei se de vontade ou circunstância, coisa que convenhamos, nem vem agora ao caso, que a ter sido por uma ou por outra, a derradeira consequência quando o corpo pesa, e a mente, por sua vez, descansa, é exactamente a mesma. Poderá quiçá existir, e em caso de que a escolha tenha sido isso mesmo, escolha, alguma réstia de culpa escondida, embrulhada dentro das entranhas das almas, como que a roer, muito devagarinho, o pouco que ainda resta. Olho por vezes em certos olhos incapacidades. De compreender estas pertenças, como se aqueles dois seres um do outro, ou outros em idêntica circunstância, fossem uma mísera aberração da natureza, ainda por cima chata, impertinente, pelo excesso de zelo e protecção mútua, pelo excesso de dependência, no fundo, muitas das vezes, pelo excesso de amor, que aqui apelido de excessivo, abusivamente claro, dado ser coisa que nunca o é. Perturba as gentes esta nobreza de sentimentos, construídos no decorrer de vidas já longas, vidas velhas, vidas grandes. Que nunca se julguem fáceis estes processos tardios, de quem muito já viveu na sombra da partilha, e que de repente, sem esperar, se sente um tanto ou quanto sozinho, coisa que não conhece. E se a solidão já não é fácil para os que a conhecem ao perto, para aqueles que lhe entregaram a vida, por desejo ou inibição, para estes, os da pertença, os dos momentos e das mãos próximas, será muito mais difícil, porque estão circunscritos a uma existência conjunta, e sem ela, pouco ou nada são. Ainda para mais, quando esta provação lhes surge num corpo já fustigado por doenças e fragilidades. É a vida, dizem. É, bem sei que sim. Lixada que só ela.
Da ordem do dia
Não há muito tempo, perguntava-me o meu pequeno o que era a Maçonaria. Aliou-lhe ainda a Carbonária, associação que confesso, não conhecia ao pormenor, embora tivesse alguma ideia sobre os pressupostos. Hoje, a Maçonaria, tema que estudei em tempos, e com muito interesse, tenho a dizê-lo, parece voltar à ordem do dia. O secretismo emblemático onde se envolve, atribui-lhe um certo misticismo, valorizado por uns, duvidoso para outros. O que a mim me parece, honestamente, e do que vou assimilando sobre o assunto, é que nos dias actuais, e muito longe dos pressupostos iniciais da génese da organização, quem a procura, procura-a com algum intuito muito mais pessoal do que filosófico ou moral. Não trata esta minha observação mera má língua, vontade em desdenhar o préstimo alheio, ou qualquer uma outra atitude menos nobre. Faço-o com alguma fundamentação que vou recolhendo sobre o que sei do assunto, e no que vou lendo sobre ele. E também porque já conheço, ainda que minimamente, o Homem. E nos dias que correm, vindo de algum fenómeno que ainda não sei bem explicar ( talvez um dia), parece-me pouco provável os princípios básicos da Maçonaria, ligados ao respeito ao próximo, ao combate à corrupção, à evolução do espírito humano, entre outros, sejam móbil de acção para tanta da gente que ali se encontra. Os interesses individuais falam sempre muitíssimo alto. Têm uma voz forte, pronto, é isso. Se os haverá regidos aos verdadeiros pressupostos, pois deve haver. Eu quero muito acreditar que sim. A organização é nobre, e merece isso.
domingo, 13 de novembro de 2011
...
Em tempos idos, um dos meus "brinquedos" favoritos era um mata moscas, com o qual eu não matava mosca alguma, mas que eu adorava. O meu filho, adoptou há tempo considerável, uma mão de madeira para coçar as costas. Com a qual não coça costas, mas que parece dar-lhe serventia para inúmeras tarefas, desde impulsionar balões, a tê-la na mão, apenas e só.
E se calhar, eu não deveria estar aqui a partilhar estas coisas, um tanto ou quanto peculiares. Para não utilizar outra palavra qualquer.
Cansaços
Hoje em dia lembro-me muitas vezes de como aprendi a andar de bicicleta. Uma menina, ainda pequena, a quem o pai, muita a contragosto, se viu forçado a oferecer uma, que eu não mantinha o meu bico calado, e pedinchava-a a cada hora do dia. Foi no Natal. Não queria cá rodas de ambos os lados, queria pedalar sozinha, sem qualquer tipo de apoio ou protecção. O meu pai, cuidadoso com a minha integridade física, iniciou então a dedicada empreitada de correr a meu lado, a fim de me segurar o banco, não fosse eu perder o equilíbrio e vergar, pobre criança, que poderia esfolar um joelho. Ou os dois até. Passaram-se tempos e o meu pai corria a meu lado aos fins de semana, mas vá lá saber-se porquê, o equilíbrio não surgia, teimava em não pousar em mim. Já julgava eu, tratar-me de alguma fraca pessoa, uma nódoa, incapaz de se manter de pé em cima de um veículo de duas rodas, que continuava a abanar muito, quando eu lhe assentava o rabo em cima. E eis se não quando, num dia em que o meu pai partiu em caçada, eu resolvi pegar na dita bicicleta, e escondida, rumei até à ladeira mais próxima, uma estrada de terra cravejada de pedras e buracos. E pensei descê-la. E desci-a, claro. E esfolei o joelho, só podia, mas tornei a descer porque era o que eu queria muito. E à segunda e à terceira já não caí. Iniciei o processo sem pedalar, de pernas de banda, apenas para manter o equilíbrio. Ao fim da tarde, de joelho esfolado, já conseguia levar os pés aos pedais, e foi com um sorriso que cheguei a casa, esfolada, é certo, mas feliz. E quando às vezes estou cansada, gosto de relembrar esta história. É minha, foi há muito, e ainda aprendo com ela.
sábado, 12 de novembro de 2011
Um computador é...
Aquela coisa fantástica que de muito nos vale, quando tudo corre bem, e que muito nos dana, quando algo corre mal. Encontro-lhe analogias com outras coisas, sobre as quais não tenho por ora paciência para dissertar.
Autoridade
Todos os dias, talvez salpicados de uma ou outra excepção, ocorrida normalmente em ocasiões de chuva intensa, que poderá inundar o caminho, e deixa-lo apeado em qualquer curva da estrada, muito deserta e sinuosa, aparece. Traz uns óculos de aro elegantes, uma boina a aconchegar-lhe a cabeça, um casaco de agasalho, que agora já se faz sentir frio, uns dias um sorriso. Deixou-a lá há um ano, mais coisa, menos coisa, e desde aí que vive sozinho na casa alugada que partilharam toda a vida, situada ali para o lado das Portas do Sol, o jardim mais lindo da cidade velha. Do que recebe faz uma gestão cuidada, cozinhando com muita atenção exactamente o que lhe faz falta. Uma carne guisada ao Domingo, que chega a Segunda ainda fresca, um empadão à Terça, realizado com os restos que chega para o dia, uma sopa na Quarta, que se estende a Quinta, e por aí fora. No mesmo corpo faz uma mistura intrigante de mau e de bom, chegando ali amiúde inundado de boa disposição, capaz de virar o espírito na mais pequena contrariedade. Sempre foi assim, diz-me ela, muito baixinho para ninguém ouvir. Vá lá ele saber que ela disse tal coisa, e poderá até castigá-la, ela sabe disso, deixando por tempos de vir visitá-la, ou de lhe trazer as broas com água pé, os celestes doces, ou os arrepiados de amêndoa. Até porque, e do lado de lá, ninguém mais chega, senão aquele ser alto e esguio, seu marido, como afirma ela, ainda feliz. De vez em quando, quando ele vem bem disposto. Ontem trazia um saco de castanhas assadas, e uma pequena quantidade de costeletas de borrego guisadas, muito cheirosas. Ela gosta, diz-me entre dentes, e entra. A velha, na hora do jantar, sorri perante o pitéu, depositado no prato, rematado com uma sobremesa de castanha assada, já descascada, que a mão está ferida e encarquilhada. Não deseja ficar connosco?, ainda arrisco, sabendo a resposta. Não deseja, que a fazê-lo, teria de chegar a casa já noite escura, e não lhe seria possível arrumar o carro na garagem. Um problema, que em seu direito não deseja enfrentar. Bateu a porta e saiu. Prometeu para hoje uns sonhos fritos e doces. Ela sorri, e fica, em silêncio, à espera.
Encontro naquele homem o protótipo antigo da autoridade e do cuidado. Rigoroso ao extremo nas execuções do seu dia, que lhe faz falta essa postura para sentir segurança. Há muito que não via um exemplar tão fiel.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Da liberdade
Nunca houvera percebido, o porquê de o seu corpo nem se bastar devidamente, que chegaria prestar-se em cada função, de forma adequada e sem demais, para que os seus olhos vissem, os seus ouvidos ouvissem, a sua boca falasse, o seu coração sentisse. Não é que não o façam, que com a graça divina, não existe qualquer tipo de limitação palpável nas funções efectivas do seu ser, mas é que em análise esmiuçada, daquelas executadas de quando em vez, não muitas, que a assim sê-lo poderia a mente sair prejudicada, tais as desgraças que encontra, percebe-se inundada de limitações. Deveria ver muito do que não vê, dizer muito do que não diz, e por ai adiante, seguindo o que se referiu anteriormente, e ainda estendendo a outras funções, que vai-se a ver e nem são só aquelas, embora eu vá dispensar de as nomear, sob pena de maçar quem lê. É a alma conclui, que inundada em crenças de carácteres diversos, incutidas pela sociedade que tanto a limita como a faz crescer, a principal responsável por tais condicionamentos físicos, totalmente inexistentes em caso de pureza. Só para que percebam, podem tomar de exemplo uma ingénua criança, ainda longe dos quês impostos, dos dogmas incutidos, dos estereótipos criados, dos medos nascidos. Tudo o que vê ou assimila, encaixa no campo puro das sensações, e é incapaz de dizer o que não sente, ou de sentir o que não é, deixando-nos a nós, adultos, por vezes envergonhados, com tanta sinceridade. Crê pois, que apenas elas vivem em pleno o que há para viver, sendo que deve até existir um limite, mais ou menos no mesmo sítio, um pouco mais para adiante, ou um pouco mais para atrás, a partir do qual deixamos muitas das vezes de ser nós mesmo, para enveredarmos para o caminho esperado. É por isso, conclui ainda, que elas são mais felizes. Elas não sabem, mas são livres. Daquela liberdade da mente. A verdadeira, portanto.
Castanha
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Para quê, e de como esta pergunta nos faz crescer...
Debruço-me amiúde sobre a dor, leio sobre ela, chego-me perto de quem a experimenta. Neste exacto momento, encontro-me numa séria pesquisa que se irá transformar num trabalho que realizo, e que muito prazer me está a dar. No que encontro, nas teses escritas por quem, tal como eu, se rodeia do sofrimento, encontro ensinamentos profundos de quem já viveu muito na sombra dos dias. De quem já viu de perto e já percebe, sem mais questões ou justificações, que as coisas nos podem suceder em catadupa, apenas e só porque sim, sem nenhum motivo ou justificação. A necessidade inerente que temos de tentar perceber tudo, não nos leva a mais do que à própria ignorância da qual somos portadores. De que nos vale questionarmos-nos acerca dos porquês, se nunca lá chegaremos? De que nos serve a angústia de tentar prever ou eliminar sentimentos, se a única coisa que conseguimos será a permanente insatisfação, por vermos defraudadas as nossas expectativas? O caminho será sim, dizem os entendidos, e nos entretantos, digo eu, a procura do para quê. Para que nos serve isto ou aquilo, do qual sempre fugimos, e que ao fim, não conseguimos escapar? Para onde nos levam os caminhos menos bons, que de uma forma ou de outra, todos percorremos? Para que ser nos encaminha, a nós, inteiros, constituídos de corpo e de alma, protagonistas, tantas das vezes, de antagónicas evoluções? O perceber o para quê, assume-se, julgo poder dizê-lo, como uma das mais sérias questões da humanidade, que todos os dias nos deveríamos pôr a nós mesmos. Os porquês deixemos para quem deles se possa encarregar, e que decerto não somos nós. Até porque, e em momentos derradeiros de dor e de pesar, as questões sem respostas podem aguçar culpas desnecessárias, fazer emergir dúvidas penosas, frustrações dilacerantes. Inúteis, completamente inúteis, para quem não pode voltar para trás.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
...

Sempre gostei muito desta. Lembra-me festa e assim, mas não julguem cá que me descoso mais por aqui, que nem sou dessas coisas. Meia dúzia de respostas, um colega atrevido, e entram-me no meu eu mais sagrado. Era não era? Pois. Quem me respondeu andou para não parar de ver coisas. Aqui e no resto. Ele não sabe, mas eu já sei que me farto. E perguntam vós e bem, mas como, como é que uma imagem nos diz tanto? Pois, eu sei, mas não vos digo. Mas fiquem com a informação de que diz. E é que diz mesmo.
Impulsos
Assiste-me por vezes uma dificuldade em perceber até que ponto existe ignorância, ou se, por outro lado, estamos perante alguma artimanha dissimulada, muito proveitosa, quando o que trata é desenrascar. Não me apraz propriamente cometer injustiças, falsas avaliações, precipitações previsíveis de quem já leva uns anitos disto, e não acredita na terra do nunca, que para quem não sabe é uma terra que existe por aí, onde dizem haver pequenos seres e outras coisas que eu não conheço. Posto isto, e por uma questão de princípio, não vá eu, maléfica, terrífica, entrar em juízos desajeitados, totalmente impróprios em algumas situações, tenho por hábito acolher as mentes alheias e desconhecidas inundada de vontades sadias, bons pensamentos, boas energias, enfim, tudo de bom. É um esforço por vezes desumano, acreditem, mas que faz parte da minha abordagem ao mundo. Talvez por isso, ou talvez até talvez nem fique bem, o melhor será dizer que é mesmo por isso, que tenho alguma dificuldade, ou pronto, uma dificuldade séria, de que me ajuízem frivolamente, e se deixem inundar de avaliações precipitadas, muitas das vezes sem fundo de verdade. Logo a mim, uma pobre criatura que em tanto se esforça, com o objectivo de tal injustiça nunca cometer. É muito mais fácil, bem sei, mas viver neste mundo não é propriamente pêra doce. Precisamos, e em nome do saber viver, de uma dose considerável de boa vontade. Ou isso, ou vamos por cá andando de pé atrás, coisa que convenhamos, não nos leva a grandes impulsos para a frente. E quanto a mim, só para quem não sabe, podeis ficar tranquilos. Sou boa pessoa, não cato ninguém pelas costas. E pela frente, também vos posso dizer que será coisa difícil, de se dar em ocorrência. Quanto ao facto de ser defeito ou qualidade, falemos depois. Um dia destes, ou assim.
domingo, 6 de novembro de 2011
Compreensões
Pela primeira vez percebi a azia da minha mãe, quando eu lhe dizia, há muitos anos, que preferia a sopa de feijão da minha avó.
Da crença
Acho bizarro continuar a encontrar gente que crê na pureza do Homem. Como se possível fosse haver um mundo de igualdades, no lugar onde hoje existem manifestações horrendas, todos os dias. Não consigo perceber se trata ingenuidade, se capacidade de idealizar a utopia, se verdadeira crença na pureza do mais impuro que existe no mundo. Inicio, como habitualmente, um contraponto discreto, que de imediato cesso, perante a indignação. Não ouso mudar mentes, muito menos as que se insurgem com prepotência, como se verdades absolutas proclamassem. Oiço, tento compreender, ainda que continue aquém no processo. Ao mesmo tempo, cá dentro, invejo quem acredita tão genuinamente na capacidade humana do respeito, da clareza, da ausência de interesses egoístas, capacidades suficientes para criar um mundo tranquilo e são. Nem sei se não me seria mais sensato, manter esta ingenuidade na nossa natureza, que quanto mais conheço, mais me assusta. Já sei há muito que não escolhi um caminho fácil, que cá dentro, na mente, encontramos toda a violência que sem sequer imaginamos existir. Mais ou menos transparente, mais ou menos trabalhada. O meu ímpeto, é sempre o de conhece-la mais e melhor, mas o que encontro, não é bom, nem tranquilizador. Pudesse eu inverter caminho, pudesse eu regressar à confiança onde ainda encontro tantos, e ponderaria o regresso. Seria, com toda a certeza, senão mais feliz, pelo menos mais crente, tal como eles. A crença, é algo que nos segura em pé.
Lugares de mim
Lá no olival vêm-se batas floridas, compostas por botins verdes e chapéus de sol. As mulheres sempre gostaram de batas floridas, como se as mesmas compusessem uma beleza já ida, um aligeirar de pesos, uns sorrisos já esquecidos. Muitas rugas rasgam faces tingidas pelo sol de inverno, enquanto os cânticos douram as tardes já frias e muito ásperas. Sente-se um vento forte. Cá dentro, nas memórias embutidas que tento esquecer, surgem-me afagos já idos, doces, quentes. Não gosto de os sentir, e queria muito esquece-los, como se possível fosse. Um dia, Miguel Sousa Tavares, que tantos gostam, como tantos detestam, disse algo que me persegue. E conta que com ele caminham todos os importantes da sua vida, ainda que já se tenham ido. Acrescenta ainda que não perdeu nunca nada, apenas a ilusão de que tudo poderia ser dele para sempre. Nada é nosso, é um facto, embora gostemos muito de julgar que sim. Luto a cada dia por encarar este facto, mas ainda não estou lá. A pertença, mesmo que ilusória, continua a fazer parte da minha vida. A leveza de tudo, a inconsistência da vida, ainda não é um lugar meu.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
A mente, por vezes esquecida
Admiro muito todos os avanços que se fazem no estudo do corpo. Hoje li que se produziram alterações em ratos, as eternas cobaias, e que se equaciona a probabilidade de se poderem vir a manipular células humanas, a fim de atrasar o seu envelhecimento, introduzindo substâncias que as alterem nesse sentido, o que poderá ajudar-nos no combate a algumas doenças. Sinto, sem desvalorizar, mais uma vez o digo, os avanços da genética e da medicina, que trabalho com o parente pobre do Homem. Não gosto deste sentimento que sinto amiúde, e que me chega tantas vezes, de um Homem dividido entre corpo e sistema psíquico, onde um é causador de sérios investimentos, e o outro, fica muitas das vezes esquecido, mesmo no essencial. As próprias pessoas, na generalidade, parecem esquecer esta parte de si. Ousam cuida-la apenas quando ela sofre, mas quando sofre muito mesmo. Raramente encontro, uma verdadeira preocupação com a evolução enquanto pessoa, e com a saúde mental. Quase como se a mesma nos passasse despercebida, e se assumisse importante apenas quando nos dói muito. Não quero com isto dizer, que todos os seres humanos necessitem de apoio técnico nessa vertente, embora arrisque afirmar, por razões diversas, que esta seria sempre benéfica. Tal e qual como realizados check ups ao corpo, essa análise à mente, por parte de quem sabe fazê-la, seria sempre uma mais valia para o salutar seguimento da individualidade de cada um. Mas mesmo que, por motivos de ordem diversa, não se faça este percurso, poder-se-ia pelo menos gastar um pouco mais de tempo e energia numa auto análise, que se encontra ao alcance de todos. E constitui uma tarefa muito frutífera, para o crescimento interno de cada um. Honestamente, e no panorama que encontro na actual conjuntura, nem percebo o porquê da excessiva vontade de se prolongarem corpos ao infinito, quando por dentro, na alma, tanto parece estar perdido.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Fumo
Lá na entrada do Banco estava gente que fumava. Não tenho nada contra quem fuma, mas tenho contra aglomerados de gente que deita fumo nas portas dos edifícios. Não é por nada, é porque fica muito feio, e reservo-me o direito de implicar com estas coisas, quanto mais não seja cá dentro de mim mesma. Encontro estes grupos por todo o lado, principalmente, e para além dos bancos, repartições de finanças, câmaras, escolas, sim escolas, aquele sitio onde não se pode fumar dentro, ainda que existam espaços de ar livre, mas onde se pode fumar fora, mesmo encostados ao portão, professores, alunos e funcionários, todos numa amena cavaqueira. Até porque aquela máxima de que os exemplos vêm de cima, faz muito sentido no que toca aos docentes, que deverão dar o exemplo àqueles que levam em casa com o fumo dos pais. Sim, é bonita a perspectiva, que assim promove ao menos o diálogo descontraído, do vamos fumar um cigarro, todos juntos. Não é que queria transformar o tabaco numa coisa condenada pela lei, nem os fumadores numa classe a abater, eu que até sou bem capaz de dar uns bafos em dias de neura, ou, inversamente, em alturas de acesa convivência social. Só acho que ultimamente se fomentam muito estes comportamentos, desde que as gentes já não se podem sentar na pastelaria da esquina a mandar fumo, pela saúde de todos, bem sei. E então manda-se fumo às portas. Pronto, não gosto, é isso. E ainda gosto menos quando estou na fila, à espera que acabem o vício. Se fumassem todos nas traseiras onde ninguém vê, clandestinamente, como eu em tempos de estudante, ninguém se enervava, e eu julgo até que era capaz de acabar com esta minha embirrância.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Isto é que vai uma crise...
O meu filho pergunta-me quando chega a casa, se ouvi as notícias. Pergunto porquê, e atira-me que o BCP está em queda. Não sabe o que diz, bem sei, que eu aos oito também não sabia. Mas confesso que prefiro quando ele chega e diz coisas do género, mãe, hoje comi gulodices ao lanche... Ou qualquer outra de carácter semelhante.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
A carreta
Ali naquele sítio ainda se enterra a gente quando esta morre. Não existem cá aquelas modernices dos fornos que desaparecem com qualquer resto que possa haver do que já foi pessoa. Ali, rezasse de joelhos perante um cubo de mármore branco, muito arranjado e carregadinho de flores. Nas lápides estão dizeres escritos por quem cá fica, e que assim presta uma homenagem sentida, um louvor, um sentimento. O carreiro que lá chega é de terra batida, e o portão, de ferro forjado, encontrasse fechado a sete chaves, que o local é santo, e deve apenas ser procurado por gente de bem, que a querer fazê-lo, seja para reza, ou para o zelo da campa, deverá solicitar a chave a Dona Emília, fiel guardadora dos mortos desde há muito. Quando também ela morrer, quando passar para o lá de lá do portão, e para debaixo do chão, coberta de dizeres e de santos imaculados, algum outro depositário se deverá encontrar. Provavelmente, nem será fácil, que nas imediações do cemitério, nem residem já muitas gentes desocupadas, a não ser, claro está, alguns velhos, também eles já sérios candidatos à entrada, e não à guarda.
Mesmo ao lado do cemitério, existe uma pequena casa, onde o coveiro guarda todos os utensílios necessários ao enterro dos mortos, pás, baldes, e outros instrumentos. Para além disso, existia já de há muito uma carreta, que para quem não sabe, se trata de um pequeno carro de madeira, conduzido à mão, com a serventia de executar o trajecto que vai do carro fúnebre até ao buraco. Essa carreta, velha e carunchosa, foi restaurada. Uma alma benemérita da terra, achou por bem arranja-la, poli-la, e trazê-la de novo à luz do dia, que há muito não saía do seu local de armazenamento, por falta de préstimo e apresentação. A partir de hoje, a carreta irá de novo servir o povo, e permitir o descanso dos braços daqueles que levavam o caixão até ao seu destino final. Nas paredes do cemitério, sobem saramantigas e outros bichos medonhos, mas o dia foi bem escolhido, estava sol. A cerimónia tinha uma fita que foi cortada por Dona Emília, a senhora das chaves. A partir de hoje, pode-se voltar a morrer ali, sem pesar à população.
Sinais dos tempos e outras do dia...
Os bolinhos já não fazem miúdos subir-me a escada. Moro num terceiro, sem elevador, e o chamamento não chega para que subam. Tocam, e ficam-se pelo rés do chão, primeiro, vá. Apenas um grupo subiu. Não me dá sossego esta postura, mas deixou-me cheia de bolos e rebuçados.
No almoço da família comi broas de ovo. A minha tia tinha um joanete que lhe doía, preparem-se, parece que é sinal de chuva.
Os olhos de água tinham uma água preta, completamente poluída. Uma dor de alma.
O Tim tim, foi muito bom. Se puderem espreitem, com ou sem miúdos.
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