domingo, 20 de novembro de 2011

Sossegada

Oiço-a e catalogo-lhe as palavras, com algo semelhante a isto: Senhora aceita partilhar casa com senhor que a ajude a suportar as despesas. Existem crianças, e o magro salário não chega. Em troca oferece cama e corpo, préstimos de cozinha, zelos de roupa. Aos Domingos não se incomoda de passear a seu lado, mesmo que seja um de cada parte da rua. Não exige sentimentos, nem de um lado, nem do outro, apenas precisa do básico para sobreviver, e o básico, não inclui essas coisas. A disponibilidade é imediata. Nos entretantos o senhor surgiu. É tudo aquilo e mais alguma coisa, vá lá, teve sorte. Amor não existe, mas existe paz. Vai vivendo os dias devagar, que as pressas são-lhe inimigas, e não lhe apetece render-se a elas. Falo-lhe de cores, e olha-me com calma. Nem bem percebe a analogia que lhe peço, mas diz-me, mais ou menos feliz, que a sua vida é de uma cor neutra, mas que já foi negra. Como a fome. E por isso está melhor assim. Quando lhe pergunto por cores mais fortes, diz-me então que as não conhece, e que já nem ambiciona conhecer. Há coisas que com o tempo nos fogem, perdemos-lhe o alcance. Não que deixassem de existir no mundo, mas deixaram de existir para mim. Foram as escolhas, sabe? Nós pensamos que quando decidimos, o que deixamos para trás pode sempre ser reconsiderado, mas não é nada assim. Muitas das vezes, e num acto de cobardia, desdenhamos grandezas sérias, e elimina-mo-las para sempre. Ficaram lá no passado, que é um sítio carregado de acontecimentos que nos pertencem, mas que jamais alcançaremos de novo. Uma coisa dúbia o passado, de tão nosso e de tão longínquo. Se me atormento com ele? Nem por isso, mas por vezes lembro-me. Penso no que teria sido de mim, se tivesse escolhido outros caminhos, com outras decisões, impossíveis de reconsiderar. Se sou feliz? Tenho dias. Tenho o básico, e isso tem de me chegar. O problema, é os dias como o de hoje. Quando isso não me basta. Por norma nestes dias faço bolos doces e como muitos ao jantar. O conforto do estômago cheio atenua-me a sensação de coração vago. E assim durmo muito sossegada.

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